Ano 2 – nº 12 – Março 2017

MUDANÇAS NO MINISTÉRIO

No dia 23 de fevereiro, um fato inesperado ganhou destaque no noticiário político: o então ministro das Relações Exteriores, o senador José Serra (PSDB-SP), pediu demissão. Segundo as informações oficiais, Serra teria deixado o cargo por problemas de saúde. No mês de dezembro, ele já havia se submetido a uma cirurgia para reparar problemas em sua coluna vertebral, e o tratamento exigiria tamanha dedicação que seria inconciliável com a agenda do Ministério. Serra foi citado em delações premiadas e pode ser atingido pela delação da empreiteira Odebrecht.

O novo ministro das Relações Exteriores nomeado por Temer foi Aloysio Nunes, também senador de São Paulo pelo PSDB. Segundo o ex-diretor da Odebrecht, Carlos Armando Paschoal, Nunes teria recebido R$ 500 mil por meio de caixa dois na campanha de 2010. A nomeação demonstra o caráter fisiológico do governo golpista, ao passo que lança novamente um político tucano com a única intenção de garantir o apoio do PSDB no Legislativo. Assim, o PSDB troca seus votos na Câmara e no Senado pela chance de ter a política externa em suas mãos, mantendo a reversão das conquistas do Brasil no cenário internacional durante os governos petistas. Em seu lugar, um possível retorno à posição de mero coadjuvante subserviente às vontades dos Estados Unidos e da Europa, que foi a marca da diplomacia dos governos tucanos na década de 1990. Nunes foi líder do PSDB no Senado, além de ter sido figura presente nos jantares entre peemedebistas e tucanos em 2015 e 2016, nos quais a parceria para dar o golpe de Estado e “estancar a sangria” foi fechada.

Outra novidade na Esplanada foi a nomeação do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) para o Ministério da Justiça. Serraglio substituiu Alexandre de Moraes, após o ex-ministro ter sido nomeado para o Supremo Tribunal Federal (STF). O novo ministro assumiu após a gestão desastrosa de Moraes, marcada pela crise nos presídios e nos estados.

Ligado à bancada ruralista, Serraglio há anos pressiona a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo para rever a demarcação de terras indígenas. Ao abordar o tema, em uma de suas primeiras entrevistas como ministro, afirmou que “terra não enche barriga”. O ex-deputado também é ligado a Eduardo Cunha, tendo inclusive pedido anistia para ele sob a alegação de que sem a atuação de Cunha o impeachment da presidenta Dilma não teria sido possível. Em sua atuação parlamentar, votou a favor da redução da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos. O ministro afirmou em outra entrevista que é possível reconhecer um criminoso pela aparência. A nomeação demonstra o compromisso do governo golpista com o que há de mais conservador no país e na política.

Delações e TSE – O campo de batalha que definirá o futuro de Temer

Nas próximas semanas, o conteúdo das delações realizadas por cerca de setenta executivos da Odebrecht deve pautar o noticiário político. A quebra do sigilo depende do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que deve entregar uma “lista” de citados, com os respectivos pedidos de abertura de inquérito ao STF.
As delações foram homologadas em janeiro deste ano pela presidenta do Supremo, Carmem Lúcia, e estão sob responsabilidade do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, responsável por retirar o sigilo após solicitação de Janot.

Os conteúdos só cumprirão seu potencial explosivo, porém, se veiculados sem a seletividade vista até agora na grande imprensa e no próprio Judiciário. Até o momento, o conluio formado entre mídia, políticos golpistas e Judiciário utilizou vazamentos de delações seletivas contra o Partido dos Trabalhadores para desestabilizar o governo legítimo da presidenta Dilma Rousseff e tentar destruir a imagem do presidente Lula e do PT. Os conteúdos desfavoráveis ao PMDB e PSDB foram, até agora, colocados em segundo plano, ignorados durante as delações e até arquivados, possibilitando que ambos atuassem livremente e promovessem um golpe de Estado.

