Líderes e intelectuais analisaram crise da democracia
A primeira mesa do seminário Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar, realizado hoje (14/09), pela Fundação Perseu Abramo, em São Paulo, teve a participação dos ex-primeiros-ministros da França e da Itália, Dominique de Villepin e Massimo D’Alema, respectivamente; do ex-secretário geral da Anistia Internacional e presidente do Imagine Africa Institute, do Senegal, Pierre Sané; do deputado do Parlamento do Mercosul e ex-ministro das Relações Exteriores da Argentina Jorge Taiana; e da filósofa e professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Marilena Chaui. A mesa foi coordenada pelo presidente do Comitê de Solidariedade Internacional em Defesa de Lula e da Democracia no Brasil e ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa Celso Amorim.
Os participantes debateram os fatores e circunstâncias que ameaçam a democracia no mundo. Villepin mencionou a queda dos Estados Unidos, o crescimento da China e a disputa sobre quem será o primeiro na ordem política, econômica e social como um dos fatores do desequilíbrio atual. Disse que os Estados Unidos não têm medo de atacar as instituições criadas após 1945, que estabeleceram a ordem democrática e multilateral. “A política dos EUA vai continuar depois de Trump, pois não querem que a China seja a primeira potência do mundo.”
Segundo o ex-primeiro-ministro da França, com o ex-presidente Lula, o Brasil colocou os países emergentes no centro dos Brics, comprometeu-se com a busca da paz, da justiça social e da democracia no mundo e se afirmou com um importante ator internacional, por isso o que acontece hoje aqui é da maior importância para o futuro da democracia no mundo. “Além das fronteiras, as pessoas observam os desafios deste grande país. Ou o Brasil escolhe o caminho da democracia ou irá rumo à violência política, numa aventura sem fim, o que representa um retrocesso na história. Por isso é um combate compartilhado pelos europeus”, disse.
Para D’Alema existe uma crise das instituições multilaterais que se evidenciou após a Guerra Fria. A ONU tem dificuldades extremas para a manutenção da paz e as grandes potências atuam movidas por interesses nacionais. Assim, alimentam conflitos em vez de encontrar soluções. Ele afirmou que o nacionalismo e protecionismo assumem um papel cada vez maior, o que torna o mundo mais inseguro e os conflitos mais difíceis de contornar.
Disse ainda que a União Europeia vive uma crise profunda, uma crescente desconfiança dos cidadãos europeus na união, e não consegue reunir seus Estados membros para dar uma resposta às crises. Entre elas, os fluxos migratórios e de exilados políticos, pois os países se recusam a ter uma postura coletiva a respeito.
“Mesmo a esquerda foi influenciada por uma visão otimista da globalização, que nos levou a subvalorizar as desigualdades, a enorme acumulação de riqueza em poucas mãos, a depreciação do trabalho e a erosão das proteções sociais construídas ao longo de séculos. São as principais razões da crise do sistema democrático”, afirmou. “No Brasil, uma presidenta foi retirada em um procedimento ilegal, Lula está preso após um julgamento indevido e foi ignorada a instrução do Comitê de Direitos Humanos da ONU. O que está em jogo é a democracia, não a vitória de um ou outro partido político. Por isso precisamos apoiar os democratas brasileiros”, concluiu.
Para Pierre Sané, a democracia é uma aspiração global e hoje a ameaça para a população de todo o mundo é o neoliberalismo. Ele utilizou a definição de John Keane para dizer que Lula e Mandela personificam o “governo dos humildes, pelos humildes e para os humildes”. Sobre a judicialização da política no Brasil, considera que é um fator muito importante para os países da África. “Se funcionar aqui, vão usar também lá”, disse.
Jorge Taiana afirma que após a queda do muro de Berlim não houve um multilateralismo pujante, e sim uma série de tentativas que fracassaram e esse processo culminou no unilateralismo. Os Brics e o G20 não conseguiram mudar a financeirização, que é chave da crise de 2008, nem brecar a especulação financeira e os paraísos fiscais. O poder ficou concentrado nos países desenvolvidos, o que impulsionou o neoliberalismo. “Houve reação dos movimentos sociais, insatisfeitos com a democracia liberal tradicional, queriam democracia participativa. Isso levou a governos como o de Chávez na Venezuela e o de Lula no Brasil, cujo mérito foi diminuir a desigualdade em um mundo que só aumentava a desigualdade. Colocou-se que os problemas seriam resolvidos com mais democracia. Mas surgiram novas formas de fascismo”, afirmou.
A filósofa Marilena Chauí considera a presença da diferença e do conflito fundamental na democracia, mas isso vem sendo apagado da sociedade. Ela afirmou que o neoliberalismo opera pela destruição das instituições, substituindo-as por organizações. O Estado deixa de ser considerado instituição pública com princípios democráticos e republicanos e passa para as mãos do “gestor”. “É uma mutação sociopolítica, uma nova forma de totalitarismo que transforma as instituições numa única organização homogênea”, afirmou. A consequência, segundo ela, é que a política passa a ser encarada como gestão, a figura do parlamento perde o sentido, com o fim da democracia social e representativa.
Assim, hospitais, escolas, a cultura e o Estado se transformam em empresas e aparece uma ideologia particular, do ódio, ressentimento e medo. “O indivíduo como empresário de si mesmo é destinado à competição mortal, à concorrência, que vem disfarçada com o nome de meritocracia e destrói todas as formas de solidariedade”, disse. “Como consequência, surge a subjetividade narcisista e inculcação de culpa naqueles que não vencem, os negros, as mulheres, os migrantes, os índios, os LGBTs”.
Para assistir a primeira mesa do seminário Ameaça à Democracia e a Ordem Multipolar acesse o canal Youtube: https://youtu.be/QDDVZsU2AvU