Em A guerra não tem rosto de mulher, Svetlana Aleksiévitch, vencedora do prêmio Nobel de Literatura 2015, entrevista mulheres que serviram na Segunda Guerra Mundial nas tropas soviéticas. “A guerra não tem rosto de mulher” pois a visão e o papel das mulheres durante a Segunda Guerra Mundial foram completamente invisibilizados nos livros de história, especialmente por esse ser um campo socialmente tido como masculino, ligado à violência, ao poder e à morte. No entanto, não é somente nesse campo que ocorre a invisibilização da mulher, mas também na ciência, na política, na vida cotidiana… E até hoje.

Muitas das soviéticas foram à guerra muito jovens. Inclusive, uma das entrevistadas diz que foi para o front tão jovem que durante a guerra cresceu 10 centímetros. Outra relata seu desespero ao ver que tinha sido ferida, para só depois descobrir que aquele sangramento era a sua primeira menstruação.

Mas a guerra mexe com a definição de o que é ser mulher: enquanto algumas queriam desesperadamente bordar e fazer “atividades femininas”, outras as rechaçavam completamente. Mas por meio dos relatos das mulheres, a autora não naturaliza a delicadeza, o amor e a fraqueza como características femininas e a força e coragem como características masculinas, mas mostra as sutilezas das diferenças e dos preconceitos enfrentados pelas mulheres soviéticas naquele ambiente. Como as mulheres que se impunham, tinham fama de “bravas” e eram repreendidas por “nunca sorrir” e “não ser como uma mulher deveria ser”. Assim, se por um lado as mulheres que venciam no meio da guerra sentiam que precisavam adquirir características ditas masculinas como autoritarismo e rispidez, por outro lado eram julgadas por perder características femininas com a doçura, a leveza, o sorriso.

Outra combatente relata que não queria ser tratada como pior ou menos capaz por ser mulher e diz que por isso ela e as companheiras se esforçavam mais que os homens porque precisavam demonstrar que não eram piores que os homens. No entanto, relata que por muito tempo os homens tiveram uma atitude arrogante e condescendente com essas combatentes.

Muitas relatam o impacto de ter belas tranças e longos cabelos cortados em corte militar (considerado masculino), contam do impacto de trocar as saias e os vestidos pela vestimenta soviética (guimnastiorka) e ao fim da guerra voltar a usar vestidos e saias. E outra combatente conta que, ao mostrar suas fotos da guerra anos depois aos netos, um deles lhe pergunta se “antes ela era menino”.
A autora também mostra a sutileza de que após a guerra os homens se orgulhavam das medalhas e das histórias da guerra de serem vencedores heróis, enquanto muitas mulheres se envergonhavam de ter lutado. Uma delas diz: “Tomaram a vitória de nós na surdina. Não a dividiram conosco. Isso era incompreensível, porque no front os homens tinham uma relação maravilhosa conosco, sempre nos protegiam… Na vida de paz nunca vi nos tratarem bem assim”.

Por fim, uma partisan conta de uma mulher que, estuprada por um alemão e grávida, termina por se enforcar de desespero. E continua: “precisávamos ter escutado as mulheres naquela ocasião, pena que na época não passou pela cabeça de ninguém nos escutar, pois todos repetiam somente uma palavra ‘vitória!’ e todo o resto parecia ser importância…”
Peço perdão à autora pela figura de linguagem do título. Mas, se tais relatos ocorreram em meio à brutalidade da longínqua Segunda Guerra Mundial, em alguma medida ainda ecoam hoje.

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