Terra em Transe e o poder da distopia em antecipar-se aos fatos
Eldorado é uma terra imaginária onde a política e os temas sociais devem enfrentar a miséria e as injustiças. O populismo é o enredo para mostrar como as disputas de poder ignoram os problemas do povo. No filme, uma república periférica imaginária em plena crise da sua democracia entra em crise depois de um golpe de Estado. Obviamente aquela alegórica criação de Eldorado e Alecrim de forma indireta e sugestiva eram estratégias para falar dos problemas do Brasil e fugir da censura.
Mais atual do que nunca “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, pertence ao movimento do Cinema Novo Brasileiro. Uma tentativa de discutir temas como a desigualdade social, o preconceito e a política. Mas o filme vai muito além da política. A batida de candomblé na épica abertura marcou fortemente o jovem Caetano Veloso que, junto com Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e outros estavam em plena criação do movimento tropicalista. As misturas nas falas, os sons produzidos e as batidas compostas com as imagens provocam a náusea de um transe que talvez seja indigesto ao expectador, mas davam pleno sentido da convulsão social do momento.
Além de Glauber Rocha, José Agrippino de Paula, com seu genial e pouco conhecido “Hitler do Terceiro Mundo” (disponível aqui), Caca Diéges, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra entre outros faziam também do cinema uma arma contra a ditadura. Era uma geração que compensava os poucos recursos financeiros e tecnológicos com muita criatividade, ousadia e a influência dos principais movimentos transgressores da arte de sua época.
Para quem quiser assistir, o filme está disponível completo no youtube.
Talvez eu não pudesse dizer a mesma coisa cinco anos atrás, mas hoje certamente posso afirmar que, cinquenta e um anos depois, Terra em Transe tem nos seus temas um prelúdio de uma mesma distopia assustadora.