Avarandar horizontes com Mia Couto
Em “A Varanda do Frangipani”, Mia Couto trata da velhice, da cobiça, da guerra, do colonialismo e das antigas tradições de Moçambique através de Ermelindo Mucanga e Izidine Naíta, sendo o primeiro um “xipoco” (fantasma) que passa a habitar o corpo do segundo. A história dos dois se cruza quando Izidine, um policial, é enviado a investigar um homicídio na antiga Fortaleza de São Nicolau, onde passa a funcionar um asilo. Ermelindo, por outro lado, tinha sido um carpinteiro que trabalhou na Fortaleza e, falecendo, foi enterrado na mesma (na varanda do Frangipani), longe de sua terra e de sua família, muitos anos antes da ocorrência do crime investigado por Izidine.
Durante a investigação, a enfermeira Marta Gimo faz o alerta a Izidine: o que ocorria no asilo era um Golpe de Estado, muito mais grave que o assassinato investigado pelo inspetor. Esse golpe seria contra os velhos, que enfrentam péssimas condições em seu fim da vida, ou, nas palavras de Marta, “um golpe contra o antigamente”. Ela sentencia: “há que guardar esse passado. Senão o país fica sem chão” (:98). O apelo é de que o olhar para o futuro do país não prescinda do passado.
Em cada capítulo, cada um dos velhos se pronuncia sobre o crime investigado e conta partes de sua história. “O tempo é um fumo, nos vai secando as carnes” (:56), diz Navaia Caetano. “A velhice o que é senão a morte estagiando no nosso corpo?” (:49), pergunta Xidimingo. Mas as reflexões sobre a velhice e o tempo também levam à reflexão sobre o início:
“O parto é uma mentira: nós não nascemos nele. Antes, já estamos nascendo. A gente vai acordando no antecedente tempo, antes mesmo de nascer. É como a planta que, no segredo da terra, já é raiz antes de proclamar seu verde sobre o mundo” (:31).
“Andamos a aprender o mundo mesmo ainda quando estamos em ventre de mãe. No redondo da barriga, aprendemos a ver mesmo antes de nascer” (:118).
Nãozinha, outra idosa, traz os dilemas das mulheres e de como sempre somos forçadas a estar subordinadas ao outro: “Nós, mulheres, estamos sempre sob a sombra da lâmina: impedidas de viver enquanto novas; acusadas de não morrer quando já velhas” (:78). Para a personagem, a mulher sempre está pressionada, ameaçada, até mesmo acusada de ser bruxa.
Nesse contexto de morte, destruição e golpes, Mia Couto trata das transformações de um país fraturado e de um horizonte possível, representado pela visão do além-mar e da imensidão do mundo que se torna visível a partir da varanda do Frangipani.
A varanda do Frangipani, Mia Couto. 2007. Companhia das Letras