CSBH: jornal O Lampião da Esquina foi a primeira publicação LGBT do Brasil
Uma boa notícia para pesquisadores do tema LGBT: o acervo do Centro Sergio Buarque de Holanda (CSBH), da Fundação Perseu Abramo, tem disponíveis boa parte da coleção do jornal O Lampião da Esquina, a primeira (e talvez única) publicação pensada e levada adiante por homossexuais, basicamente masculinos, nos anos 1970/80.
O jornal teve ao todo 37 edições, contando com uma edição nº 0. O CSBH possui no acervo os números 3, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, totalizando quase a metade do total de edições, disponíveis para consulta.
Com pelo menos onze homossexuais conduzindo o projeto e sua produção, a partir de 1978 o Brasil conheceu, ainda encoberto pelo manto da ditadura militar, o primeiro jornal LGBT da história. Sem dúvida, era um dos “alternativos” da época.
Em formato tabloide, tinha editorias fixas como “Cartas na Mesa”, onde as cartas dos leitores eram publicadas e respondidas, “Esquina” onde eram reunidas notícias, “Reportagem”, onde sempre a matéria de capa estava localizada, e a partir do número cinco a coluna “Bixórdia”.
Das páginas d’O Lampião saiam notícias não só relacionadas com o “ser gay”, temas raciais, a situação das mulheres lésbicas e das travestis, a já assustadora violência contra gays mas também política nacional, a luta pela abertura política no país, a história da organização do que viria a ser o movimento LGBT no mundo. Textos longos e densas entrevistas podiam ser lidas lá.
A lista de personalidades ouvidas ou apresentadas pelo O Lampião é variada: vai de Ney Matogrosso a Luiz Inácio Lula da Silva, passando por representantes de todas as áreas possíveis. De acordo com Agnaldo Silva, falando sobre a publicação em documentário de mesmo nome, “é um jornal, não é uma brincadeira de bichinhas”.
No expediente figuravam nomes como Agnaldo Silva, Jean-Claude Bernardet, João Silvério Trevisan, Peter Fry, Glauco Matoso e Caio Fernando Abreu. E de suas páginas transbordava irreverência e coragem. Tempos sombrios passados não foram momentos bons para se vivenciar fora da heteronormatividade, fosse pela direita ou esquerda, ser homossexual não era algo aceitável.
As dificuldades eram enormes desde a diagramação artesanal até o preconceito para conseguir distribuir o Lampião pelas bancas do Brasil.
E segundo contaram em documentário que conta a história do jornal, “foi preciso muita bateção de pé para que distribuidoras e jornaleiros topassem comercializar aquela diminuta publicação com manchetes tão inusitadas.
“Houve um momento em que um grupo paramilitar começou a soltar bomba em bancas [de jornal] e deixava panfletos dizendo: ‘enquanto vocês venderem tais jornais, nós vamos atacar vocês’. E lá estava o nome do Lampião”, relembra Trevisan no documentário.