A todo o momento ouvimos, no rádio, na TV, ou lemos nos jornais e revistas que o “governo gasta em excesso”, que as “contas públicas não são saudáveis” e que, por isso, é necessário “cortar gastos”, “apertar o cinto” e “equilibrar as contas públicas”. Só com esse ajuste nas contas do governo seria possível a economia “entrar nos trilhos” e retomar o crescimento.

A ideia por trás dessas expressões é a da “austeridade fiscal” a ser buscada pelo governo e que, às vezes, também vem acompanhada de uma expressão ainda mais rebuscada: a “contração fiscal expansionista”. Mas do que os órgãos de comunicação, os analistas e “especialistas em contas públicas” estão falando exatamente quando defendem tanto a austeridade fiscal quanto a contração fiscal expansionista?

A mídia e os analistas estão falando de uma visão difundida depois da segunda guerra mundial pelo economista, ex-diretor do Banco da Itália e ex-presidente italiano, Luigi Einaudi.

Einaudi se esforçou para desenvolver as ideias do liberalismo econômico, cujo principal argumento é o de deixar o curso da atividade econômica nas mãos do mercado. Ao governo, nessa visão, cabe apenas o papel de tomar medidas para aumentar os mercados, promover a competitividade, proibir monopólios e dar base legal e política para o setor privado se organizar, inovar e produzir. Qualquer ação do governo além dessas medidas deve ser evitada a todo custo, pois gera inflação e distorções na economia que a tiram do seu “caminho natural”.

Para essa visão, o governo é menos eficiente que o setor privado e, assim, quanto menor a participação dos gastos públicos na economia e quanto menos impostos existir, mais espaço se abre para os empresários privados determinarem o melhor caminho para a economia, de investimento e crescimento econômico. É aqui que entra a ideia da austeridade fiscal, que basicamente significa cortar gastos públicos ou aumentar impostos de setores selecionados.

Quando se corta o gasto público dois problemas são evitados de acordo com essa argumentação. O primeiro é a inflação, pois a redução dos gastos do governo gera uma redução de todos os produtos e serviços demandados da economia. Com menos demanda na economia, provocada por menores gastos do governo, menor é a pressão sobre os preços e menor a inflação. O segundo problema evitado é o que no economês se conhece como “crowding out”, ou seja, a ocupação, por parte do governo, de setores onde os gastos seriam feitos pelo setor privado. Quando o governo corta seus investimentos em saúde, por exemplo, essa visão argumenta que o setor privado passa a investir nessa área.

Do lado das receitas públicas a austeridade fiscal significa aumentar impostos (carga tributária). Mas isso não é contraditório à ideia de “menos impostos na economia”, do liberalismo econômico? Sim. Mas o argumento é que o governo aumente transitoriamente a carga tributária até ajustar as contas públicas, para que, depois, possa reduzir os impostos e conduzir o orçamento público de forma equilibrada. De preferência, quando há aumento dos impostos, ele não deve ocorrer sobre as empresas, para não desestimular os investimentos, mas sobre o consumo, mais uma vez para reduzir a demanda da economia e a inflação.

Figura 1 – Exemplo do mecanismo de austeridade fiscal via aumento inicial de impostos

De todo modo a austeridade fiscal significa redução dos gastos públicos ou aumento da carga tributária. Como o aumento dos impostos prejudica ainda mais as economias que não conseguem crescer, essa visão geralmente defende o corte dos gastos como o caminho mais adequado a se tomar.

A partir do corte de gastos, os defensores da austeridade fiscal acreditam que há um incentivo por parte dos empresários em investir, porque o governo está se comprometendo a pagar a dívida que possui e a levar uma “vida mais regrada”. Assim, a austeridade do lado das contas públicas seria um indicador para que os empresários investissem e esse investimento estaria atrelado a um maior crescimento econômico. Por isso o uso do termo “contração fiscal expansionista” por parte de alguns analistas, ou seja, uma redução (contração) nos gastos públicos (fiscal) que leva ao crescimento econômico (expansionista).

Alguns discípulos de Einaudi retomaram argumentação da austeridade fiscal e da contração fiscal expansionista a partir dos anos 1990, aproveitando a onda de ideias liberais divulgadas a partir do “Consenso de Washington”. Alberto Alesina, Francesco Giavazzi, Guido Tabellini, Marco Pagano, Silvia Ardagna e Roberto Perotti estudaram casos de alguns países europeus que, ao reduzir o tamanho do setor público na economia, teriam (supostamente) conseguido retomar uma trajetória de crescimento econômico. Esses casos acabaram servindo de justificativa para a defesa da austeridade fiscal nos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, e serão objetos de crítica em nota posterior.

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