O momento atual guarda evidentes semelhanças com o mergulho autoritário que os brasileiros assistiram ao longo dos anos 1960. Muito já se disse sobre a substituição da farda pela toga em referência ao papel que a Justiça cumpre na atual aventura golpista. De fato, convictos de sua superioridade moral, intelectual e pecuniária, homens e mulheres de toga são a ponta de lança do consórcio rentista que desde meados da década passada vem apostando na deslegitimação de um projeto popular e democrático para o país.

Na semana passada, com a incrível pantomima dos desembargadores do TRF4, o mergulho sombrio alcançou maior profundidade, o que fez muitos observadores recordarem do famigerado AI-5 de 1968, o “golpe dentro do golpe”.

Mas há diferenças relevantes entre aquele golpe e o atual. E chamo atenção apenas para uma delas: o vetor econômico.

Nos anos 1960, certamente havia divergências substantivas entre o “projeto de país” que animava o governo civil e democrático de Jango e aquele que nos foi empurrado à bala pela tropa verde-oliva. Mas as diferenças eram mais políticas do que econômicas. Entre os dois polos tinha-se razoável consenso sobre a necessidade de avançar com a industrialização e de realizar reformas institucionais que respondessem às demandas da urbanização e ao novo modo de vida que irradiava dos países centrais.

Naquele contexto, porém, ainda em plena guerra fria, a via autoritária era reivindicada por alguns como fator capaz de acelerar o crescimento econômico e nos atualizar à modernidade. Por seu turno, o vigor da economia também era um trunfo importante do regime autoritário para justificar suas arbitrariedades e os retrocessos sociais. Na medida em que a produção avançava em ritmo frenético e a mobilidade social abria perspectivas jamais experimentadas pela sociedade brasileira, uma maioria silenciosa fazia não escutar os coturnos na porta dos outros, tolerando aquele “desvio” democrático em nome do progresso material e da miragem do “Brasil potência”. Como bem sabiam os milicos, ao lado dos aparatos da força, a economia rodando a milhão era condição sine qua non para se manterem no poder.

Já os golpistas de hoje, pobres diachos, não dispõem nem de longe de condições favoráveis como aquelas que anabolizaram a ditadura militar, nem tão pouco se orientam por qualquer “projeto de país”. Sem saber onde querem chegar, ao invés de “milagre econômico” o que oferecem à população brasileira é sacrifício em cima de sacrifício. O único que conhecem é a rapina das riquezas, os acordos políticos tão típicos dos currais e as alianças com as grandes corporações globais que procuram proxenetas nativos.

Tomando emprestado a útil interpretação da chamada “teoria das estruturas sociais de acumulação”, a qual diz que para a ocorrência de um ciclo econômico é preciso um arranjo que articule: 1) instituições políticas sólidas e confiáveis; 2) uma estrutura produtiva robusta e associada a instrumentos de financiamento adequados e; 3) uma suspensão – mesmo que temporária e parcial – das tensões inerentes de uma sociedade de classes, deve-se assinalar que a aventura golpista não dispõe de nenhuma destes alicerces. Destruíram a institucionalidade política do país, violentando a Constituição; acabaram com os poucos setores da economia que garantiam algum vislumbre de crescimento autônomo da demanda; destruíram os instrumentos de financiamento produtivo e levaram a luta de classes a um patamar poucas vezes visto em nossa história.

Por isso, quer queiram quer não, o consórcio rentista que aposta todas as suas fichas na via antidemocrática para defender seus interesses particulares não terá vida longa. Não haverá “milagre” nem qualquer arremedo de solução econômica que garanta vitalidade a um país que se encontra prostrado e cujas estruturas de acumulação capitalistas foram desmanteladas. A queda será inevitável, mesmo que em sua “fuga para a frente” continuem avançando por algum tempo na supressão de direitos e usurpando os aparelhos de Estado. Não por acaso, a cada “vitória” que comunicam em seus acórdãos, cresce na sociedade brasileira o sentimento de traição e repulsa à essa farsa mesquinha que rifou uma nação de 210 milhões de pessoas a troco de coisa alguma.

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