“As grandes empresas e os indivíduos mais ricos – o 1% cujo patrimônio supera o dos 99% restantes – exacerbam as desigualdades ao explorar um sistema econômico desfalecente, sonegando impostos, reduzindo salários e aumentando os rendimentos para os acionistas”.
A constatação acima, da ONG britânica Oxfam, cai como uma luva para qualquer análise ou projeção que se possa fazer sobre o futuro do trabalho no século 21, para a defesa de empregos decentes, salários dignos e direitos sociais e trabalhistas.

Afinal, a degeneração do atual sistema não apenas impõe relações de produção que potencializam a exploração do trabalhador ao limite do suportável, mas a perversão ideológica de tentar fazê-lo acreditar que suas bandeiras não passam de uma miragem, que foram ultrapassadas pelo tempo. Assim, se não tem mais razão de combater, para quê organizar ou participar da luta, único caminho para a construção de alternativas coletivas para a superação do atraso e a construção do novo tempo? É este o canto de sereia do neoliberalismo.

Mas o grito dos povos faz-se ouvir. O que dizer quando direitos humanos básicos como saúde e segurança no trabalho, férias, licença-paternidade e maternidade e representação sindical são negados em nome de uma suposta “modernização”, que só exacerba a concentração de renda? O que dizer quando o desespero leva 45 mil trabalhadores a colocarem fim às suas vidas todos os anos por estarem desempregados, conforme estudo da Universidade de Zurique? Quando um de cada cinco suicídios, 20%, é resultado direto da demissão? Quando a desregulamentação transformou o mundo do trabalho numa verdadeira arena de gladiadores, para que sobreviva apenas o mais forte para servir ao capital?

No caso do Brasil, o sentido da reforma trabalhista de Temer é precisamente este: fragilizar a força do trabalhador e toda e qualquer capacidade de reação. O ataque ao “direito de sindicalização e à negociação coletiva”, tão bem garantidos na Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), é expressão do descalabro, mas também a demonstração de um governo que não tem a mínima consideração pelas instituições. De quem não só desrespeita, como sapateia sobre as normas internacionais. Ou de que outra forma poderíamos traduzir o golpe às convenções 98 e 154 da OIT, com a qual se fará a imposição do negociado sobre o legislado, tornando letra morta direitos previstos em lei, com a ampliação da jornada para até 60 horas semanais e dando carta branca às demissões.

É óbvio que defender a atual legislação de tão virulentos ataques não significa estarmos desatentos às mudanças que as inovações tecnológicas têm imposto – e vão impor cada vez mais – nas distintas etapas da produção e de serviços, No que diz respeito à estrutura sindical, sabemos que categorias e ramos serão cada vez mais complexos e abrangentes, o que vai requerer formas de organização adequadas. Sem o devido estabelecimento de processos democráticos, com direções oxigenadas pelo debate e pelo livre direito de escolha, teremos na unicidade sindical uma amarra, em vez de uma eficiente estrutura unitária de representação. Que será cada vez mais necessária, para que os pleitos sejam sustentados por alguém explicitamente reconhecido pelos trabalhadores, mas igualmente sustentado no corpo da lei, para que não seja minimizado, deixado ao bel prazer de governantes e empresários e sua reconhecida indisposição ao diálogo.

Da mesma forma que a OIT, acredito que as decisões que tomamos hoje podem assentar as bases para o aumento dos postos de trabalho, para o combate à desigualdade de gênero e salários. Escolhas que podem ajudar a definir a forma de utilização das novas tecnologias para a superação do atraso e a criação dos 40 milhões de postos de trabalho anuais que necessitamos. Por isso defendemos mudanças para melhorar, não para degradar como estão sendo colocadas em pauta hoje. Para garantir qualidade de vida aos milhões de homens e mulheres que precisam e precisarão recorrer a cada ano à Seguridade Social, numa população mundial, acima de 65 anos, que aumenta 8% anualmente. Sabemos que a agenda dos neoliberais traz a imposição de idades cada vez maiores e contribuições cada vez mais miseráveis. Caso vingasse a deforma proposta por Temer, quantos seriam os que conseguiriam se aposentar com os indecentes 49 anos de contribuição que ela carrega? A quase totalidade teria de recorrer à aposentadoria por idade, bastante arrochada.

