Viva Antonio Candido!
Com profunda tristeza, a Fundação Perseu Abramo recebeu hoje a notícia da morte de um dos mais importantes intelectuais brasileiros, o crítico literário, ensaísta e sociólogo Antonio Candido. Ele nos deixou nesta madrugada, aos 98 anos, em São Paulo.
Nascido no Rio de Janeiro, fundador do Partido dos Trabalhadores e pensador político respeitado, era um homem de esquerda, socialista, sensível e comprometido com a luta democrática e popular. Era admirado também por sua leveza e simpatia, marcantes em sua forma de se relacionar com o mundo. Ao longo de toda a vida, combateu o bom combate e deixou um legado dos mais inspiradores para quem sonha com a justiça social.
Candido compôs o Conselho Editorial da Fundação Perseu Abramo (FPA) de 1996 a 2002, nos primeiros anos da instituição, era um entusiasta dos livros e, no PT, foi colaborador assíduo dos coletivos de Cultura. Na FPA, propôs e coordenou a coleção Clássicos do Pensamento Radical, onde publicou Mark Twain, Jack London, John Stuart Mill e William Morris – que em breve terá também Victor Hugo.
Em homenagem aos seus 80 anos, amigos, professores e pesquisadores se reuniram em um rico seminário promovido pela FPA e institutos da Universidade de São Paulo e transformado em livro, lançado em 1999 Antonio Candido – Pensamento e Militância, org. Flávio Aguiar, que em breve será reeditado.
Em uma avaliação precisa e atualíssima, ele assim definiu o papel da Fundação Perseu Abramo, no 15º aniversário instituição, em 2011:
“Como socialista, entendo que a militância política é inseparável da constante aferição ideológica. É o que a Fundação tem contribuído para assegurar ao Partido dos Trabalhadores. O pragmatismo puro e simples, que o ronda com frequência, pode acabar desviando o rumo das melhores intenções se não houver a aferição, expressa por meio de instrumentos como o livro, o periódico, o opúsculo, a internet, os cursos e eventos de vários tipos. Ao contrário dos regimes que procuram anular a reflexão e a crítica, a democracia, sobretudo de tendência socialista, que deve ser o nosso alvo, se alimenta e se aperfeiçoa por meio da análise, do debate, da troca e da comparação das ideias, desde as modalidades mais simples até as mais complexas. A Fundação tem exercido de maneira a meu ver exemplar essas atividades, contribuindo para que o Partido dos Trabalhadores possa ser um agrupamento político capaz de pensar para agir e de agir no rumo da verdadeira justiça social, com lucidez bem fundamentada e vigilância em relação às armadilhas do caminho”.
Veja o que disseram algumas personalidades sobre a morte de Antonio Candido:
Dilma Vana Rousseff, ex-presidenta da República e presidenta do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo
É importante falar de Antonio Candido e mencionar seu estratégico papel na formação intelectual de milhões de brasileiros, como crítico literário, professor e homem de forte e justas convicções, que esteve permanentemente posicionado na defesa da democracia e comprometido com a luta em favor do povo brasileiro. Estamos imensamente pesarosos todos nós que, há décadas, militamos pela redução das desigualdades e pela busca por uma sociedade mais justa. Este é um dia de perda, particularmente triste, porque atravessamos um período duro e de permanente ameaça à democracia e perdemos um homem que nos fará imensa falta. Serei eternamente grata a Antonio Candido por ter se colocado contrário ao processo de impeachment sem crime de responsabilidade. Manifesto os meus mais profundos sentimentos de respeito e gratidão às filhas, aos familiares, parentes e amigos desse grande brasileiro, um dos maiores pilares culturais do Brasil. Hoje é um dia de luto!
Rui Falcão, presidente nacional do PT
Faleceu ontem um dos maiores intelectuais de nosso país e fundador do Partido dos Trabalhadores, professor Antônio Cândido de Mello e Souza, aos 98 anos. Autor de algumas das obras mais relevantes sobre a cultura nacional, como “Formação da Literatura Brasileira”, sempre esteve ao lado das grandes causas humanistas e libertárias de nosso povo. Pensador solidário e generoso, sempre mesclou sua atividade acadêmica com a construção orgânica das classes trabalhadoras como vanguarda da democracia e da luta pelo socialismo. Presidiu o Conselho Curador da Fundação Wilson Pinheiro, primeira instituição de formação e pesquisa criada por nosso partido, tendo também participação destacada e permanente na Fundação Perseu Abramo.Consagrado pelo Prêmio Camões, entre outras condecorações internacionais, o companheiro Antônio Cândido manteve-se ativo e combativo até o final de sua longa trajetória.Deixa-nos um legado de sabedoria, esperança e compromisso com uma sociedade mais justa. O Partido dos Trabalhadores chora sua morte, celebrando a biografia de um de seus militantes mais antigos e honrados.
