Zombarias ao capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro multiplicaram-se nas redes sociais nos últimos dias, especialmente depois de entrevista que ele concedeu à TV Cultura, de São Paulo. Grande parte dos memes taxava o deputado federal como “burro”, “asno”, “anta”, entre outros atributos semelhantes – sem contar aqueles que o apoiam, evidentemente.

À parte a consideração da eficácia ou da justeza desse tratamento – afinal, quem é burro, o que é ser burro ou, mais especificamente, seria o capitão realmente burro? –, o périplo do candidato a presidente na mídia tradicional enseja pensar como se dá a formação educacional de um oficial superior das Forças Armadas.

O livro Militares e Política no Brasil, lançado recentemente pela editora Expressão Popular, aborda este e outros temas relativos à influência dos militares no processo decisório nacional desde que o primeiro corpo armado foi instituído pela corte portuguesa que aqui instalou a sede do império.

Três capítulos do livro tratam exatamente da formação cultural dos militares brasileiros. Escritos antes que Jair Bolsonaro desse início à campanha eleitoral, os textos convergem para o diagnóstico de que a Guerra Fria ainda está presente nos conteúdos de escolas preparatórias e de instituições como Escola Superior de Guerra e Academia Militar das Agulhas Negras, criadas com inspiração e apoio estadunidenses.

O anticomunismo e a fidelidade à ideia de que estar alinhado com os Estados Unidos é o melhor para o Brasil continuam dando a tônica do que é ensinado. Nesse contexto, ainda permanece a figura do “inimigo interno”, indivíduos ou grupos de brasileiros que representariam, em sua contestação do estado de coisas, ameaça à ordem.

Quem o diz são três oficiais superiores das Forças Armadas, autores dos ensaios sobre o tema que compõem o livro. Bolivar Marinho Soares de Meirelles, general de brigada reformado, Ivan Cavalcanti Proença, coronel de Cavalaria, e Sued Castro Lima, coronel aviador reformado.
O coronel Proença, que também é doutor em Literatura, traça uma proposta para a mudança dos conteúdos e das linhas-mestras adotados pelas escolas militares brasileiras. Proença defende a subordinação das escolas e cursos superiores das três armas ao Ministério da Educação e ao Ministério da Defesa.

“Efetivamente, sem prejuízo, é claro, da formação específica militar, deve haver uma subordinação quanto ao currículo alheio às práticas e teorias desse universo militar. Tal enquadramento ao Ministério da Educação, a quem se subordinam as diversas secretarias de Educação do país, favoreceria uma ausência das chamadas ‘lavagens cerebrais’ do dirigismo curricular”, defende o autor. “E a nomeação de instrutores militares seria atribuição do setor de Ensino do Ministério da Defesa”, conclui.

A aversão a tudo que pareça fora da influência daquilo que ainda se intitula, nas casernas e academias militares, de “universo ocidental cristão”, manifesta-se, no relato do general Meirelles, na recusa de estudar e ensinar táticas e estratégias militares não criadas pelas forças “ocidentais cristãs”. Assim, Vo Nguyen, o estrategista militar mais brilhante dos últimos tempos, na opinião do general, é ignorado nas academias militares. Supõe-se que, portanto, a obtusidade não se limite ao ensino de humanas e artes na área militar.

O que se percebe é que o ensino militar pertence a um mundo paralelo. Jair Bolsonaro foi aluno de academia militar, não se trata de um praça que ascendeu na carreira – um soldado pode chegar até o posto de capitão – mas pertenceu àquilo que se pode chamar elite da tropa. Seria o equivalente a um curso superior, uma faculdade.

Claro que as características do ensino militar expostas pelos três oficiais que debatem o tema no livro não explicam, sozinhas, a personalidade de Jair Bolsonaro. Aliás, não é objetivo dos autores. Mas dão fortes e importantes pistas e alertam para uma questão que permanece fora da mira do cidadão comum.

E, por fim, só para pensar: só chamar de burro, resolve?

`