E os jovens? Conforme a OIT, em 2015 aproximadamente 43% da força de trabalho juvenil no mundo estava desempregada ou vivia na pobreza, apesar de ter um “emprego”, sendo que 31% dos jovens dos países mais pobres não tinham qualquer formação educacional, contra 2% nos países com recursos médios. Se no caso espanhol, com formação e tudo, os jovens são mais de 40% da massa de desempregados, que futuro resta para onde a universidade é um luxo e o acesso às novas tecnologias uma obra de ficção? Países e povos produtores de tecnologia estarão em um patamar superior, obviamente, para enfrentar os desafios presentes e futuros, planificando os seus passos com independência e agregando muito mais valor à caminhada.

O fato é que vivemos um momento em que o capital financeiro domina completamente a economia real, fazendo com que os lucros sejam apropriados por uma fração cada vez mais ínfima e parasitária da sociedade. Tal “lógica” rentista, altamente perniciosa, coloca em xeque a própria sobrevivência do sistema, pois a concentração dos lucros leva paulatinamente à redução do consumo geral, obstaculizando o crescimento econômico, o que conduz à recessão, à multiplicação e ao agravamento das crises.

Não será obviamente reduzindo salários, direitos sociais e trabalhistas, como advogam os adoradores da globalização neoliberal, que conseguiremos descortinar qualquer perspectiva de futuro. É preciso garantir empregos de qualidade. Afinal, como elemento estruturante de qualquer “contrato social” que defina direitos e responsabilidades de empregadores e trabalhadores, é o emprego quem determina em grande medida a distribuição de recursos e do próprio poder. Mais: é o trabalho quem determina a própria vida do cidadão.

Nos países subdesenvolvidos, ao comprometerem os investimentos em educação, ciência e tecnologia, ao invés de atuarem soberanamente e romperem as amarras da dependência, os governos servis ao “Consenso de Washington” – ditado pelos bancos e transnacionais – as reforçam, comprometendo o hoje e o amanhã. Ao inviabilizarem as empresas nacionais, sabotadas para não poder concorrer em condições de igualdade com as mega corporações estrangeiras, tais governantes cumprem o papel de simples marionetes, enquanto multiplicam a informalidade, a precarização e a pobreza.

Por isso precisaremos de uma verdadeira revolução nas nossas entidades, reforçando a organização e os interesses coletivos, investindo no aprofundamento da relação com as nossas bases, com maior investimento na formação político, sindical e ideológica, a fim de que todos e todas tenham a real dimensão do que está em jogo. Em oposição ao doutrinarismo, sempre estreito e limitante, sublinhamos o quão é necessário é contribuir para que o trabalhador conheça em profundidade o que está se passando, como funcionam as empresas e os governos, para que melhor possa defender os seus interesses e o de sua classe. Para que os sindicatos sejam cada vez mais uma trincheira sólida de aglutinação para o combate, de demarcação de terreno. Porque se é verdade que existem sindicatos frágeis e inoperantes, não será com a sua desaparição que garantiremos os nossos direitos e melhores dias, mas com o fortalecimento da participação e da democracia.

Exemplo de retrocesso laboral é os Estados Unidos, país em que mais de 90% dos trabalhadores não tem sequer sindicato que os defenda e onde se precisa mais de 50% dos trabalhadores para se criar um. No mês de agosto, o United Auto Workers (UAW), associação sindical do setor automotivo do país, denunciou que a Nissan impediu a criação do sindicato local em Canton, no Mississipi, por meio de uma campanha que ultrapassou todos os limites. A chantagem não ficou restrita à fábrica. A empresa, que conta com 6.400 operários, 2.700 deles trabalhadores temporários, simplesmente impediu que estes últimos pudessem se pronunciar e cassou seu direito a voto. Concentrado, o assédio chegou à casa de todos os demais e ganhou as ruas com a mídia atacando a organização via rádio e televisão, e a chantagem ganhando manchetes após o governador acusar os sindicatos de prejudicar a indústria automotiva em Detroit. Para arrematar, a empresa patrocinou a venda de carros de último modelo a US$ 50 dólares mensais a quem abrisse o voto contra. Uma visão muito peculiar de “democracia”.

Para a virada, a comunicação é um ponto chave. Afinal, estamos diante de um processo de atomização da presença física, o que vai requerer um contato ainda maior, sempre renovado, atualizado e dinâmico.

O fato é que as profundas transformações tecnológicas pelas quais está passando a humanidade terá reflexos diretos na logística, na coordenação e na comunicação, com robôs autônomos equipados com sensores para recoletar e analisar dados em rede, melhorando e agilizando as conexões entre as empresas, aumentando a sua produtividade a níveis sem precedentes. E sabemos quem, no atual contexto do enfrentamento, está sorvendo os frutos suculentos desta frondosa árvore.