Marcio Pochmann, professor da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo
A morte leva o corpo de um dos maiores brasileiros do século XX, mas sua trajetória, suas ideias e o compromisso engajado de um intelectual como Antonio Candido serão mantidos por muito tempo iluminando o caminho dos brasileiros que sonham com um país mais justo e democrático.
Marilena Chaui, filósofa e professora da Universidade de São Paulo
Pensador e escritor de primeira grandeza, homem de retidão moral e coragem política, socialista convicto, professor inigualável e amigo generoso, sereno nas horas mais duras e amparo seguro dos perseguidos, Antônio Cândido concretizou em sua pessoa e com sua vida o ideal definido por ele do intelectual como aquele que se ergue contra o senso comum estabelecido, a desigualdade, a injustiça e a ausência de liberdade. Com sua morte, perdem as humanidades, perdem as esquerdas, perde o PT, perde o Brasil, perdemos todos.
Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo
Tive a felicidade de frequentar a casa de Antonio Candido mais recentemente e ele nos deixou muito lúcido, com uma memória incrível, com humor e entusiasmo pela vida extraordinários e engajado politicamente, com muita esperança na política.
Marco Aurélio Garcia, ex-assessor da presidência da República, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo
Ainda chocado com a perda de Antonio Candido. Sua morte, neste momento difícil que vive o país, deixa-nos mais tristes e perplexos. Por décadas, Antonio Candido ajudou-nos a pensar o Brasil, como o fizeram Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes, Raymundo Faoro e Celso Furtado. Fez de sua enorme erudição e da limpidez de suas palavras e de seu texto um instrumento poderoso de esclarecimento. Sua lucidez e a firmeza de suas convicções políticas deram às esquerdas brasileiras uma contribuição ética e moral extraordinária. Compartilhamos com seus familiares e amigos o sentimento dessa perda.
Flavio Aguiar, jornalista
Antonio Candido nos iluminou com seu imenso afeto pela inteligência, pelo amor ao Brasil e à América Latina como um todo, com seu espírito crítico, lúcido, lucidez que manteve até a morte, sem concessões para com esta cretinice direitista e idiota que hoje toma conta do Brasil. Foi e é o maior e melhor crítico literário do Brasil e dos maiores da América Latina e do mundo. Tive a honra de privar da sua amizade durante muitos anos. Posso testemunhar que sua inspiração socialista nunca esmoreceu.
Ricardo Azevedo, ex-presidente da Fundação Perseu Abramo
Antonio Candido foi um grande amigo e colaborador da Fundação Perseu Abramo e, entre outras coisas, devemos a ele a proposta de criação de várias coleções de livros extremamente importantes, como foi o caso da Coleção Pensamento Radical, cujo primeiro volume foi coordenado por Sergio Buarque de Holanda. Além disso, ele jogou papel fundamental como membro da comissão que organizou o ciclo de seminários Socialismo e Democracia, juntamente com Paul Singer, Francisco de Oliveira, Paulo Vanucchi, Joaquim Soriano e Ricardo de Azevedo. Esses seminários foram realizados por dois anos na sede do PT e seus resultados foram publicados em livros da Fundação.
Poucas personalidades da vida intelectual e política da História do Brasil se enquadram tão plenamente na condição de mestre, como o professor Antonio Candido. Poucos, entre nós, exerceram como ele a tarefa do intelectual na sociedade contemporânea: o exercício permanente da lucidez crítica à sociedade e à cultura tendo como lastro o compromisso com a produção e a reflexão sobre as alternativas a uma organização social desumana e desigual como é a sociedade brasileira. Antonio Candido não se afastou da convicção de que a chaga da desigualdade social é a marca mais profunda impressa na História do Brasil. Derivam daí suas posições corajosas de crítica ao capitalismo: “Não existe capitalismo de face humana” e em defesa do socialismo, com a serena limpidez de sua palavra e de sua produção intelectual. Ao nosso lado ele sempre nos lembrou, ao longo da vida, não há revolução social sem a necessária revolução cultural que lhe corresponda.
Quanta saudade! Quanta gratidão!