A democracia brasileira foi ferida pela disseminação de desinformação. Isso é um fato. O poder do povo fica enfraquecido pela mentira que gera confusão. Os eleitores foram bombardeados por dezenas de notícias falsas (não é possível mensurar a quantidade exata que circulou no WhatsApp), por textos que utilizam a pós-verdade para distorcer a realidade. O maior símbolo desse processo eleitoral duramente abalado é o “kit gay”. Se seis milhões de eleitores decidiram votar em Jair Bolsonaro por causa dessa mentira, então a democracia já foi atropelada.

O “kit gay” é apenas uma das formulações mentirosas. Na terça-feira, dia 13, Jair Bolsonaro pediu desculpas aos ministros do TSE por causa das críticas que fez às urnas eletrônicas. Quem não recebeu vídeos que faziam denúncias mentirosas de que havia urnas que não funcionavam direito? A articulação desse golpe contra a democracia foi preparada pela campanha de Jair Bolsonaro, mas o aplicativo de celular não pode deixar de ser responsabilizado.

O WhatsApp é uma ferramenta de comunicação privada que ganha milhões de dólares no Brasil, o seu maior mercado. Aqui, somos aproximadamente 120 milhões de usuários, 20% do mercado do WhatsApp no mundo. O negócio que faz o que quer dos nossos dados não pode fugir da transparência. Todos os dados que o Facebook (empresa que é dona do WhatsApp) puder fornecer, ele deve fazê-lo. Do contrário, será necessário denunciar ao mundo que mesmo sendo peça fundamental num sistema que corrompeu a democracia brasileira, o WhatsApp e o Facebook se recusam a revelar como o processo eleitoral foi influenciado pela mentira. Essas empresas precisam ser cobradas. Não podem se eximir do que foi feito com a ferramenta que elas detêm.

É evidente que o WhatsApp é o final de um processo muito maior e que atacou a democracia da mesma forma: distorcendo a realidade. Não há exemplo mais significativo do que a Operação Lava Jato e o juiz Sergio Moro. Durante anos, a opinião pública ouviu dizer que bilhões e milhões e mais milhões foram desviados dos cofres públicos durante os governos do Partido dos Trabalhadores. Entretanto, nunca a imprensa revelou o quanto toda essa quantia representava diante do Orçamento Federal ou de cada uma das áreas aonde os desvios ocorreram. Assim criou-se uma verdadeira pandemia com relação à corrupção. Não por acaso, a “corrupção” foi o grande balizador do processo eleitoral. Dezenas de milhões votaram em Bolsonaro contra a corrupção. Pesou a favor dele o fato de telejornais e outros veículos impressos e de rádio não chamarem atenção para o fato de que as dezenas de acusações feitas pelo Ministério Público e endossadas pelo juiz Sergio Moro, que antes eram tratadas como fatos, agora estão sendo arquivadas por falta de provas, de materialidade. Erro do Ministério Público? A hipótese nem foi cogitada. Até porque se fosse, a imprensa também teria errado pela forma como tratou quando ainda eram apenas teorias de acusação.

É importante que se diga: não há qualquer pista que possa demonstrar que a corrupção nos dias atuais é maior ou menor do que foi em períodos anteriores, simplesmente, porque antes não existia qualquer tipo de investigação sobre desvio de dinheiro. Portanto, não há como dizer se houve aumento ou diminuição da corrupção. O que existiu foi o aumento da percepção sobre a existência de corrupção no país. E é fundamental ressaltar que se ela foi descoberta, é porque os mecanismos de fiscalização passaram a funcionar. Mas essa perspectiva nunca foi exposta, só o que se fez foi criminalizar a política como um todo. Impedir que determinados grupos políticos apresentem suas perspectivas também é ferir a democracia.

O processo mais longo de criminalização se deu contra Luiz Inácio Lula da Silva. Foram três anos construindo a ideia de que ele é corrupto, mas nem assim conseguiram manchar a imagem do cidadão visto como o mais capacitado para governar o país a partir de 2019. É ao redor da sua prisão que pairam os acontecimentos recentes mais escabrosos da democracia brasileira. Primeiro, Lula foi preso sem provas e impedido de se candidatar. O maior beneficiado foi Jair Bolsonaro. Logo após a eleição, o juiz responsável pela prisão de Lula aceitou assumir o cargo de ministro da Justiça no governo desse que foi o grande beneficiado pela retirada do ex-presidente do jogo democrático. É espantoso que o juiz tope participar de um governo que se elegeu utilizando mentiras.

Fora todo esse processo recente, vale questionar há quantos anos a imprensa tradicional trabalha para manchar a imagem da esquerda. O que dizer do fato de a palavra “neoliberalismo” não existir na grande mídia brasileira? Então, o discurso que defende a supremacia do mercado sobre todas as instituições e ainda demoniza a atuação do Estado, não é identificado. Já as perspectivas das esquerdas e dos movimentos sociais são diariamente ignoradas. Se não há pluralismo de discursos, se o direito do povo ao acesso à informação é cerceado, é sinal de que a democracia brasileira está desequilibrada e funcionando mal há muito tempo.

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