O homem não teria alcançado o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o impossível

(Max Weber)

Este paladino da utopia começou cedo a atar as filigranas entre a literatura de seus amores e a militância política. Foi movido pela ditadura Vargas que abordou, senão as leituras socialistas, ao menos o ativismo em movimentos de resistência, quando ainda estudante.

Depois, ao criar a legendária revista Clima com outros alunos da Faculdade de Filosofia da USP, definiria a vocação de crítico literário, no bojo das vocações do grupo de amigos mais próximos, todos de convicções socialistas: Paulo Emílio Salles Gomes no cinema, Decio de Almeida Prado no teatro, Lourival Gomes Machado nas artes visuais, Ruy Coelho na antropologia, Gilda de Moraes Rocha (futura esposa) na estética.

Sua militância no Partido Socialista seria cortada pelo golpe de 1964, que suscitaria nova radicalização, tornando imperativo opor-se. A Faculdade de Filosofia seria transformada em trincheira de resistência, e assim continuaria até seu bombardeio e incêndio no final de 1968. Nos anos sombrios que se seguiram, Antonio Candido colaboraria com periódicos de oposição, como Opinião, Movimento e Argumento. Entre outras coisas, seria membro da Comissão de Justiça e Paz, criada por D. Paulo Evaristo Arns, bem como co-fundador da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, ao lado de seus ex-alunos Severo Gomes e Fernando Milan.

Enquanto isso, prosseguia sua carreira de professor e de escritor. Teses e livros iam-se sucedendo, bem como intervenções, numerosas durante a ditadura. Quando a abertura se anunciou, frequentou as reuniões que encaminharam à criação do Partido dos Trabalhadores, do qual seria um dos fundadores, em 1980.

No partido, Antonio Candido desempenharia várias funções, sempre no âmbito da literatura e da cultura, das quais a presidência do Conselho Editorial da Editora Fundação Perseu Abramo não seria a menos importante. Integrou o diretório do partido no Jardim Paulista, participando das reuniões semanais durante muitos anos. Teve iniciativas relevantes, coordenou seminários (como aqueles sobre Florestan Fernandes e sobre Sérgio Buarque de Holanda), publicou livros resultantes desses seminários. A certa altura, deu-se conta de que o socialismo precisava ser discutido, para que o partido equilibrasse pragmatismo com reflexão teórica. Nasceu daí Socialismo em Discussão, uma série de conferências com especialistas seguidas de debates, sobre socialismo e indivíduo, socialismo e partido, socialismo e democracia, socialismo e economia etc. A série, posteriormente, seria transformada em uma coleção de livros.

Uma de suas obras, o tratado Formação da Literatura Brasileira, detectou na base do processo que lhe dá título o desejo dos brasileiros de ter uma literatura própria, independente da matriz europeia – e examinou como isso se construiu. Outro, o clássico Os Parceiros do Rio Bonito, dedicou-se ao estudo do modo de vida caipira, chegando até a propor a reforma agrária, tão cedo quanto 1954. Teresina etc.trata de militantes socialistas de vário matiz, na fase áurea da luta operária que se inaugurava em nosso país. Essas são três das vertentes centrais de seus interesses, que outros trabalhos aprofundariam.

Entre outros, escreveu um pequeno ensaio para orientação dos militantes, intitulado “O direito à literatura”, que acabou ganhando vida independente e saindo do livro para atingir maior audiência. Ali, Antonio Candido sustenta que esse é um direito do cidadão, a mesmo título que os vários outros mais visíveis, já sancionados pela Declaração dos Direitos do Homem e pela tradição. Sua generosa concepção de utopia podia alcançar assim tão longe.

*Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH da USP e integra o Conselho de Redação de Teoria e Debate

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