Ano 4 – nº 62 – 27 de março de 2017

Os impactos da “Carne Fraca” na negociação com a União Europeia

No dia 17 de março, veio a público a Operação Carne Fraca realizada pela Polícia Federal, que revelou esquema de pagamento de propina a fiscais do Ministério da Agricultura para que eles fizessem vista grossa às irregularidades em diversos tipos de carnes dos frigoríficos brasileiros, não apenas as destinadas ao mercado doméstico, mas também as destinadas à exportação. Grandes exportadoras como a JBS, BRF, entre outras, estão envolvidas, colocando em risco a venda de carnes de frango, de boi e suínas para outros países – justamente quando a abertura ao comércio exterior retomou seu posto central no discurso da economia e da política externa.

China, Coreia do Sul, Chile e União Europeia (UE), entre outros, barraram as importações de carne brasileira temporariamente e afirmaram que vão aumentar a fiscalização sobre este produto. Os embarques diários de carne para o exterior que representavam milhões de reais caíram para o valor de alguns milhares apenas. A JBS já ameaçou que deverá dar início à demissão de trabalhadores. O setor inteiro emprega em torno de seis milhões em todo o país. Esta operação da Polícia Federal não prejudicou apenas as exportações dos frigoríficos colocados como suspeitos de vender e exportar produtos adulterados ou de má qualidade, como também as atividades de outras empresas do setor, e pode ter jogado uma pá de cal sobre as negociações entre o Mercosul e a União Europeia que os golpistas brasileiros tentavam vender como um grande feito na política externa. Desde 1995 há a tentativa de se firmar um acordo comercial entre os dois blocos e nunca se logrou um resultado, basicamente, porque a UE preserva sua política protecionista em relação à negociação de bens agrícolas, enquanto para os membros do Mercosul a possibilidade de algum ganho estaria, sobretudo, no aumento das exportações das mercadorias vinculadas a este setor.

As conversas retomadas em 2016 marcham a passos lentos. Uma das principais propostas do ex-ministro das relações exteriores, José Serra, era dar mais vigor às negociações – já que seu projeto de política externa (o qual deve ter continuidade com Aloysio Nunes) priorizava as relações com os países centrais, particularmente, os EUA e a UE. Porém, o timing não ajuda. Como normalmente ocorre em momentos de crise e recessão, crescem as posições protecionistas e nacionalistas, como ocorre agora nestas regiões. Além disso, o governo francês por exemplo, está sendo pressionado por seu setor agropecuário (o qual abarca, justamente, a produção local de carnes) para barrar o acordo. O governo deverá, pelo menos, dificultá-las, pois haverá eleições em maio e há uma forte concorrente da extrema direita, Marine Le Pen. Além de a conjuntura não se mostrar promissora, a Operação Carne Fraca foi deflagrada em um momento sensível. Os negociadores do Mercosul e UE se encontraram no dia 20, ou seja, três dias depois do escândalo. Com os desdobramentos das investigações, como a suspensão das exportações de carne, ficou inviável a continuidade de qualquer discussão, pois como os negociadores brasileiros poderiam reivindicar maiores quotas para um produto sob suspeita? Além disso, os próprios deputados europeus pressionaram a Comissão Europeia para frear as negociações e, ao mesmo tempo, a UE decidiu priorizar as negociações de um acordo comercial com o Japão e adiou um possível tratado com o bloco sul-americano para 2018. Parece que, mais uma vez, os ventos não são favoráveis para a política submissa diante dos países centrais. Talvez os livre cambistas brasileiros e do Mercosul aprendam que não basta a boa vontade de negociar para alcançar um bom acordo.

* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade de sua autora, não representando necessariamente a visão da FPA ou de seus dirigentes.
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