A hora e a vez do “efeito margarita”
Por muitas vezes na história, os brasileiros assistiram acontecer primeiro no México eventos importantes que algum tempo depois irromperiam no Brasil. Principalmente na seara econômica, os “efeitos tequila” de 1982 (crise de dívida externa) e 1994 (crise cambial) constituem exemplos amargos de como seguir atônitos para o olho do furacão depois de o México ter malogrado em suas estratégias econômicas.
Talvez por ser a nação latino-americana mais próxima dos Estados Unidos – e, como eles mesmos dizem, “tão distante de Deus” – o México parece servir como um anteparo ou um laboratório para as experiências de ortodoxia econômica que emanam da Escola de Chicago e dos organismos multilaterais que sentam praça em Washington.
Já em 1982, sob o tacão do Fundo Monetário Internacional, deram início a uma progressiva jornada de adesão ao receituário neoliberal, marcada por rodadas de privatizações, de abertura comercial e financeira e de desregulamentação do mercado de trabalho.
A partir de 1994, quando aderiram ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), expuseram-se à concorrência avassaladora dos Estados Unidos e viram suas indústrias fecharem as portas ou se transformarem em reles “maquiladoras” (empresas localizadas na fronteira com os EUA que importam mercadorias para processá-las no país – aproveitando o baixo custo da mão de obra e a isenção de impostos – e as exportam de volta para o exterior sem que haja incremento significativo da renda na economia mexicana).
Com a classe política fortemente vinculada a poucos e poderosos grupos privados (ex: as empresas Telmex e da América Móvil de Carlos Slim) e a interesses financeiros estadunidenses, ao longo dos anos 2000, enquanto a maioria das nações latino-americanas passaram por exitosos governos de centro-esquerda, o México insistiu em seu mergulho neoliberal e colheu os piores resultados.
Além dos retrocessos sociais, da deterioração de seu mercado de trabalho e da diáspora de trabalhadores para o vizinho do Norte (um quarto da força de trabalho vazou), a sociedade mexicana assistiu a um espantoso crescimento do poder do narcotráfico, que se infiltrou na política e, na base da violência e da corrupção, capturou as instituições públicas de maneira que parecia irreversível.
Contudo, a despeito da profunda crise que esfacelou o tecido social da terra de Zapata, surpreendentemente sua população parece ter encontrado forças para reinventar-se na política, virar o jogo e encerrar mais de três décadas de neoliberalismo selvagem. Com a recente vitória de Lopez Obrador, liderando uma frente de esquerda que, além da presidência da República, arrebatou a maioria dos estados e os principais municípios, talvez o sentido da expressão “mexicanização” – que até algumas semanas atrás era repedida por aqui como uma sina trágica do lado de lá da “ponte para o futuro” – tenha se invertido e passe a ser uma referência de luta e esperança.
O exemplo da bela reviravolta mexicana quem sabe possa livrar o Brasil dos maus tragos dos “efeitos tequila” e levá-lo a sonhar com um “efeito margarita”, uma volta por cima na política, embalada nas forças populares e nos ideais da soberania nacional, que afaste os brasileiros de uma vez por todas das insanidades economicistas do neoliberalismo turbinado que o golpismo lhes enfiou goela abaixo. Viva Zapata!