Desde a crise financeira de 2008, o capitalismo internacional passa por uma mudança profunda. O cenário de incertezas abre um conjunto de questões: quais serão os rumos da globalização? A hegemonia norte-americana está em declínio? O dólar pode ser substituído no atual sistema monetário financeiro internacional? O comércio entre os países indica uma nova divisão internacional do trabalho? Qual o papel da China no novo cenário internacional? Quais os impactos das novas mudanças para as periferias latino-americana e asiática? As perguntas são muitas, menor são as tentativas de tentar organizá-las a fim de sugerir respostas capazes de respeitar a urgência de novos temas no momento da emergência de transformações significativas.

É nesse esforço de combinar interpretação estrutural de longo prazo e explicação conjuntural de curto prazo que se insere o livro Adam Smith em Pequim, de Giovanni Arrighi, uma obra que ensaia, à sua maneira, tentativas de compreender o princípio histórico e os princípios teóricos do século XXI.

Em Adam Smith em Pequim, Arrighi investe em uma releitura da economia política clássica a fim de compreender as novas configurações geoeconômicas e geopolíticas que têm marcado, sobretudo, as relações entre a América do Norte e a Ásia Oriental.

A tese central do livro leva a cabo uma inquietação polêmica que já apareceu em outras análises do autor: a ideia de que, em uma perspectiva histórica de longo prazo, o princípio do século XXI só poderá ser compreendido à luz das revoltas contra o Ocidente, causadas pelo fim da hegemonia norte-americana, e da restauração do Oriente, consequência da ascensão chinesa. Vale a pena observar com cuidado o modelo teórico histórico desenvolvido pelo autor.

Para Arrighi, importa ressaltar que, na economia política internacional, duas civilizações se formaram a um só tempo, mas com história e lógica distintas. De um lado, o sistema interestatal europeu-ocidental, de outro lado, o sistema interestatal asiático-oriental, ambos organizados em torno de relações políticas e econômicas divergentes entre si.

Enquanto o sistema europeu se conformava com base na competição militar e na expansão geográfica externa, o sistema asiático se estabelecia com base na cooperação comercial e na expansão geográfica interna; mais ainda, enquanto a alta frequência de guerras entre os Estados europeus consolidava tendências para a construção de impérios ultramarinos com relações de subordinação com suas periferias, a maior concentração no comércio de curta distância entre os Estados asiáticos instituía tendências para o estabelecimento de impérios terrestres com relações de associação com suas periferias.

Tratam-se, pois, de trajetórias distintas que resultam na conformação de dois modelos diferentes de desenvolvimento econômico: o primeiro marcado pela priorização do comércio exterior que culmina na formação do capitalismo, tal como teorizado por Karl Marx, e o segundo marcado pela priorização do mercado interno, como que exemplificando a formação da economia de mercado tal como descrita por Adam Smith. Donde o passeio cruzado sugerido pelo título do livro: Adam Smith na China, Karl Marx nos EUA.

O livro tem o mérito de reunir algumas das principais inquietações estruturais sobre o capitalismo contemporâneo (o que não é pouco). As escolhas teóricas que o informam, suas teses centrais, assim como a composição das partes e o alinhavo do conjunto merecem leitura atenta e debate sério, uma tarefa que não se realiza sem bons conhecimentos da economia política e da história econômica dessas duas civilizações.

Título: Adam Smith em Pequim, origens e fundamentos do século XXI

Autor: Giovanni Arrighi

Boitempo: São Paulo, 2008.

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