Antonio Candido e o direito à literatura
*Por Walnice Nogueira Galvão
A celebração do centenário de Antonio Candido, grande intelectual falecido no ano passado, é motivo para muitos eventos. Entre congressos, seminários, simpósios, livros e números especiais de revistas, destaca-se uma exposição no Itaú Cultural, à Av. Paulista, intitulada: “Ocupação Antonio Candido – O direito à literatura”. Toma emprestado ao crítico o título de um de seus mais importantes ensaios, aquele que advoga em favor da extensão do direito à beleza, às artes e à literatura a todos os seres humanos. Não é justo, argumenta ele, que seja privilégio de poucos.
Encontra-se ali, e pela primeira vez, uma amostra de seu acervo pessoal de documentos, fotografias, cadernos de anotação, esquemas de aula, manuscritos de trabalhos, recortes e cartas etc.: fala-se em 45 mil itens textuais, 5 mil fotos e 800 discos/fitas cassete. O Fundo Antonio Candido foi transferido para o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) sob o patrocínio do Itaú Cultural, para receber tratamento técnico que o habilite a ser aberto à consulta. A presente Ocupação vem a ser a 40ª. executada pela equipe do Itaú Cultural, sempre competente, formada por ases na pesquisa e com veterano senso de expografia. É co-curadora do evento Laura Escorel, neta do professor que vem provar já ser uma especialista no acervo do ilustre avô. No momento, prepara mestrado em História da Arte, sobre justamente a parte fotográfica da coleção.
Oferecem-nos uma impressionante mostra de fotos, representativas das várias fases da vida de Antonio Candido, desde criança. As fotos provêem sequências narrativas. Assim o vemos no seio da cultura caipira, realizando no interior de São Paulo a pesquisa de campo para a tese de doutoramento em Sociologia, Os parceiros do Rio Bonito. .
Vemos também ecos de sua temporada de três anos na Faculdade de Assis (Unesp), episódio pivô em sua vida profissional, quando se transferiu do magistério de Sociologia que exercia como assistente na Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia, para a literatura – como tanto desejava. Sua vida intelectual até então era dupla, porque o professor de Sociologia se desdobrava como crítico literário com rodapé de jornal desde os anos 40, já com livros publicados nesta especialidade.
Outras o retratam no ambiente doméstico, com a esposa Gilda, filhas, netos; ou então na infância, com os pais e irmãos. E ainda outras em atividades variadas fora do meio universitário, entre escritores, intelectuais, amigos em geral.
Da Ocupação constam vídeos com suas entrevistas passando sem cessar, com fones de ouvido à disposição dos visitantes.
Entre os papeis, vemos cópias de suas mais antigas publicações, já bem amareladas, tanto em jornais noticiosos quanto em revistas universitárias. Assim como cópia de artigos com emendas em sua própria caligrafia, para futuro aproveitamento.
Entre as publicações, além de primeiras edições dos livros, há exemplares das revistas em que atuou como membro da comissão editorial, a exemplo de Clima e Argumento. E livros alheios com dedicatórias para ele, dos mais destacados escritores coevos.
Foi ainda providenciada uma escrivaninha com cadeiras ao redor; sobre ela jazem vários livros e cópias de trabalhos de Antonio Candido, inclusive manuscritos, para manuseio livre. Por trás, num nicho, sua máquina de escrever.
Espalham-se exemplares, em vitrines, de seus famosos cadernos manuscritos, de um total de cerca de 90, dizem uns, ou então 145 se incluirmos as cadernetas, dizem outros.
No capítulo correspondência encontra-se uma troca representativa de seu feitio, modesto grande homem que era. São três cartas lado a lado. A primeira, de João Pedro Stédile, dirigente do MST, pede permissão para dar o nome dele à Biblioteca da Escola Nacional Florestan Fernandes. Na réplica, Antonio Candido se esquiva, com o argumento de que sempre foi contra dar nome de vivos a ruas ou instituições: como contradizer-se agora? Sugere o nome de Celso Furtado, mas aceita participar e fazer palestra na inauguração, o que de fato fará, em 2006. A tréplica de Stédile diz que a Biblioteca ficará sem nome. Não ficou: agora já se chama “Antonio Candido”.
*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
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