Nos últimos dias de férias, talvez ainda valha a dica que acomode adultos e crianças na sala de tevê para assistir filmes que associem diversão e reflexão. Nesta linha, o filme Kamchatka (Argentina. Diretor: Marcelo Pieyro, 2002 – com Ricardo Darín e elenco) já é um clássico ao retratar o início da ditadura dos anos 1970 naquele país; mas faz isso de modo diferente ao demonstrar o impacto da repressão à partir do olhar infantil do garoto Harry.

O filme mostra a força da repressão atingindo o cotidiano dos filhos de um casal comunista. Ao deflagrar a ditadura as tensões e refúgios mexem com toda a família. A fuga, os esconderijos, o afastamento dos amigos, a tensão dos pais e o irmão mais novo alheio a tudo. Harry observa, mas pouco entende; enxerga mas não aceita. Sua visão vai da inconformidade com as mudanças à ingenuidade ao olhar para o mundo. Assim, o filme usa a política para mostrar os efeitos da opressão na vida de pessoas comuns, uma família simples de uma pesquisadora e um advogado que sonham e defendem uma sociedade melhor. Ao misturar ilusão e realidade, do drama surgem cenas hilárias, da comédia ingênua da infância se faz a poesia e da poesia a resistência.

Kamchatka é um filme sobre resistência. É sobre refugiar-se para não deixar-se vencer. É um filme que mostra como a simples existência e a memória nela contida é uma forma de desobediência quando tudo mais parece impossível. E, embora não tenhamos hoje no Brasil ação militar escancarada, é impossível não pensar e não associar aos dias de hoje a mensagem de resistência que faz de Kamchatka uma referência tão divertida quanto fundamental.

Para quem quiser esticar na maratona de filmes sobre a ditadura a partir de uma abordagem infantil, Kamchatka foi o primeiro (2002) de uma série de filmes que abordam as ditaduras na América Latina dessa forma. Machuca (filme chileno de 2003) também é o retrato infantil do final do período Allende e as mudanças com o golpe de Pinochet. O interessante no retrato chileno é como se leva a luta de classes para a sala de aula das crianças e as contradições que isso provoca. E para continuar no mesmo tema, temos o brasileiro “O ano em que seus pais saíram de férias” (dirigido por Cao Hamburger, 2006) que retrata a ditadura no Brasil.

É só preparar a pipoca, convidar as crianças e a diversão está garantida, com a segurança de que os temas políticos serão abordados de forma sutil mas com muita propriedade.

Ficha técnica
Kamchatka (Drama)
Argentina, Espanha, Itália, 2002
Diretor: Marcelo Pieyro
Atores: Ricardo Darín, Cecilia Roth, Tomás Fonzi

Machuca (Drama)
Chile, França, Reino Unido, Espanha, 2003
Direção: Andrés Wood
Elenco: Ariel Mateluna, Manuela Martelli, Aline Küppenheim mais

O Ano Em Que Meus Pais Saíram De Férias (Drama)
Brasil, 2006
Direção: Cao Hamburger
Atores: Michel Joelsas, Germano Haiut, Simone Spoladore, Daniela Piepszy, Caio Blat

Trailer: Kamchatka

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