Os principais exemplos de tal proteção no Judiciário são o juiz Sergio Moro e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. Ao passo que as investigações inevitavelmente apontam os desvios e propinas envolvendo os partidos líderes do golpe, Mendes passou a dar declarações que relativizam os crimes delatados que envolvem tucanos e peemedebistas, demonstrando que sua atuação depende das conjunturas vividas pelos seus aliados políticos. O senador tucano Aécio Neves, por exemplo, teve seu nome tarjado a pedido de um ministro do TSE em um depoimento que afirma que teria recebido pedido de doação de R$ 9 milhões via caixa dois na campanha de 2014, quando foi derrotado por Dilma.

A exposição dos principais caciques do governo golpista, principalmente do presidente usurpador, poderia causar um enfraquecimento latente e fatal no núcleo político do golpe. A acusação do executivo Claudio Melo, da Odebrecht, de que Temer teria pedido R$ 10 milhões em doações para Marcelo Odebrecht, poderia dar força à ação que a chapa Dilma-Temer, vencedora em 2014, sofre no TSE, movida pelo PSDB.

Porém, no Estado de exceção que estamos vivendo, é possível que apenas o PT seja atingido, repetindo o padrão seletivo dos últimos anos, que possibilitou um golpe de Estado. Isso fez com que apenas delações seletivas guiadas por um juiz parcial fossem divulgadas, enquanto nomes de tucanos são tarjados e ocultados para poupá-los. Não obstante, o maior presidente da história foi impedido por Gilmar Mendes de ser ministro da Casa Civil. Pouco depois, o ministro Moreira Franco teve sua posse liberada pelo mesmo STF, apesar de todas as delações que mostraram valores de propina recebidos por ele. Torna-se provável, portanto, que a tese absurda defendida pelos golpistas, de que a ação no TSE deva julgar separadamente a presidenta e o vice, seja efetivada para poupar o PMDB e Temer, impedindo que novas eleições indiretas sejam convocadas. No entanto, caso isso ocorra, Gilmar Mendes já garantiu: Temer poderia ser eleito pelo Congresso Nacional, mesmo tendo sido cassado.

A Reforma da Previdência

O governo aumenta a ofensiva para aprovar a Reforma da Previdência. Temer colocou ministros da equipe econômica à disposição para esclarecer os pontos mais controversos da proposta e pediu aos líderes da base aliada que evitem mudanças no texto. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), acreditam que é possível votar a Reforma no Congresso até o início de julho.

A tramitação está mais difícil do que o governo previa. Encontra as primeiras barreiras nas disputas internas no PMDB. Um setor do partido teme o crescimento do PSDB no governo e vê com desconfiança suposta aproximação entre Michel Temer e Aécio Neves, do PSDB, influenciando nas nomeações dos ministros Osmar Serraglio (Justiça), Antonio Imbassahy (Secretaria do Governo), Alexandre de Moraes (como ministro do STF) e Aloysio Nunes (Itamaraty).

Esse setor também sugere chantagem do ex-deputado Eduardo Cunha sobre Temer e critica a nomeação de Serraglio para o ministério. Preocupa-se também com André Moura (PSC-SE) como líder do governo no Congresso e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) como líder do governo na Câmara, todos aliados de Cunha. Esse setor, liderado por Renan Calheiros, reivindica maior peso do PMDB do Senado nas decisões do governo e critica a reforma.

Além disso, grandes partidos da base aliada propõem alterações à Reforma da Previdência apresentada pelo governo. O PSB ameaça fechar questão contra a proposta se não for votada a continuidade das regras para aposentadoria de trabalhadores rurais e a diminuição do tempo de contribuição para aposentadoria integral.
O PSDB, além de mudanças na regra de transição e da aposentadoria rural, pede alteração na idade mínima para concessão do Benefício da Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/Loas) a idosos e pessoas com deficiência. O DEM propõe idade mínima de 65 anos para quem nasceu depois de 1993. O Solidariedade, partido que agrega a Força Sindical, reconhece que a reforma é prejudicial aos trabalhadores e propõe redução da idade mínima para sessenta anos para homens e 58 anos para mulheres e regra de transição com pedágio 30% menor do que o governo propõe, além de que o benefício seja calculado partindo de 60% da média da remuneração acrescido de 1% por ano de contribuição.

