Pedro Henrique Pedreira Campos, professor do Departamento de História e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, avalia que não há articulação militar com objetivo de tomada de poder. Porém, afirma ele, a presença dos militares na cena pública e política cresceu desde o golpe de 2016, e isso pode influir no processo eleitoral previsto para este ano. Autor do livro Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar, extensa pesquisa sobre corrupção e desmandos do período 1964 a 1985, Campos crê que as forças progressistas devem se preparar para esse desafio próximo.

Acompanhe trechos da entrevista:

À medida em que o movimento dos caminhoneiros perdia força, os meios de comunicação, incluindo a TV Globo, passaram a veicular posicionamentos contrários à intervenção militar. Mesmo o candidato Jair Bolsonaro afirmou que é contra. Isso significa que o risco está descartado?
Se olharmos o processo histórico, veremos que em 1964 não foi exatamente uma intervenção militar. Não foram os militares que, insatisfeitos, resolveram intervir na política. Parcialmente é isso também. Mas o que vemos ali é a composição de uma frente, de empresários, com o apoio do capital internacional, e de alguns militares brasileiros e do poder norte-americano, no contexto da Guerra Fria, que dá o golpe em 64. O golpe foi mais que uma intervenção militar. Eles tinham um projeto, e não era um projeto de um, dois anos. Eles tinham um projeto de reformulação do Estado e de favorecimento a certos setores, amparado por segmentos bem organizados, sobretudo os ligados ao capital internacional.
Eu não vejo uma elaboração tão bem articulada hoje em dia. Dizer que não haverá, de forma alguma, uma intervenção, eu não ouso fazer este tipo de afirmação. Até porque eu, há três, quatro anos, diria que era improvável haver um golpe de estado, e nós fomos de certa forma surpreendidos dois anos atrás.
É claro que, dada a situação política que a gente vive hoje, pode haver novas mudanças de regras nos próximos meses, devido ao impasse nas eleições, dada a possibilidade de vitória dos grupos que não são afinados com o golpe. A conferir, e tomara que isso não ocorra.

A candidatura Bolsonaro representaria, em caso de vitória, uma ascensão do militarismo ao poder?
O que temos visto, e eu particularmente fico surpreendido, é a escalada da presença dos militares na cena pública e política brasileira. A gente tem uma situação completamente disforme, por exemplo, na presença de um ministro da Defesa que é um militar (Joaquim Silva e Luna, general que substituiu Raul Jungmann no cargo). Isso vai contra todos os princípios que deram origem ao Ministério da Defesa. Esse ministério foi criado pelo Fernando Henrique em 1999 com a proposta de coordenar todas as forças militares, subordinadas a um civil. Porque a política de segurança não é monopólio dos militares, é uma política pública que deve servir à população.
Hoje o que vemos é um militar no ministério, uma intervenção militar na cidade do Rio de Janeiro. As reuniões que o governo golpista do senhor Temer faz têm a onipresença de militares. O general Etchegoyen (Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) parece ter um papel central neste governo. Há dois anos, tivemos aqui no Rio de Janeiro uma eleição em que o Flávio Bolsonaro, filho do Bolsonaro, teve 15% dos votos para prefeito. Acabou sendo o fiel da balança da eleição. Vemos a ascensão de um discurso fácil, que na época da ditadura havia mais segurança, que bandido bom é bandido morto. São ideias que figuras como Jair Bolsonaro evocam e que estão ganhando força, infelizmente. Então, acho que esse é um problema que as forças progressistas terão de enfrentar, e que deve surgir de forma veemente no período eleitoral, inclusive.

Esse maior espaço que tem sido dado aos militares pode fazer com que queiram influência maior nas eleições, inclusive sobre candidaturas?
Sim.

Não só Bolsonaro, mas outros, que não integram o campo da direita, podem ser pressionados a fazer concessões?
Pois é. A própria candidatura do Bolsonaro é algo muito complexo. Ele é um militar que abandonou a carreira, ficou famoso justamente por um atentado que faria dentro de um quartel (em 1987, preso na Vila Militar, no Rio, por conta de um artigo em que criticava os baixos salários do Exército, o então capitão da ativa revelou estar preparando um atentado a bomba naquela unidade. A repórter Cássia Maria, que colheu as informações, a partir de entrevista com o próprio Bolsonaro, revelou os detalhes na revista Veja. Levado a julgamento por causa do plano de atentados a bomba, Bolsonaro acabaria absolvido pelo Supremo Tribunal Militar). Até pouco tempo, e em certa medida até hoje, era um personagem mal-visto pelo oficialato militar. Porém, quem acompanha mais de perto a dinâmica interna das Forças Armadas, relata que quebrou-se em grande parte a resistência que havia em relação ao Bolsonaro.
Mas eu tenho dúvidas se os militares querem tomar a dianteira, como eles dizem, “se meterem na política”. O que eu acho é que eles pretendem mais é defender algumas pautas específicas, como por exemplo um maior orçamento para as forças. Temos hoje riscos tão ou mais graves como a interferência do Judiciário e de outros setores, como o Congresso. Estamos em outro contexto, não há mais Guerra Fria e mesmo na América Latina, as mudanças bruscas de governo não têm se dado com protagonismo militar.

Você mora no Rio de Janeiro. A intervenção militar tem dado resultados no combate à violência e à criminalidade?
Eu avalio da forma mais negativa possível. Foi uma tentativa de incidir sobre o processo eleitoral. Dada a falta de fôlego do governo em aprovar as contrarreformas, incluindo a da Previdência, eles decidem mudar radicalmente a agenda para a questão da segurança. A intervenção tem gerado poucos resultados, a criminalidade não tem diminuído, desde a intervenção tivemos o assassinato político, a execução da vereadora Marielle Franco, temos tiroteios na cidade corriqueiramente. Na cidade, a situação da segurança é mais complexa nos subúrbios. Mas está tão generalizado que na semana passada vimos num bairro que é praticamente um oásis na cidade, que é a Urca, um verdadeiro cenário de guerra. Então, o problema da violência tem se agravado, inclusive porque as questões sociais têm se agravado desde o golpe de Estado. Além disso, a intervenção se mostra com violência contra as populações de favelas. Eles queriam imagens, como soldados andando na orla. Imagens para a classe média, para aparecer no Jornal Nacional. Mas foi um tiro pela culatra: até em bairros mais nobres a violência e a criminalidade permanecem.

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