Reforma trabalhista no campo precariza trabalho rural
Por Caroline Nascimento Pereira e Ana Luíza Matos de Oliveira
A nova proposta de reforma trabalhista no campo tem causado indignação em parte da sociedade, obviamente aquela provida de bom senso, pois o Projeto de Lei 6.442/2016, de autoria de Nilson Leitão (PSDB/MT), líder da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), propõe alterações nas leis trabalhistas no campo, que, se aprovadas, poderão levar o país aos tempos da escravidão novamente.
Entre os principais pontos – e na mesma linha da reforma trabalhista – destacam-se: predominância do negociado sobre o legislado, ou seja, acordos entre as partes sem o devido respaldo das garantias legais; pagamento do trabalhador com moradia ou alimentação como parte do salário, incluindo também a possibilidade de pagamento com parte da produção ou concessão de terras; autorização do trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de laudos; fim das horas in itinere (tempo de deslocamento em veículos da empresa, onde não há transporte público); extensão da jornada de trabalho por até 12 horas; substituição do repouso semanal por contínuo, com até 18 dias de trabalho seguidos; possibilidade de venda integral das férias; revogação da NR-31, norma que regulamenta os procedimentos de segurança e saúde no campo e instituição da jornada intermitente no campo (em que o funcionário pode trabalhar em horários específicos do dia, quando houver demanda, sem uma jornada contínua).
Entre as justificativas dos ruralistas para essa reforma está a necessidade de modernização das relações no campo, o aumento dos lucros, redução dos custos e geração de novos postos de trabalho, além das especificidades do campo, como alterações climáticas e outras intempéries, que afetam o calendário da colheita e demanda flexibilidade dos fatores de produção.
De fato, a agricultura não possui um ciclo estável que responda totalmente ao planejado, demandando algum tipo de flexibilidade do produtor. Entretanto, o que os ruralistas estão propondo é a transferência do risco da produção para os empregados, como se o agronegócio brasileiro não fosse forte e lucrativo o suficiente para sustentar as oscilações e quedas bruscas de produção.
De acordo com números divulgados pela Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a estimativa para o valor bruto da produção agropecuária (VBP) para 2017 é de R$ 546,3 bilhões, apresentando crescimento nos últimos anos, conforme Gráfico 1.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), esse ganho se deve ao aumento de safra e a maior produtividade. O Mapa ainda aponta que a melhora no desempenho das lavouras se deve a aumentos nos preços e maior produção.
Ademais, não se pode esquecer que o setor agrícola é historicamente agraciado com perdões de dívida, fato explicado pela expressiva bancada ruralista no Congresso, sendo também utilizado como moeda de troca pelo Governo para a aprovação de reformas, como ocorre com o projeto apresentado pelo senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) propondo o perdão para produtores rurais das dívidas do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que é uma espécie de previdência do trabalhador do campo. A dívida dos ruralistas com o Funrural acumula um passivo de R$ 10 bilhões.
Também não se pode esquecer do montante de recursos a juros menores para financiar a agricultura, que na safra 2017/2018 alcançará um total de R$ 190,25 bilhões, um aumento de 24,3% em relação a 2016, apesar do período de ajuste fiscal e da PEC 55 que limita os gastos públicos.
Mas, analisando a destinação dos financiamentos agrícolas realizados no Brasil, segundo dados do Censo Agropecuário (2006) no relatório da Oxfam, 51,4% dos financiamentos se destinaram para propriedades entre 10 e 100 hectares e 8,8% para propriedades com mais de 100 hectares. Já em volume de recursos, 43,6% ficaram para as propriedades com mais de 1000 ha, e apenas 6,4% para propriedades com menos de 10 hectares, evidenciando que o sistema de financiamento agrícola tende a privilegiar os grupos detentores de terras, acirrando a desigualdade no campo.
Ainda sobre desigualdades, o mesmo relatório aponta que a distribuição de terras também é favorável aos ruralistas, com os que têm mais de 1000 hectares somando 0,91% do total de estabelecimentos rurais brasileiros detendo 45% de toda a área rural do país. Somente os estabelecimentos com mais de 2500 hectares (0,3% do número de estabelecimentos) respondem por 30,4% da área total. Por outro lado, estabelecimentos com menos de 10 hectares totalizam mais de 47% do número de estabelecimentos e ocupam pouco mais de 2% da área total rural do país.
E, por fim, analisando a relação entre concentração fundiária e desenvolvimento econômico, observou-se que quanto maior a concentração fundiária, maior a concentração de renda. Um dado que ilustra bem a disparidade é a incidência de pobreza rural nos municípios avaliados: nos municípios com maior concentração de terra, equivalente a 1% dos municípios brasileiros, a pobreza incide sobre 42% da população rural. Já nos municípios com baixa concentração fundiária, referente a 80% dos municípios, a pobreza incide sobre 13% da população rural.
Diante desse breve diagnóstico do setor e de suas desigualdades, seria o momento de pensar políticas efetivas que revertessem tamanha discrepância dentro do mundo rural, não ampliá-la como quer o projeto de lei, ao retirar ainda mais direitos dos trabalhadores do campo. Infelizmente, o ritmo dos assentamentos rurais vem caindo nos últimos governos e, por sua vez, a concentração de financiamentos, crédito, acesso a maquinários e equipamentos, entre outros, aumenta safra após safra em favor dos grandes latifúndios.
Ou seja, o momento não é de reverter os direitos (poucos por sinal) dos trabalhadores rurais, mas, sim, reverter a desigualdade no campo, que já é gritante. De tal modo, o projeto de lei não somente é uma excrecência por si mesmo, mas totalmente descabido diante da conjuntura e robusta estrutura desse setor.