Deterioração recente do resultado primário se deve à crise econômica
O estudo Resultado primário e contabilidade crativa: reconstruindo as estatísticas fiscais “acima da linha” do governo geral apresenta um panorama inédito das finanças públicas brasileiras. Para a esfera federal, o estudo mostra que, considerando os vinte anos analisados, as taxas reais de crescimento do gasto não se tornaram maiores no período recente, de modo que não se pode caracterizar o período recente como o mais expansionista pelo lado da despesa pública. A taxa de expansão das despesas é bastante elevada ao longo dos vinte anos, mas pouco varia nos subperíodos, com a rara exceção dos curtos episódios de ajuste fiscal, nos quais houve decréscimo real – 2003, 2015 e também 1999, dependendo da medição.
De autoria dos pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, o texto resulta de um meticuloso trabalho de reconstrução das estatísticas fiscais do governo central (1997-2016) para expurgar o efeito da receitas recorrentes (por exemplo, contabilidade criativa e pedaladas). Esse conjunto de ajustes introduz alterações significativas no indicador de resultado primário do governo central a partir de 2008, como mostra o gráfico abaixo, retirado da publicação.
Segundo os autores, a redução de longo prazo do resultado primário pode ser explicada pela expansão do gasto público, mas a deterioração recente está associada à crise econômica e a seus efeitos sobre a receita pública, que são mais pronunciados em recessões agudas, como a enfrentada pelo país em 2015 e 2016. A passagem de um período de consolidação fiscal para outro de expansionismo fiscal se deve principalmente à desaceleração nas taxas de crescimento das receitas, e não a uma aceleração do ritmo de aumento do gasto.
Em 2015, enquanto o PIB caiu 3,8%, a receita primária do governo federal caiu 6%, de tal sorte que a contração do gasto público (3,4% pelo deflator do Produto Interno Bruto – PIB ou 4,3% pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado – IPCA) não proporcionou nenhuma melhora do resultado fiscal, e pode inclusive ter contribuído para sua piora, por basear-se em cortes significativos nos investimentos públicos.
Os resultados do estudo são importantíssimos pois questionam a narrativa de que a deterioração recente do resultado primário tenha sido provocada por um aprofundamento do expansionismo fiscal via gastos. No máximo, segundo os autores, pode-se dizer que os subsídios ocuparam papel proeminente no expansionismo fiscal recente (especialmente a partir de 2010), ao lado das desonerações tributárias pelo lado das receitas, e que essee novo mix de política fiscal parece ter um impacto muito mais relevante sobre a conjuntura recente.