Política atrás das grades: combate ou reforça a corrupção?
Não sou da área do Direito. Como jovem negra e periférica, minha educação passou às margens de compreender a constitucionalidade que rege nosso país. Minha primeira experiência com o Judiciário foi no Tribunal de Justiça da Bahia, como estagiária em comunicação. Pelos corredores empoeirados de práticas aristocráticas, corre solto um piada sem graça: juízes pensam que são deuses; desembargadores são. Imagina a sensação de poder de um ministro do Supremo.
Sou jornalista e de mídia já entendo um pouco mais. Como filha da classe trabalhadora, minha infância foi quase toda em frente à TV. Na universidade, pude exercitar uma leitura mais crítica sobre conteúdo midiático, através da análise do discurso. Então descobri o quanto a grande mídia opera a lógica das estruturas opressoras do Estado, reproduz as violências e contribui para a concentração de poder.
Minhas análises sobre o Judiciário e a mídia só se aprofundaram com a vivência política. A consciência racial me fez compreender a tal seletividade da Justiça brasileira, que encarcera pretos e absolve os assassinos de pretos. Vi os impactos da cultura autoritária se materializarem em meu corpo de mulher, cujas escolhas também estão sujeitas às decisões deste poder coronelista, meritocrático, clientelista. Meu asco pela grande mídia crescia também a cada elemento da cultura patriarcal e racista reforçado nos formatos dos oligopólios de comunicação: cada mulher culpabilizada pelo estupro em transmissão ao vivo, cada morte negra relativizada por um suposto envolvimento com tráfico de drogas, afinal, se é preto, é suspeito; pra não dizer culpado. Nosso sangue espetacularizado e servido no almoço da família tradicional brasileira.
Estes segmentos, cuja legitimidade e respeitabilidade são questionáveis, agora se colocam como os totens da moral e da ética no “combate” à corrupção.
A nossa sede de justiça não será saciada com esta água de esgoto. Quero falar da água limpa da reforma politica, da transparência e da reestruturação radical do sistema de Justiça. Não da pra fulanizar a corrupção criando uma epopeia entre vilões e heróis, quando o problema central está nas regras do jogo, que permanecerão independente dos jogadores. Pra nós, que assistimos ao presidente Lula, nosso principal símbolo, ser vilipendiado, perseguido, coagido coercitivamente, interrogado por horas e horas e hoje condenado pelo cinismo da elite brasileira, personificada no juiz Sérgio Moro, pode parecer confortante ver os nossos inimigos de classe sendo presos e expostos na mídia. Precisamos, no entanto, fazer um debate mais profundo sobre o que está em jogo, uma reflexão sistêmica sobre o Estado brasileiro e suas possibilidades de reconfiguração democrática numa direção progressiva.
Eu não acredito nesse fluxo, não acredito nestes agentes e não acredito neste método. A corrupção não está sendo combatida, ela está sendo esvaziada de seu sentido mais profundo e vendida a partir de suas relações mais superficiais. O resultado é as pessoas se afastando ainda mais da política, quando deveriam aproximar-se, afinal, a participação é de fato a maior via de combate à corrupção.
Enquanto os jornais fazem um big brother dos bastidores das operações da Polícia Federal, o governo golpista gasta mais de 60 milhões de reais em propaganda a favor da Reforma da Previdência. Enquanto comemoramos a prisão de nossos adversários, nenhum jornal fala da luta pela liberdade de Rafael Braga. Enquanto lutamos pra retirar Temer pelas mãos do povo, os empresários e a extrema direita articulam uma sucessão muito pior via eleições indiretas.
O momento é complexo. As abordagens precisam ser precisas, críticas e didáticas na disputa de narrativa. Quero aqui fazer a defesa da politica e também a denúncia de um sistema político falido. Crápulas como Michel Temer, Aécio Neves, Geddel Vieira Lima, Rodrigo Maia são produtos desse sistema regido pelo poder econômico, que segue imune às investigações da Operação Lava Jato.
A única possibilidade de retomar a democracia no Brasil são eleições diretas para convocação subsequente de uma constituinte soberana para a reforma politica. Precisamos convencer as pessoas do por quê e pra quê Diretas Já! O povo quer acabar com a corrupção e não revezar a gerência sobre o sistema politico corrupto. O povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe.