A obra de Gabriel García Márquez dispensa comentários. Corre nas nossas veias. Mas seu “realismo fantástico” que tão bem serve de amálgama à nossa identidade latina é antes de mais nada a expressão crua de sua trajetória de vida. É isso que nos conta o documentário Gabo: a criação de Gabriel García Márquez, dirigido pelo espanhol Justin Webster.

O filme – agora disponível no Netflix – vai às origens de García Márquez na pequena vila caribenha de “Aracataca” (Macondo, por supuesto) para então seguir seu rastro irrequieto pelas diversas cidades e países em que viveu.

Decidido desde cedo a ser escritor – e, segundo o testemunho de um amigo, ganhar o prêmio Nobel de literatura -, Gabo começa sua saga literária como jornalista do El Espectador, em Bogotá, para depois se exilar em Paris, onde pode conviver com o profícuo círculo de escritores latino-americanos de esquerda que se aninhavam na cidade das luzes entre as décadas de cinquenta e setenta.

A experiência em Paris, a coragem de se manter ao lado de Fidel Castro enquanto seus amigos reforçavam a coluna dos “dissidentes”, a notoriedade alcançada com o sucesso de Cem Anos de Solidão (1967) e, mais tarde do Nobel de literatura (1982), foram colocando Gabo em um patamar destacado no continente.

Para além de se consolidar como um expoente da cultura e da literatura latino-americana, García Márquez tornou-se uma referência dos intelectuais de esquerda e um interlocutor frequente para a solução de conflitos políticos na região, especialmente em relação aos embargos erguidos contra Cuba.

O documentário de Justin Webster, entretanto, deixa escapar aspectos relevantes da vida de Gabo. Se omite, por exemplo, de informar que o escritor desafiou as autoridades colombianas quando escreveu Relatos de um Náufrago, revelando ao público que a tragédia ocorrida com o navio da marinha resultava da pesada carga de contrabando que seguia escondida na embarcação. Esta teria sido a razão de sua “queda para o alto”, quando foi transferido a Paris para ser correspondente do jornal.

Outra omissão do documentário é a pouca atenção que dá às relações de amizade e literárias de García Márquez em Paris, em especial com seu ídolo Júlio Cortázar. Teria sido interessante conhecer um pouco mais do que foi aquela roda de intelectuais rebeldes no exílio, quais debates travavam e que tragos tomavam.

Cem anos de solidão foi escrito naquele contexto sui generis, em um período em que o casal Mercedez e Gabriel viviam com a grana curtíssima, postergando o pagamento das contas e prometendo pagar o aluguel no dia em que o livro fosse publicado – para nossa sorte, o aluguel foi pode ser pago imediatamente após o estrondoso sucesso da primeira edição.

Ficha técnica
Direção e roteiro: Justin Webster
Produção: Canal+ (Espanha) e Caracol Televisión (Colômbia)
Ano: 2015
Disponível no Netflix

 

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