Colaborou com este texto Mariana Jorge

Desde que, a partir de políticas públicas criadas nos governos Lula e Dilma, nós, mulheres, LGBTs e juventude negra, passamos a ocupar alguns espaços, percebemos que nossa presença incomoda. A universidade está no centro dessa reflexão. Qualquer cotista saberá falar do vazio, do sentimento de deslocamento total, da completa sensação de não-pertencimento que o primeiro dia de aula na universidade nos traz. Nossa experiência não foi diferente. Adentrar num ambiente elitista como a Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia parecia um programa de auditório onde todas as provas são colocadas para nos eliminar.

De incomodadas a incomodantes, “noiz” segue resistindo na Universidade. Temos muita clareza sobre qual projeto de educação está colocado pelo governo golpista e qual carne será cortada junto ao orçamento. Assistência estudantil é a bola da vez, pois sem política pública não conseguimos continuar estudando. O pacote de maldades de Temer, seus aliados e dos seus adversários que pretendem derrubá-lo para viabilizar eleições indiretas ataca diretamente a vida dos e das estudantes pobres, negros e negras, que mais necessitam das políticas de permanência.

Passamos os últimos dois anos sendo tragadas e tragados pelas ofensivas aos direitos conquistados. Lutamos contra a redução da maioridade penal, contra o fim da pílula do dia seguinte, abraçamos a Dilma, organizamos grandes marchas em Brasília para resistir o golpe e denunciamos o seu caráter misógino, construímos a maior greve geral dos últimos anos para dizer que a aposentadoria fica e Temer sai, estamos vigilantes para barrar a reforma trabalhista. Mas, para além da resistência, também temos um projeto de país para disputar com a sociedade brasileira.

Foi assim que conquistamos a destinação de 10% do PIB e 100% dos royalites do Pré-Sal para a educação. Foi assim que conquistamos a Lei de Cotas, o ProUni, o Reuni e tensionamos o Estado brasileiro a abrir as portas do ensino superior para o povo. Metemos o pé na porta. O ingresso de trabalhadores e trabalhadoras na universidade é um acontecimento que ainda não pode ter seus impactos dimensionados com precisão no desenvolvimento do país, mas temos certeza que esta foi a política de reparação social mais consistente dos governos petistas.

Com a Lei de Cotas, o número de estudantes oriundos das escolas públicas subiu de 27% para 43% em cursos valorizados como Medicina, Arquitetura e Urbanismo, Direito, Comunicação, Odontologia e as Engenharias. Este é um dado de 2005, trabalhado no artigo Os Impactos das Cotas no Brasil, de Glaucia Pereira, o qual vale a pena folhear e está disponível para download na internet. Outra publicação fundamental para observar a experiência das cotas em diversos estados é o livro O impacto das cotas nas universidades brasileiras, organizado pelo professor Jocélio Teles dos Santos e publicado em 2013 Centro de Estudos Afro-Orientais – Ceao da Universidade Federal da Bahia.

Nossa presença não representa apenas uma mudança na composição social da universidade, mas também uma mudança qualitativa nos rumos da produção do conhecimento. A interiorização do ensino superior é outro fator fundamental na alteração da concepção de desenvolvimento regional em diversos estados brasileiros, sobretudo do Nordeste.

A criação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) colocaram o Brasil em outro patamar de relações internacionais e deram a estudantes uma oportunidade ímpar de reconfigurar sua identidade afro-latina, um sentimento de pertencimento e protagonismo na construção de um novo mundo acadêico.

O 55º Congresso da União Nacional dos Estudantes será um grandioso momento para que as experiências de resistência nas universidades de todo o país produzam uma plataforma contundente em defesa da educação e da democracia. Não há saída para o Brasil que não as Diretas Já.

Aos golpistas, deixamos um recado: “noiz” vai montar comitês de resistência em cada universidade desse pais! Cada centro acadêmico, cada DCE, cada coletivo será um núcleo de enfrentamento, de pressão pelas eleições diretas e defesa irrestrita da democracia!

`