Na oposição, um grupo de 28 deputados e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNMT) entraram com mandado de segurança contra a PEC da Reforma da Previdência no Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que o governo não apresentou estudos sobre o déficit nas contas da Previdência e que a elaboração da PEC ocorreu à revelia do Conselho Nacional de Previdência Social, órgão colegiado, com representantes dos trabalhadores e do governo, que tem por finalidade discutir interesses previdenciários dos trabalhadores.

O déficit na Previdência apresentado pelo governo não prevê revisão da dívida de mais de quatrocentas empresas que não repassaram a contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O valor dessa dívida supera R$ 400 bilhões (mais de três vezes o déficit da Previdência em 2016, segundo cálculo da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e se concentra em poucas empresas, entre elas o Bradesco, Caixa Econômica Federal, Vale, JBS, além de companhias que faliram. A reforma do governo penaliza o trabalhador, enquanto deveria cobrar quem deve para não onerar quem paga. O não repasse ao INSS, a morosidade da Justiça, a legislação tributária e programas de parcelamento de dívidas das empresas ao governo é o que gera o chamado déficit Previdência.

O relator da comissão especial da Reforma da Previdência, Arthur Maia (PPS-BA), afirmou que o projeto do governo, da forma que está, não passa. Particularmente a regra de transição e as concessões especiais deverão ser alteradas. O ministro da Fazenda Henrique Meirelles tem se reunido com deputados da base aliada do governo para tentar aprovar a proposta sem mudanças. Diz que o governo não é inflexível, mas alterações podem tornar a reforma “inócua”. Ele alega que a Previdência é o principal foco de gastos do governo e que, sem a reforma, é impossível manter as contas públicas.

A Reforma da Previdência tem sido mais rejeitada que a PEC do teto de gastos, aprovada no final do ano, cujos impactos mais abstratos e menos imediatos não foram ainda assimilados. Essa, ao contrário, tem impactos imediatos e prejudica principalmente os trabalhadores e trabalhadoras rurais, as mulheres e os que começam a trabalhar mais cedo.

Manifestações ocorridas e previstas contra Temer e as reformas

No dia 15 de março, as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, centrais sindicais, sindicatos e grupos que foram às ruas contra o impeachment da presidenta Dilma convocaram manifestações em todo o Brasil, contra as reformas da Previdência e a Trabalhista, pedindo “Fora Temer” e Eleições Diretas Já. A corrupção e a indicação de Alexandre de Moraes para o STF, como tentativas de barrar a Lava Jato, também integram esse protesto.

No dia 26 de março, o Movimento Brasil Livre (MBL), o Vem Pra Rua e grupos que pediram o impeachment de Dilma estão chamando um protesto contra as tentativas de barrar a Lava Jato e contra o fim da PM. Os organizadores defendem o fim do Estatuto do Desarmamento, do Foro Privilegiado, além da Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência.

No último dia 8/3, manifestações pelo Dia Internacional da Mulher levaram milhares de mulheres às ruas de todo o Brasil e foram marcadas por críticas à Reforma da Previdência e trabalhista, contra Temer e pedindo eleições diretas, além das tradicionais pautas feministas de legalização do aborto, fim do feminicídio, cultura do estupro e violência contra as mulheres, fim da desigualdade salarial no mercado de trabalho e divisão igualitária do trabalho doméstico. O discurso de Temer na data, de teor machista, ressaltou atividades domésticas da mulher e foi criticado por todos os setores.

Na mesma data, o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) fechou acordo com o Ministério das Cidades pela retomada das contratações de moradias populares do Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades, para a faixa de renda mais baixa, suspensas desde que Michel Temer assumiu o poder. A vitória encerrou a ocupação do MTST em frente ao escritório da Presidência da República, em São Paulo, desde 15 de fevereiro.

Salvar

Salvar

Salvar

`