Tatuagem na testa de menino denota faces da tortura
‘Sou ladrão e vacilão’ marcados violentamente na testa. O horror. É só assim que consigo compreender e definir essa atrocidade abominável e medieval cometida contra um jovem de 17 anos. O horror. Praticado horrorosamente não por monstros, mas por mãos e mentes humanas. São muitas as faces e nuances desse horror.
A tortura, sempre abjeta e inaceitável, porque permite que alguém ouse controlar e se apropriar do corpo do outro para impor sofrimentos, sevícias e humilhações físicas e emocionais que jamais serão esquecidas. Ou apagadas. O rapaz torturado teve pernas e braços amarrados. Sequer sabia quais eram as letras e palavras que estavam rasgando e queimando a pele dele. Individualismo. Egoísmo. Intolerância. A ausência absoluta de empatia, sentimento que, ainda que num trisco de segundo, teria feito com que perguntassem ‘peraí, e se fosse conosco?’.
A cruzada puritana moralista e histérica que faz com que alguns se julguem melhores do que outros, movidos por sentimentos e ações supostamente sempre nobres. Os erros, os desvios, as impurezas e os vacilos estão sempre na outra margem do rio, no jardim ao lado. Do lado de cá da cerca, tudo é divino e maravilhoso. Irretocável. Cidadãos de bem imbuídos da missão de marcar – e, no limite, exterminar – a escória da sociedade que insiste em enfeiar e tem a petulância de sujar os salões de baile em que dançamos e recebemos nossos semelhantes. Todos puros e limpinhos. Vingadores destemidos que entendem que nada funciona, façamos nós mesmos, com as nossas mãos. Justiceiros. Prendem. Amarram. Julgam. Determinam sentenças. Torturam. Executam. Sem qualquer apreço ou compromisso com a institucionalidade e o ideal de civilização – que, afinal, só fazem proteger bandidos. Basta. Estão fartos.
A cruel visibilidade do tribunal das santas redes sociais. Os tatuadores torturadores gravaram a bárbara sessão. E se apressaram a jogar as imagens nos faces e zaps, o universo mágico de Zuckerberg a viralizar as cenas, disponibilizadas agora no novo espaço público, referendadas por patrulhas histéricas e bandos ensandecidos a berrar ‘é isso mesmo, mata, esfola, quem mandou nascer ladrão?’. O conforto e a certeza da impunidade. Não vai acontecer nada com a gente, pensaram. São muitos os horrores. Eu me sinto horrorosamente impotente, preso, inerte, sem muito saber o que fazer, atordoado diante do embrutecimento estúpido e acelerado do ser humano. Não vou me cansar de denunciar esse horror. É o horror. É o horror. É o horror. Esse megafone ainda é meu.