Dados reais e acessíveis ao público comprovam que não há servidores demais no Brasil e que a folha salarial deles não representa risco de colapso das contas públicas da União, nem neste ano nem em 2019. Ao contrário do que alardeiam a imprensa e certos candidatos conservadores, que defendem a diminuição daquilo que costumam chamar, com viés negativo, de máquina pública.

Nem mesmo comparado com outros países o Brasil tem um número de servidores exagerado, sequer os gastos com a folha estão fora do padrão civilizado do mundo capitalista.

Em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), em 2017 foram investidos 4,6% na folha de pagamento da União. Em 2005, a relação foi de 3,8% e, em 1995, de 5,4%. Essa breve série histórica demonstra que os números, que incluem os investimentos na folha dos três poderes e também de órgãos federais como empresas, fundações e autarquias, estão sob controle. Sem deixar de considerar que o PIB depende de políticas que promovam desenvolvimento econômico.

“Mas, mesmo após a queda da produção nacional a partir de 2015, e de um modesto crescimento de 1% em 2017, a comparação da folha com o PIB não extrapola”, comenta Max Leno de Almeida, supervisor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos) no Distrito Federal.

Até do ponto de vista contábil mais austero o país está longe de comprometer suas contas por causa da folha de pagamento. No critério de quanto gasta, percentualmente, em relação à receita corrente líquida, o Brasil não corre risco de experimentar o colapso em função dos servidores. A folha da União representava 42% dessa receita segundo os dados mais recentes, referentes a 2017. O limite, determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é de 50% – oito pontos percentuais de distância. Importante destacar que a LRF foi criada em 2000 (lei complementar 101) com inspiração fortemente restritiva, sob a alegação de conter custos e impedir o estouro das contas.

Segundo dados internacionais, na comparação com países de outros continentes – muitos deles sempre apontados como exemplos de organização e progresso – estamos longe de configurar uma aberração. Levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra o Brasil entre aqueles que têm menos servidores públicos em relação ao total de pessoas empregadas e em relação à população economicamente ativa (PEA). A OCDE, fundada e apoiada inclusive por potências capitalistas, não tem inspiração em teses do Foro de São Paulo – criado bem depois e sem o mesmo poder de influência – e muito menos da Ursal – esta, sequer existente.

Relação entre o total de servidores e o total de pessoas com trabalho

Dados comprovam que Brasil não gasta demais com servidores

Relação entre o total de servidores e a população economicamente ativa

Dados comprovam que Brasil não gasta demais com servidores

Os números exibidos pelas tabelas da OCDE incluem os servidores da administração direta dos três níveis de governo (União, estados e municípios), dos três poderes (incluindo Judiciário e Legislativo) e de empresas estatais, fundações, autarquias e até mesmo os gastos com organizações sociais e ONGs prestadoras de serviços públicos.

“A máquina pública não é inchada”, afirma Max de Almeida. “A sociedade tem sentido isso no seu dia-a-dia. Muitos órgãos hoje têm quadros pequenos para atender determinadas áreas. A população percebe que esse discurso da imprensa não corresponde à realidade, porque de uns anos para cá muitos servidores acabaram se aposentando, quando há concursos públicos é numa quantidade menor do que a carência do órgão. Isso desmistifica a ideia de que os servidores são os vilões das contas públicas”, completa o economista.

Distorções

Isso não significa que não existam distorções a corrigir. Há diferenças salariais importantes entre os servidores remunerados pela União. O recente caso do aumento de 16,38% autoconcedido pelo Supremo a seus servidores – logo estendido a outros órgãos do Judiciário – é um exemplo de distância entre o topo da pirâmide e os demais servidores. Este aumento, por sinal, foi a senha para que parte da imprensa voltasse a atacar a folha do funcionalismo como um todo, generalizando e abrindo espaço para a antiga defesa de cortes nos serviços públicos.

Levantamento recente do próprio Ministério do Planejamento do governo Temer mostra que 30% do funcionalismo recebe até R$ 5,5 mil por mês, sendo que, nesta faixa, os vencimentos menores se situam abaixo de R$ 1,4 mil. Apenas 18% ganham de R$ 9,5 mil a R$ 12, 5 mil.

Em meio a mais de 250 tabelas diferentes para o funcionalismo, professores universitários, com carga de 20 horas semanais, recebem R$ 2,2 mil mensais em início da carreira. Já um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) recebe entre R$ 16,2 mil e R$ 24,1 mil por mês, situando-se assim no topo da pirâmide, na companhia de aproximadamente 23% de todo o funcionalismo que recebe acima de R$ 12,5 mil.

Ainda no quesito distorções, nos últimos dias veio a público a denúncia de que organizações sociais (OS) – fundações de direito privado – a quem o governo estadual de São Paulo cede a verba e a gestão de hospitais públicos, pagam salários muito mais altos que os da administração direta para funções de nível gerencial. Obrigados por decisão judicial, a partir de CPI que investiga o caso, dois hospitais administrados por OS’s haviam divulgados dados até o fim da semana passada: pagam salários em torno de R$ 32 mil para funções que, em unidades administradas diretamente pelo Estado, recebem R$ 7,9 mil mensais.

Reforma do Estado

A questão dos servidores foi abordada pelo Plano Lula de Governo, no item Promover a Reforma do Estado. Diferentemente de propostas apresentadas por outros partidos, o Plano Lula reafirma a importância do serviço público e a necessidade de abertura de concursos para ampliação dos quadros funcionais e de conter os processos de privatização e de terceirização.

Para a superação das distorções, a proposta aposta na consolidação do controle social. Esse método, como quando aplicado em administrações petistas – como a do presidente Lula e de Dilma – consiste, resumidamente, em criar conselhos compostos por representantes da sociedade civil organizada (usuários, alunos, associações de bairro, sindicatos, empresários, entre outros setores), de servidores e do governo para acompanhar e participar da gestão e, como frisa o Plano Lula, ter acesso à “maior transparência e eficiência do gasto público”.

O Plano destaca também investimentos na profissionalização do serviço público e aperfeiçoamento dos órgãos de controle.

Por que o terrorismo?

Se os números oficiais e internacionais desmentem a tese de que a folha do funcionalismo é inchada, por que a mídia e os candidatos conservadores insistem em fazer terrorismo?
Algumas respostas podem ser encontradas em artigo recente publicado por Paulo Kliass e José Celso Cardoso Jr., intitulado Três Mitos Liberais sobre o Estado Brasileiro. Basicamente, a ideia dos que defendem a diminuição do Estado é abrir caminhos para que o orçamento público reserve mais fatias para a iniciativa privada. Com os serviços públicos enfraquecidos – ou com a imagem prejudicada por conta da campanha difamatória -, quem pode corre para serviços privados como escolas e saúde. Grupos empresariais abocanham mais fatias de mercado. E o poder público terá mais verbas para destinar ao mercado financeiro, como na rolagem dos juros da dívida pública.

O esforço para demonizar o serviço público se presta também a justificar, falsamente, iniciativas como a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por 20 anos, atrelando-os somente à inflação e desvinculando esse item de outros indicadores como o PIB e as receitas.