Um tema muito caro aos economistas conservadores é a questão da assim chamada “dominância fiscal”, a qual poderia ser resumida da seguinte forma:

Quando o governo de um país está excessivamente endividado, os eventuais aumentos da taxa de juros pelo Banco Central levam a um crescimento das despesas financeiras do governo, as quais acabam anulando os efeitos contracionistas da elevação da taxa de juros. Assim, tornam ineficaz o instrumento da política monetária – diga-se de passagem que até hoje não se conhece nenhum economista de carne e osso que seja capaz de afirmar de forma categórica o que significa “um governo excessivamente endividado”. Isto é, qual seria o limite para o crescimento da dívida pública sobre o PIB – o Japão, por exemplo, tem uma dívida pública que corresponde a mais de 240% do seu PIB e mesmo assim a taxa de juros por lá permanece próxima de zero.

Como bem já sabe o antenado leitor, um único objetivo anima os que propagam a teoria da “dominância fiscal”: para fugir dessa terrível armadilha, só um severo ajuste fiscal, capaz de derrubar a relação dívida pública/PIB e assim devolver o país ao harmonioso mundo em que a taxa de juros pode flutuar sem maiores constrangimentos. Era isso que estava na cabeça do Ministro Levy em 2015 e é ainda o que alimenta a imaginação da dupla Meirelles-Ilan.

O mais surpreendente é que esses mesmos economistas que falam de “dominância fiscal” são capazes de coisas ainda mais incríveis. Um exemplo é a nova versão do problema das “dominâncias”, a qual foi exposta de forma cristalina pelo respeitado professor Yoshiaki Nakano (ex-secretário da Fazenda de São Paulo nas gestões de Covas e Alckmin), em artigo publicado no jornal Valor Econômico dias atrás (leia aqui). Segundo ele, um problema ainda mais grave do que aquele seria o da “Dominância Monetária”, isto é, da anulação da política fiscal pela ação saneadora do Banco Central.

Vejam como é o raciocínio. Como o Banco Central é independente e tem na sua direção um corpo técnico que flutua no espaço (não atende a interesses desse nosso mundo) é esperado que ele responda com uma política monetária contracionista sempre que o governo e seus ministros (que precisão de votos e, por isso, cedem aos interesses mundanos) resolverem estimular a economia por meio da expansão dos gastos públicos.

Sendo assim, e considerando que os técnicos do BC acertam na calibragem, a política fiscal não teria condições de estimular a economia, mas na realidade poderia provocar o seu reverso, isto é, a queda das taxas de crescimento da produção, seja em decorrência dos efeitos futuros da expansão da dívida pública, seja pela via da valorização do câmbio (motivada por capitais externos atraídos pela alta de juros) que prejudicaria a competitividade externa das empresas nacionais.

Até este ponto, talvez fosse possível concordar em parte com o Prof. Nakano, visto que há uma evidente disfuncionalidade entre as ações de um banco central independente (isto é, que não se submete às urnas) e os instrumentos de política econômica que estão à disposição do governo central. De fato, como bem revela a experiência brasileira dos últimos vinte anos, a “dominância monetária” é certamente mais grave do que os supostos efeitos deletérios da “dominância fiscal”.

Contudo, o que parece difícil de aceitar é o que o ilustre economista sugere em seu parágrafo conclusivo, onde afirma, face àquela problemática, “um ministro da Fazenda responsável e consciente deverá ter como objetivo o equilíbrio estrutural das contas públicas e deverá procurar uma coordenação estreita com o Banco Central”.

Ora, mas não seria exatamente o inverso? Se as ações econômicas de um governo são sistematicamente neutralizadas pelos técnicos de um banco central independente, não estaríamos diante de uma evidente usurpação da democracia, de uma anulação ilegítima da política em nome de uma pseudociência cujas recomendações jamais tiveram êxito em duzentos anos de capitalismo?

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