Com a proximidade cada vez maior do futuro governo e as seguidas confirmações do caráter militarizado que terá, cresce a convicção de que será preciso ampliar ou construir redes de solidariedade e proteção com as populações que vivem nas periferias brasileiras, aquelas que normalmente mais sofrem com a violência e o arbítrio.

Essa é uma das conclusões do primeiro dia do seminário nacional Violência, Cultura e Trabalho nas Periferias do Brasil, realizado ontem, em São Paulo, pelo projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo.

Uma das ferramentas dessa rede de proteção e solidariedade precisa ser a coleta e difusão de conhecimento e de dados estatísticos, que denunciem a desigualdade e as práticas que venham a aumentá-la.

Duas pesquisas apresentadas ontem pelo Reconexão Periferias funcionam como bons exemplos disso. Uma delas, sobre a violência no Brasil e a incidência de mortes por agressão, relembra que só a partir dos anos 2000 os dados oficiais passaram a identificar que a população negra é a maior vítima da violência – inclusive policial.

Essa confirmação se deu porque em 1996 começou a ser obrigatório identificar a cor da pele das vítimas nos atestados de óbito. Informação como instrumento de luta e de denúncia da manipulação estatística, como lembrou a pesquisadora Jackeline Romio, uma das autoras do estudo.

Juliana Borges e Jackeline Romio na apresentação de uma das pesquisas

 

A segunda pesquisa divulgada indicou outra pista alternativa à ocultação ou maquiagem de dados oficiais. Tratando de chacinas no Brasil, a pesquisa se orientou pelo noticiário, entre outubro de 2016 e julho de 2018, e nessa fonte colheu informações sobre 849 mortos em chacinas, número bem próximo do registrado pelas secretarias de segurança dos estados da federação. Como destacou o pesquisador Daniel Marques, esse resultado demonstra alternativa a uma provável mudança nos registros de homicídios.

A realização de pesquisas já é uma prática do Reconexão, como ferramenta para a ação política, comentou o coordenador do projeto, Paulo Ramos. “Temos trabalhado com três eixos de pesquisa sobre a realidade desses territórios: cultura, violência e trabalho, e são temas que se perpassam. Têm sido pontos de chegada mais que pontos de partidas”, disse. Uma das linhas do trabalho, segundo o coordenador, é seccionar os resultados estatísticos oficiais mais valorizados pela mídia tradicional e revelar novas associações. Lembrando que nenhuma estatística é apolítica, Paulo concluiu: “Estamos tentando problematizar os pequenos números, não só as grandes cifras”.

Paulo Ramos fala na abertura do seminário

 

Para Artur Henrique, dirigente da Fundação Perseu Abramo, “esse autoritarismo que vem aí vai exigir de nós que ninguém fique só. Ninguém deixa ninguém”. Ele informou que a entidade tem como meta para 2019 consolidar um observatório em defesa da democracia, que concentre dados e informações, vindos de todo o país, e os disponibilize periódica e permanentemente.

O público presente ao seminário é em sua maioria composto por moradores e ativistas das periferias de diferentes regiões do Brasil. Militantes de múltiplos coletivos e entidades, em grande parte negros e negras. O Reconexão Periferias tem por meta estreitar parceria com esses coletivos e organizar ações conjuntas. Participaram das atividades de ontem, além de militantes, professores e pesquisadores, os deputados federais Alexandre Padilha e Paulo Teixeira.

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