Créditos: La voz del Sandinismo

 

Créditos: La voz del Sandinismo

Por Renato Simões*

Dois expoentes da Teologia da Libertação, intelectuais e ativistas com marcantes passagens nas lutas sociais e políticas da América Latina, faleceram nesta semana, deixando um legado de amizade e solidariedade com a esquerda brasileira.

Na terça-feira, dia 6, faleceu em Quito, Equador, François Houtart, sacerdote, sociólogo da religião e teólogo, belga de nascimento, internacionalista por convicção e latino-americano por adoção, de farta produção científica e militante. Desde os anos 1950 identificado com a Teologia da Libertação, o pensamento de Houtart expressou-se na intervenção do episcopado latino-americano no Concílio Vaticano II e na sistematização teórica da Teologia da Libertação em importantes centros acadêmicos, em especial na Universidade de Louvain. Sua obra Sociologia da Religião tornou-se um clássico na reflexão sobre a relação entre religião e sociedade, e mais de 70 livros de sua autoria influenciaram gerações de militantes cristãos e socialistas em mais de 50 anos de produção acadêmica. Sua militância junto aos movimentos altermundistas a partir dos anos 1980, a reflexão sobre o neoliberalismo e a crise global e ambiental da virada do milênio e a apreciação crítica das experiências dos governos progressistas eleitos na América Latina foram marcas de sua inserção nos debates teóricos mais relevantes da esquerda latino-americana e mundial. Houtart faleceu aos 92 anos, viajando, debatendo e produzindo, com vínculo junto ao Instituto de Altos Estudos Nacionais e a Universidade Central do Equador.

Dois dias depois, na sexta-feira 8, faleceu aos 84 anos em Manágua, Nicarágua, Miguel d’Escoto, um dos ícones da relação entre cristãos e socialistas no processo revolucionário nicaraguense e figura de expressão da Frente Sandinista de Libertação Nacional. Nascido nos Estados Unidos de família próxima à ditadura de Somoza, sua adesão ao sandinismo, nos anos 1970, juntamente com um grupo de sacerdotes católicos e a participação no governo revolucionário, o alçou como protagonista do debate entre Fé e Política dentro da Teologia da Libertação. Chanceler do governo sandinista por uma década, D’Escoto e outros colegas de sacerdócio e militância partidária – os irmãos Ernesto e Fernando Cardenal e Edgar Parrales – foram suspensos de ordens eclesiásticas no papado de João Paulo II em um episódio com desdobramentos na punição pelo Vaticano de teólogos da libertação na América Latina e na Europa. D’Escoto desenvolveu intensa atividade de relações internacionais pelo sandinismo, ao qual permaneceu fiel quando da dissidência aberta por vários de seus colegas sacerdotes na Frente Sandinista. Foi indicado presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2008, depois do retorno dos sandinistas ao governo da Nicarágua em 2007, onde atuou como assessor internacional do presidente Daniel Ortega. Em 2014, por decisão do Papa Francisco, d’Escoto teve a suspensão de seu ministério sacerdotal revogada.

Houtart e D’Escoto são figuras de proa na Teologia da Liberatação, que mantiveram vivos, por mais de trinta anos de forte repressão dos papados conservadores de João Paulo II e Bento XVI, seus fundamentos teóricos e práticos e o diálogo com os movimentos sociais, partidos e intelectuais não cristãos da esquerda latino-americana e mundial.

*Renato Simões é membro do diretório nacional do PT. Esteve com eles em vários encontros. Com o d’Escoto na Nicarágua, em São Paulo e Brasília. Com Houtart na Colômbia e na sua última vinda ao Brasil, para o Congresso do MST.

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