Sobre a “magnitude potencial de supressão de postos de trabalho”, estudos da OIT apontam que, com a possível automação das ocupações, 47% do total de empregos nos Estados Unidos e 35% na Alemanha, França e Inglaterra encontram-se sob “alto risco”. São países que nas últimas décadas se especializaram em tarefas altamente qualificadas, com investimentos em pesquisas em ciência e tecnologia, finanças e serviços pós-venda, enquanto os países periféricos ficaram com os postos de trabalho de baixa remuneração – cerca de 70% mais baixos – e pouca qualificação. Vagas que ainda não podem ser automatizadas. Em outras palavras: os lucros têm se concentrado principalmente nos donos das inovações, fazendo com que as recentes mudanças tecnológicas levem a uma maior desigualdade. A variável que se coloca é o Estado. Onde atua de forma mais efetiva – ainda que longe de justa -, como na Alemanha, mesmo tendo maior crescimento de robôs em relação aos Estados Unidos, registra perda menor de empregos no setor industrial. Esta é apenas uma demonstração, entre tantas, do espaço existente para virarmos o jogo a nosso favor.

Frente a tantos e tão complexos desafios, ao mesmo tempo em que se desdobra para estar à altura desta nova realidade com sua luta imediata, estrategicamente é fundamental a mobilização em defesa do papel do Estado. Precisamos de um Estado indutor do desenvolvimento e para isso necessitamos ampliar sua a capacidade de arrecadação, que virá tanto do setor empresarial quanto da parcela mais aquinhoada da sociedade, redistribuindo tais recursos em melhorias objetivas na educação, na ciência e na tecnologia para o desenvolvimento, com o objetivo central de criar empregos de qualidade, com cidadãos plenos de direitos. Para isso será preciso ampliar a capacidade de fiscalização e punição aos malfeitos.

A proteção ao meio ambiente é outro ponto nevrálgico, pois mobilizados para a criação de uma nova consciência ecológica, com a convicção de que a natureza não é uma mercadoria, poderemos usufruir de todo seu universo de potencialidades. O que já está colocado, para o aqui e agora, é que serão centenas de milhões de novos postos de trabalho limpos, advindos do grandioso potencial da reciclagem possibilitado pela engenharia química, bem como de um comportamento mais atento e respeitoso, muito mais saudável para todos e para a Terra.

Da mesma forma, é preciso dar um salto de qualidade na nossa identidade cultural enquanto classe. Atomizados pelo sistema capitalista, que vende como “normal” a privação do conjunto dos meios de produção, os trabalhadores precisam recuperar a sua capacidade de discernimento e iniciativa.

Uma vez que a luta de classes é permanente, com crescente e brutal antagonismo entre capital e trabalho, qual o nosso papel enquanto dirigentes sindicais se não buscar a vitória neste confronto? Sabendo que o capital não joga para perder. O estabelecimento da renda mínima universal será um passo significativo nesta caminhada, pois representará a afirmação de uma política pública compensatória durante o tempo em que formos recuperando o Estado da devastação deixada pelos neoliberais.

Com o completo domínio dos cartéis empresariais, há uma tendência à diminuição da presença física do empregado no seu local de trabalho, com a soma do precarizado, do desempregado e do lumpesinato devendo superar a própria mão de obra formal. Uma vez que a concentração da mão de obra na grande empresa facilitava a relação sindicato-trabalhador, e o número de funcionários vem se reduzindo dia a dia, o diálogo vem sendo cada vez mais dificultado. Da mesma maneira que a informatização, a robotização e a digitalização afastam o cidadão do local de trabalho e, consequentemente, aumentam a dificuldade de interação e relacionamento.

É bastante sintomático o fato da Prefeitura de Ribeirão Preto ter proposto que professores ganhem pelo tempo em que estiverem prestando serviço em sala de aula. Um tipo de professor-Uber em que a tropa do exército de reserva fica à mercê de governos e patrões, num retrocesso sem fim.

Portanto, há não apenas a possibilidade, como a necessidade – já que esta é uma questão de sobrevivência – de nos mobilizarmos para estancar uma sangria que já começou. E como não estamos diante de uma simples ferida, mas de um verdadeiro tumor, é preciso atuar como cirurgiões, de forma rápida, consciente e eficiente, de forma unitária e planificada.

Como dizia Gonzaguinha “um homem se humilha se castram seu sonho, seu sonho é sua vida e vida é trabalho. E sem o seu trabalho, um homem não tem honra. E sem a sua honra se morre, se mata. Não dá para ser feliz.”

João Felicio, presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI)

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