A atualidade do pensamento feminista na Rússia soviética
O livro organizado por Graziela Schneider, “A Revolução das Mulheres: emancipação feminina na Rússia Soviética”, da Boitempo Editorial, mostra textos redigidos por mulheres que viveram antes e durante a implementação do socialismo russo. Tem, como premissa central, dar poder à voz feminina, expondo quais as questões que estavam em voga em relação aos direitos das mulheres à época.
As autoras são de várias vertentes e escreveram em anos diferentes, entretanto, possuem uma coisa em comum: a paixão em buscar e discutir os direitos das mulheres do proletariado. Nomes como Anna Andréievna Kalmánovitch, Aleksandra Kollontai, Maria Pokróvskaia e Nadiéjda Krúpskaia figuram entre os textos escolhidos. As discussões que mais chamam atenção são aquelas que ainda são pertinentes à luta feminista atualmente, sendo elas: a liberalização do aborto, a criminalização da prostituição e emancipação das mulheres do trabalho doméstico e a concepção do feminismo como luta de classes. Tais temas são calcados em algumas concepções entendíveis à época como, por exemplo, a visão de que o papel seminal da mulher é ser mãe. Porém, não deixam de discorrer sobre pontos que ainda estão em disputa.
Em relação à legalização do aborto o nome que mais chama a atenção é o de Krúpskaia, conhecida por ter sido a companheira de Lenin. Em seu artigo “Guerra e Maternidade”, ela discorre sobre como o aborto deve ser entendido no âmbito social, já que este procedimento ocorre sendo ou não legal. As mulheres ricas poderiam abortar com médicos, enquanto as pobres recorriam a métodos baratos e nocivos à saúde – o que acontece ainda hoje. Ademais, é interessante notarmos que há quase cem anos atrás a autora já discute a questão de contraceptivos e como esses poderiam fazer mal para a mulher.
O tema da prostituição aparece com mais afinco no texto de Pokróvskaia intitulado “Como as Mulheres Devem Lutar Contra a Prostituição”. Neste, a autora demonstra como o domínio do sexo masculino sobre o feminino traz desigualdades não só sexuais, mas, também, no que tange aos direitos e na situação econômica: “as prostitutas são vivo reflexo da falta de direitos das mulheres”. Para o fim da prostituição, seria necessário leis que protegessem as mulheres em todos quesitos, junto com medidas como, por exemplo, o combate à pornografia.
A emancipação da mulher dos afazeres domésticos e a ideia do feminismo pautado na luta de classes são fatores que perpassam todo o livro e que estão presentes na maioria dos textos. Para muitas das autoras, as mulheres deveriam possuir mais possibilidades de trabalho e, consequentemente, na educação, além de argumentarem que os homens também poderiam ajudar nos trabalhos domésticos. Avançamos consideravelmente em emancipação, se compararmos com cem anos atrás, mas não o suficiente. Ainda persiste o pensamento de que o trabalho doméstico é coisa de mulher. Por seu turno, o feminismo como luta de classes foi se perdendo, sobretudo, após o avanço do neoliberalismo. Junto à concepção neoliberal vem o individualismo e este foi a base de uma grande parte dos movimentos sociais.
Por fim, Graziela faz um belíssimo trabalho em resgatar os escritos das mulheres russas, mostrando como elas reagiram frente à desigualdade de gênero e como muitos de seus argumentos se encaixam na luta feminista ainda hoje (infelizmente). Não devemos nos esquecer que “libertaram-se apenas aqueles que, ao se revoltar, escreveram as próprias leis”.