Agenda econômica de Bolsonaro não tirará o Brasil do atoleiro
Com o setor público de mãos atadas pela irresponsável Lei do Teto de Gastos, não há outra maneira de sairmos do buraco em que nos encontramos que não seja pela expansão do consumo e do investimento. O problema é que nenhuma dessas duas variáveis irá se mover se não houver crédito barato e fácil. Com famílias e empresas ainda muito endividadas e diante de uma perspectiva incerta quanto à renda futura (altas taxas de desemprego, contração da demanda pública, vulnerabilidade externa, volatilidade cambial, entre outras) será muito difícil convencer os agentes econômicos a voltarem a se endividar.
Entretanto, na cabeça ultraliberal de Paulo Guedes, o homem forte da economia do futuro governo Bolsonaro, tudo poderá ser resolvido com uma única medida saneadora: a drástica redução da dívida pública brasileira. De acordo com sua perspectiva, os juros no Brasil são altos porque as instituições financeiras desconfiam da solvência do setor público e para se protegerem embutem um prêmio de risco nas taxas de juros que cobram dos seus clientes. Além disso, segundo essa mesma concepção, se o governo se mantém gastando acima do que arrecada, acaba promovendo uma pressão inflacionária que se traduzirá em risco maior para os credores, os quais, para se defenderem, mais uma vez tenderão a salgar nas taxas de juros.
Infelizmente, contudo, Paulo Guedes está redondamente equivocado. Em primeiro lugar, como demonstram os números recentes da economia brasileira, nos últimos dois anos o aumento da dívida pública de aproximadamente 10% do PIB foi acompanhado por expressivas quedas da taxa de inflação e da taxa de juros básica (Selic), ou seja, ocorreu exatamente o inverso do que sugere o modelo mental de Guedes.
Em segundo lugar, porque em realidade os altos spreads que são praticados pelos bancos no Brasil estão diretamente associados à volatilidade de nossa taxa de câmbio, a qual, por sua vez, decorre do fato de que somos uma economia com uma moeda fraca (não conversível) e um mercado de capitais relativamente pequeno, mas bastante sofisticado – portanto, muito afetado por movimentos especulativos. Em tais circunstâncias, o preço do dólar é pra lá de incerto e banco nenhum se dispõe a oferecer crédito em reais com juros baixos e muito menos se atreve a financiar projetos de longo prazo.
Mas Guedes simplesmente não enxerga esses aspectos. Obcecado pela ideologia do Estado mínimo, promete zerar o déficit público em doze meses, privatizar as estatais para reduzir a dívida pública, desmontar o BNDES, extirpar os subsídios dos bancos públicos e vender até cem bilhões de dólares de nossas reservas. Se conseguir impor essa dieta draconiana ao país, estaremos condenados a mais alguns anos de inanição e ao aprofundamento do processo de desindustrialização.
Independente de alguma recuperação cíclica que se verifique em 2019, com a contração ainda mais aguda das despesas públicas, sem o poder discricionário sobre os investimentos das estatais, sem crédito de longo prazo do BNDES e com menos reservas internacionais, o país não só ficará muito mais exposto à histeria oportunista dos fluxos financeiros, como perderá quase que de forma absoluta os instrumentos de manejo da demanda agregada. Paulo Guedes e seus comparsas ultraliberais certamente comemorarão. Terão reduzido a pó a musculatura econômica do Estado brasileiro. Lhes restará o tacape para manterem o povo na toca.