No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade” (Chico Mendes)*

Em dezembro/2018 faz trinta anos que foi assassinado Chico Mendes, o seringueiro que iniciou sua luta a favor dos povos da floresta, tornando-se sindicalista, político e ativista ambiental com reconhecimento internacional. Após sua morte, qual foi o legado deixado pelo seu trabalho e quais as perspectivas para preservação do meio ambiente no Brasil?

A realidade de exploração à qual os seringueiros eram submetidos na Amazônia, assim como a expulsão dos extrativistas da floresta pela ambição dos grandes proprietários de terra, transformou-se em indignação aos olhos de Chico Mendes. Nascido em Xapuri (AC), começou a trabalhar nos seringais ainda na infância. Devido à falta de acesso ao ensino na região, foi alfabetizado já adulto pelo militante socialista Euclides Távora.

Em 1975, Chico Mendes começou sua atuação como sindicalista rural se unindo aos seringueiros na luta contra o desmatamento predatório da floresta e contra a violência no campo. Entre 1977 e 1979, atuou politicamente como vereador Xapuri pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Assim como no sindicato, Chico atuou no legislativo mobilizando atores sociais em torno dos direitos dos seringueiros, das expulsões das posses e pela criação de uma política de preservação da floresta – fato que causou repúdio aos fazendeiros que buscavam explorar a qualquer preço os recursos naturais do local.

Em 1980, perante a baixa adesão do MDB a causas ambientais, Chico Mendes participou do processo de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e tornou-se o primeiro vereador acreano do partido. Ao lado de Lula, participou de diversos comícios a favor dos trabalhadores rurais do estado. Segundo frase de Chico Mendes citada no livro Testamento do homem da floresta1: (…) “O Partido dos Trabalhadores tem sido o único partido, com todos os seus problemas, que tem dado maior cobertura, maior apoio à luta dos seringueiros”.

Em 1985, o ambientalista coordenou o 1º Encontro Nacional de Seringueiros e participou da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). O destaque do encontro foi à proposta de unificar a pauta de interesses dos seringueiros, povos indígenas, pescadores artesanais, população ribeirinha, castanheiros e quebradoras de coco em torno do conceito de “reservas extrativistas” – áreas de preservação florestal, onde seria conciliada a convivência de povos indígenas e extrativistas comprometidos com a colheita não predatória de recursos naturais, tais como látex, peixes e castanhas.

A proposta de criação das reservas extrativistas e a unificação da luta dos povos da floresta ganhou reconhecimento de entidades internacionais e foi o ponto alto da militância protagonizada pelo ambientalista. Não é preciso mencionar que a ideia de criação de reservas florestais levantou a ira dos grandes proprietários de terra, que viram seus interesses de exploração dos recursos naturais ameaçados. Em 1988, o descontentamento dos poderosos resultou no assassinato de Chico Mendes por fazendeiros donos de seringais locais. A partir da morte do ambientalista, a luta pela preservação da Amazônia tomou proporções mundiais.

O legado de Chico Mendes está presente na trajetória do Partido dos Trabalhadores. Nas gestões petistas de Lula e Dilma na presidência da república consolidaram-se avanços importantes tanto na política de preservação do meio ambiente, quanto no apoio do Estado para obtenção de direitos para os povos das florestas.

Os governos petistas mobilizaram grandes esforços para na consolidação de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) próximo ao idealizado por Chico Mendes, resultando em uma expansão de mais de oitenta unidades de conservação – correspondente a 28 milhões de hectares protegidos.

O Cadastro de Unidades de Conservação (CNUC) mostra que o Brasil possui um saldo de 698 unidades de conservação, somadas as 973 Reservas Particulares do Patrimônio Natural – uma cobertura de 15% do território brasileiro. Uma vez consolidadas, as unidades de conservação permitem a preservação da natureza e exploração sustentável ao ser geradora de valores dos bens e serviços associados ao extrativismo, à pesca, ao turismo, ao carbono florestal, aos recursos hídricos e a geração de receitas tributárias municipais. Após a morte de Chico Mendes, foi criada a Reserva Extrativista Chico Mendes, no território onde o ambientalista residia.

Nos governos petistas também houve redução do ritmo do desmatamento na Amazônia, especialmente entre 2004 e 2012 – período em que a redução chegou a 86%. Nesse período, importantes medidas foram tomadas para que se conseguisse diminuir o ritmo no desmatamento, entre elas a conservação ambiental, a fiscalização, penas mais duras e restrição de crédito.

No quesito conservação, houve ampliação das áreas protegidas na Amazônia conforme já mencionado. A partir de 2008, houve um maior rigor na fiscalização dos municípios com área de desmatamento intensa e os proprietários cujas terras foram ilegalmente desmatadas passaram a responder a penas como embargo de atividades e apreensão de bens. No mesmo ano, a Resolução nº 3545/2008 do Banco Central passou a estabelecer exigência de documentação comprobatória de regularidade ambiental e outras condicionantes, para fins de financiamento agropecuário no Bioma Amazônia.

Ao longo dos governos Lula e Dilma foram elaboradas políticas de fortalecimento dos povos da floresta defendidas por Chico Mendes. Extrativistas e comunidades tradicionais foram incluídos na estratégia de geração de renda rural do governo federal, as quais, junto com os agricultores familiares, tiveram acesso a programas públicos de obtenção de terra, de regularização fundiária, de crédito produtivo rural, de assistência técnica e de acesso aos canais de comercialização. Merece destaque a criação do Plano Nacional de Promoção dos Produtos da Sociobiodiversidade, direcionado especialmente aos extrativistas da floresta.

Entretanto, o momento atual e as perspectivas não parecem seguir a mesma tendência das gestões do PT no governo federal. O período pós-golpe foi marcado pelo aumento da violência do campo. Em 2016, o Brasil foi o país do mundo com maior número de assassinatos no meio rural. Em 2017, os conflitos no campo totalizaram 1.431 ocorrências, fruto da desestruturação da política agrária e rural brasileira pelo governo ilegítimo de Michel Temer (MDB). A violência no campo esteve acompanhada de redução ao combate do trabalho escravo, paralisação da reforma agrária e pela não demarcação de terras indígenas. Todos esses itens foram deixados de lado em detrimento ao favorecimento dos interesses do agronegócio e de sua representação em torno da bancada ruralista do Congresso Nacional.

O futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL) também deve seguir uma tendência oposta à base da sustentabilidade recém-constituída pelos governos petistas. Em suas declarações, aponta que pretende retirar o Brasil dos tratados internacionais já pactuados, entre eles o Acordo de Paris. Após ouvir a opinião de seu futuro presidente, o governo brasileiro desistiu de sediar a COP25, Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, mostrando o descompromisso com as políticas públicas de melhoria das condições climáticas, e chegou a questionar a teoria do aquecimento global.

Nesse sentido, Bolsonaro também se diz a favor da exploração irrestrita da Amazônia e pretende flexibilizar a lei que institui as Unidades de Conservação no país. Por fim, Bolsonaro pretende reduzir a importância do licenciamento ambiental para atividades que degradem o meio ambiente, assim como eliminar os órgãos de controle ambiental ao propor serem absorvidos pelo Ministério da Agricultura. Após 30 anos do assassinato de Chico Mendes, todas as manifestações do novo governo vão na contramão do desenvolvimento sustentável preconizado por Chico Mendes e colocado em prática pelos governos petistas.

*GRZYBOWSKI, Cândido (Org.). O testamento do homem da floresta: Chico Mendes por ele mesmo. Rio de Janeiro: Fase, 1989. 71p.

 

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