O desenvolvimento entre a espada e a cruz
Ao ler os editoriais dos grandes jornais e os analistas econômicos dos grandes bancos, fica claro que eles ligam as reformas trabalhista e da Previdência ao crescimento econômico. Não raro o fazem até mesmo com um tom de chantagem, como em recente entrevista para o Estadão, em que um empresário afirma: “só vamos investir se as reformas saírem” (09/05/2017).
Ora, o que têm a ver as reformas com o investimento ou o crescimento econômico?
Primeiramente, não está comprovado que a reforma trabalhista gere crescimento econômico, como mostra artigo dos pesquisadores Dragos Adascalitei e Clemente Pignatti Morano, publicado no IZA Journal of Labor Policy: medidas de desregulamentação do mercado de trabalho podem agravar a crise no curto prazo quando aprovadas em momento de decrescimento. Em segundo lugar, ao tratar da reforma da Previdência, o governo faz projeções para 2060: como se pode prever como estará o Brasil em 43 anos? Em que a reforma da Previdência afeta diretamente e concretamente o investimento dos empresários hoje?
Na verdade, a pressão pela adoção de reformas que não afetam o nosso crescimento econômico no curto prazo nada tem a ver com a preocupação altruísta com o crescimento em si, mas com forçar o Brasil a adotar um projeto de desenvolvimento – se é que se pode chamar assim! – concentrador e excludente. Excludente por afastar os trabalhadores de sua aposentadoria, por exemplo. Concentrador por retirar direitos do trabalhador e privilegiar as altas camadas da sociedade, por exemplo. Pouco se escuta, nos grandes jornais e dos analistas econômicos dos grandes bancos, sobre os impactos das reformas na pobreza, na desigualdade regional, de gênero ou racial. Na verdade, para alguns, aumentar a desigualdade não é algo necessariamente ruim: entre economistas, é relativamente comum ler que a desigualdade é um excelente incentivo para que as pessoas se esforcem para melhorar de vida.
É esse projeto, concentrador e excludente, que se encontra nos documentos Ponte para o futuro e Travessia Social, lançados pelo PMDB em 2015 como espécie de programa de governo sem que estivéssemos em período de eleição – mas que faz todo sentido se o avaliamos como uma proposta para ganhar adeptos ao impeachment da presidenta Dilma. A pressão a Temer é constante pela aplicação deste projeto concentrador e excludente – pela adoção das reformas – pois o projeto é maior que Temer. Dilma caiu, conforme afirmou o próprio Temer em entrevista em Nova York, por não ter aceito o “Ponte para o Futuro”.
Não raro, sob a batuta de Temer o desemprego continua a aumentar, se propõe legalizar no campo o que é hoje considerado trabalho escravo, vivemos uma onda de violência contra indígenas e trabalhadores rurais, aprendemos que governos “precisam de maridos”… Guiados por um projeto conservador no governo federal, é legitimada uma onda de conservadorismo (por vezes criminoso) em diversos níveis. O projeto é colocar tudo e todos “nos seus devidos lugares”.
Numa perspectiva mais ampla, o Estado de Bem Estar Social previsto na Constituição de 1988 foi brutalmente atacado durante os anos 1990, conseguiu de alguma forma principiar uma construção nos anos 2000, mas nos últimos anos tem sofrido uma ameaça de desmonte: em alguns casos, esse desmonte já se concretizou. Com o governo Temer e as chantagens para empurrar por goela abaixo dos brasileiros as reformas (com rapidez e sem discussão com a sociedade), fica claro que o panorama, caso continuemos na mesma toada, é sombrio.
Sem reforma, não há investimento, dizem os jornais. Mas com reforma, há mais desigualdade, dizem os especialistas. Entre a espada e a cruz?
A menos que o povo decida que, sim, é hora de tomar as ruas.