Desde o início do século passado, a taxa de desemprego ocupa um papel central na teoria e no debate a respeito das políticas econômicas. Grosso modo, pode-se dizer que, de acordo com a tradição de pensamento dominante, haveria uma relação inversa entre desemprego e inflação, ou seja, reduções na taxa de desemprego seriam em geral acompanhadas de aumentos na taxa de inflação e vice-versa. Basicamente, a ideia é que quando o desemprego se reduz a ponto de conduzir a economia ao patamar de pleno emprego, a demanda pode se aquecer em demasia, pressionando os preços para cima.

Por essa razão, apesar da grande sofisticação teórica que foi sendo elaborada sobre o tema (migraram do monetarismo para a teoria das expectativas racionais), ainda hoje os principais bancos centrais do mundo mantêm um olho na taxa de desemprego (e outro na de inflação) para então definir a taxa de juros ideal de suas respectivas economias.

O problema é que nos últimos anos, com diversos países realizando reformas trabalhistas que “flexibilizam” os contratos de trabalho, o sujeito pode até estar empregado, ter até mesmo um contrato de trabalho assinado, sem que isso lhe garanta renda suficiente para sobreviver – o caso emblemático dessa situação é o tal “zero hour contract”, do Reino Unido, que permite à empresa utilizar o seu empregado tão somente quando for necessário, pagando salários e outros benefícios de forma proporcional às horas que foram efetivamente trabalhadas, sejam elas quatro, cinquenta e cinco ou zero. Ou seja, estar empregado ou desempregado pode não fazer diferença alguma!

Com isso, a sexagenária relação que alguns supunham existir entre taxa de desemprego e inflação começou a azedar. Tanto nos EUA quanto, por exemplo, na Alemanha, o desemprego segue muito baixo sem que se observe qualquer oscilação relevante nas respectivas taxas de inflação. Isto quer dizer que apesar de quase todas as pessoas economicamente ativas estarem formalmente “ocupadas”, o consumo agregado continua anêmico, andando de lado, pois não há (como havia no passado) uma relação positiva entre o crescimento dos ocupados e o crescimento da massa salarial. Na verdade, desde que a onda de reformas trabalhistas foi se esparramando pelas economias avançadas, o que se observa é exatamente o inverso, isto é, uma tendência de queda da massa de salários, independente do fato de haver mais ou menos gente ocupada.

Como era de se esperar, neste novo contexto, os economistas da corrente dominante andam um tanto assombrados (leia, por exemplo, aqui), pois a realidade tem exposto em praça pública a evidente inadequação de seus ultrassofisticados modelos econométricos. Sem uma regulação mais rígida dos mercados de trabalho que garanta padrões de emprego minimamente civilizados, isto é, que tenham como correspondência salários capazes de sustentar a vida das famílias da classe trabalhadora, não apenas o mal-estar se dissemina a passos largos nos países que resolveram flexibilizar as relações de trabalho, como até mesmo os sagrados instrumentos de medir o pulso da economia estão perdendo o seu sentido – e isso, curiosamente, parece ser muito mais grave ao olhar daqueles economistas.

Lástima maior, entretanto, é que enquanto por lá os efeitos nefastos da precarização do trabalho já provocam críticas até mesmo entre seus antigos defensores, por aqui, onde os salários já são muito mais baixos e a informalidade é ainda enorme, caminhamos direto e reto rumo à destruição do pouco que conseguimos avançar na regulação de nosso mercado de trabalho.

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