Morreu na noite de 16 de abril a cantora e compositora carioca Dona Ivone Lara, conhecida também como Rainha do Samba e Dama do Samba. Foi a primeira mulher a integrar uma ala dos compositores de uma escola de samba, a Império Serrano – da qual também foi fundadora, a compor um samba-enredo oficialmente e a ser reconhecida como compositora.

Dona Ivone era também formada em Serviço Social. Trabalhou no Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro durante trinta anos, até se aposentar. Especializada em terapia ocupacional, foi assistente de Nise da Silveira, médica que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil.

Autora de uma discografia ampla e admirada, que conta com dezessete álbuns e dezenas de composições gravadas por grandes intérpretes brasileiros, foi precursora, ao lado de poucas mulheres, como Chiquinha Gonzaga e Jovelina Pérola Negra, em um meio que ainda hoje é predominantemente masculino. Embora tenham estado presentes no universo do samba desde seu surgimento, nas rodas de jongo formadas ainda no período escravista, as mulheres nunca tiveram seu protagonismo reconhecido e aos poucos perderam visibilidade.

Quem ouve as composições de Dona Ivone entende rapidamente como se tornou majestade. Em Sorriso negro, sua poesia comove pela força social que carrega: “Negro é uma cor de respeito, negro é inspiração, negro é silêncio, é luto, negro é… a solidão”. Em outras tantas, como Mas quem disse que eu te esqueço, encanta pela extrema sensibilidade: “Afivelaram meu peito, pra eu deixar de te amar, acinzentaram minh’alma, mas não cegaram o olhar”.

Em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, “Nasci pra sonhar e cantar”, sobre Dona Ivone Lara, Mila Burns destaca a importância da artista. ”Quando perguntei a Luiz Carlos da Vila, Martinho da Vila, Beth Carvalho e outros grandes nomes se conheciam mulheres compositoras do ritmo, a resposta, sempre depois de muita reflexão, era a de que só havia uma ou, no máximo, duas mulheres entre tantos homens nesse universo tão brasileiro. A única que estava presente em todas as respostas era Dona Ivone Lara.”

O ano de 2002 foi particularmente importante para o seu reconhecimento internacional, a partir de uma turnê pela Europa na qual apresentou-se em Montreux, Paris e Milão. Em agosto do mesmo ano recebeu o Prêmio Caras de Música, na categoria Melhor Disco de Samba, com o CD Nasci para sonhar e cantar. E, em novembro de 2004, foi a vencedora do Prêmio Shell de MPB, pelo conjunto de sua obra.

Dona Ivone foi homenageada com o projeto “Sambabook Dona Ivone Lara”, em 2015, que contém um DVD, um CD e um livro sobre a vida artística da cantora, além de um álbum com as partituras dos seus maiores sucessos musicais. É uma ótima oportunidade de ouvir as composições da Grande Dama na voz de Maria Betânia, Diogo Nogueira, Elba Ramalho, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Teresa Cristina, Martinho da Vila e Mariene de Castro, entre outros.

O produto reserva duas belíssimas surpresas: o Jongo da Serrinha – Axé de Iangá e a interpretação da cantora portuguesa Carminho, com Hamilton de Holanda ao bandolim, que transforma em fado a maravilhosa Nasci pra sonhar e cantar.

 

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