Peço licença para dizer o óbvio: nunca seremos os EUA
Em tempos de governantes de “ peruca solta” parece necessário tratar de reforçar algumas obviedades, antes que elas também sejam alvo dessa máquina de destruição de sentidos que tanto estrago causou no recente processo eleitoral.
No campo da economia, é preciso dizer em voz alta que não somos e nunca seremos os Estados Unidos. Não apenas porque temos outra história e outra dimensão econômica, mas, principalmente, porque eles são os emissores da moeda internacional, o dólar. E isso faz que a gramática da economia de lá funcione muito diferente da que utilizamos por aqui. Vejamos porque:
Os EUA não sofrem com aquilo que os economistas chamam de “restrição externa”. Há décadas é uma economia que passa longos períodos registrando déficits comerciais e financeiros, sem que isso implique em escassez de divisas. Basta rodar a maquininha: mais dólares são injetados na economia e vida que segue;
◦ Já aqui, periferia, os ciclos de crescimento interno são frequentemente interrompidos porque com eles crescem as importações, as quais demandam maior volume de divisas (dólares) para continuar dando corda no processo de expansão. Sem maquininha, pisamos no freio.
Como o mundo trata de absorver o excesso de dólares que eventualmente estejam circulando nos EUA, o governo de lá financia seus gastos não apenas por meio das receitas tributárias (por isso podem ter uma carga tributária mais baixa), mas principalmente por meio de emissão monetária e/ou se endividando junto ao mercado, ampliando sem dó o déficit público e fazendo sua dívida pública crescer sem piedade. Mas ninguém se importa com isso, nem exige taxas de juros elevadas para continuar emprestando ao tesouro estado-unidense. A razão, claro, a bendita maquininha.
◦ Para nós, da perifa, porém, os excessos de financiamento monetário ou de endividamento são vistos com grande desconfiança pelos donos do dinheiro, pois podem levar a pressões inflacionárias e/ou desvalorizações cambiais, causando prejuízos a essa gente que raciocina em dólar. Atentos a isso, os donos do dinheiro exigem que os governos da periferia se comprometam com regras estritas de emissão monetária e de controle das despesas governamentais.
2) Sempre que há uma crise financeira internacional – mesmo que seu vórtice esteja nos EUA, como ocorreu em 2008 – os donos das fortunas que passeiam pelo globo se assustam e remetem o máximo que podem em direção à segurança dos títulos do tesouro dos EUA. Afinal, sim, eles têm a maquininha;
◦ Já nas bandas de cá, mesmo que estejamos bombando e com tudo em cima, somos muito sensíveis aos tremores internacionais. Para nos protegermos, temos que salgar nossa taxa de juros, diminuir os prazos de vencimento dos títulos do tesouro e, consequentemente, ampliar nossa dívida pública. Por conta disso, com muita frequência, não apenas abortamos nossos esforços de desenvolvimento, como buscamos cortar na carne do setor público para conseguir honrar o chamado “serviço da dívida”, isto é, pagar aqueles juros salgados.
Não sei se o leitor percebeu, mas mesmo quando tudo dá errado, para os EUA tá beleza. Do nosso lado, ao contrário, até quando está tudo maravilha, pode dar ruim. Nesse jogo, ser o emissor da moeda internacional faz toda a diferença e não estar atento a essa obviedade é um tremendo equívoco que ameaça esculhambar de vez o que resta de sólido na economia brasileira.