TRÊS MITOS SOBRE A CORRUPÇÃO E A PETROBRAS
Nos últimos anos, a Petrobras esteve no centro do projeto industrial e social-desenvolvimentista. A petrolífera estatal brasileira teve papel decisivo no crescimento econômico do país e na recuperação da crise iniciada em 2008. Seu plano de investimentos foi decisivo para os projetos do PAC, sua política de conteúdo tecnológico local foi fundamental para a reativação da indústria naval e de engenharia pesada, sua política de pesquisa e desenvolvimento foi essencial para a descoberta do pré-sal, e este, por seu turno, permitiu a criação de um fundo social para a educação e a saúde.
Prova disso é que o investimento da Petrobras saltou de US$ 9 bilhões, em 2004, para quase US$ 55 bilhões, em 2013; os efeitos multiplicadores significaram a geração de 50 mil empregos na indústria naval e milhares de postos de trabalho na indústria metalmecânica(1).
No entanto, o atual governo tem se valido dos desdobramentos da Operação Lava Jato para fazer a opinião pública crer que o combate à corrupção deve ser feito por meio do desinvestimento e da descapitalização da Petrobras, e não do saneamento e aperfeiçoamento dos instrumentos de governança da empresa estatal.
Por trás dos argumentos de combate à corrupção, escondem-se interesses que atentam contra a soberania nacional e em favor de ganhos exorbitantes para o capital privado internacional e de ganhos de curto prazo para alguns setores privados nacionais.
Para desmistificar a relação indevida estabelecida entre a corrupção e a Petrobras, é preciso desmontar pelo menos três ideias que vêm se consolidando na opinião pública: a de que a corrupção seja um problema endêmico apenas da Petrobras; de que um Estado menor signifique menos corrupção; de que investimentos menores impliquem menos corrupção.
Mito 1 – A corrupção como problema endêmico da Petrobras
Ao contrário do que postula o setor mais liberal-conservador no interior da direção da Petrobras, a corrupção não pode ser tratada como um problema peculiar do Brasil e tampouco como um problema singular da empresa.
Em 2014, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou seu último estudo sobre corrupção, fraude e propina no meio empresarial(2). O relatório chama a atenção para o fato de que o setor de mineração e extração é aquele com o maior número de casos de corrupção envolvendo grandes empresas, com 19% (conforme a tabela abaixo).
A explicação para tal constatação, segundo a própria OCDE, é que esse setor justamente é o que mobiliza, comparativamente, o maior volume de investimentos e o maior número de contratos envolvendo valores vultosos. Sendo assim, a corrupção deve ser encarada menos como uma peculiaridade nacional ou como um problema endêmico de uma única empresa e mais como um problema sistêmico do setor. Para enfrentá-lo, é necessário implementar medidas coordenadas de governança em âmbito nacional e internacional.
Mito 2 – O Estado mínimo como forma de combate à corrupção
A segunda ideia equivocada que tem permeado a opinião pública no Brasil é a de que a corrupção seja resultado de um Estado grande, ineficiente e antimercado. Há pelos menos dois indicadores fundamentais para a mensuração da corrupção e da percepção sobre ela, o primeiro organizado pelo Fórum Econômico Mundial (FEM)(3) e o segundo pela Transparência Internacional (TI)(4).
Nos dados divulgados pelas duas instituições no início de 2017, o Brasil aparece, respectivamente, na posição 135 (FEM) e na posição 79 (TI). O que chama a atenção, no entanto, é que se considerarmos os 24 países sedes das principais indústrias petrolíferas, notaremos uma relação inversamente proporcional entre o nível de investimento e endividamento e o grau de presença ou percepção da corrupção.
Em outras palavras, os países considerados menos corruptos, como Noruega, Canadá, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos, são justamente aqueles que dispõem de um maior nível de dívida pública sobre o PIB(5).
Tratam-se de Estados robustos e não de Estados mínimos.
A propósito, todos esses países dispõem de grandes empresas petrolíferas, tais como: Statoil, Suncor, Shell, BP, BG, Group, Exxon Mobil, Chevron, entre outras.
Mais ainda, os países considerados menos corruptos também dispõem de significativo nível de investimentos, contando com taxas mais elevadas de formação bruta do capital fixo. Ao passo que os países considerados mais corruptos são aqueles que dispõem de menores níveis de endividamento público e investimento, como é o caso da Arábia da Saudita, da Aramco, da Argélia, da Sonatrach, do México, da Petróleos Mexicanos, ou da Venezuela, da PDVSA.
Ou seja, quanto mais fortalecido é o Estado e quanto mais intenso é o investimento menor é o nível de corrupção.
Mito 3 – A redução de investimento como forma de prevenção à corrupção
No plano de negócios(6) para os próximos cinco anos anunciado em 2016 pelo presidente da Petrobras, merecem destaque as metas de redução de 25% nos investimentos, que devem ser cortados de US$ 98,8 bilhões para US$ 74,1 bilhões; a redução dos ativos da empresa, que deve sair integralmente de setores como os de gás liquefeito (GLP), biocombustíveis, petroquímicos e fertilizantes; a realização de estudos para a venda da Liquigás e da BR Distribuidora; a venda dos 47% de capital votante que a petroleira mantém na Braskem; e a implementação de uma nova política mantendo os preços de derivados do petróleo em paridade com o mercado internacional.
A justificativa oficial para o desinvestimento, a descapitalização e a alienação patrimonial está ancorada na ideia de que a Petrobras precisa se refazer dos prejuízos causados pela corrupção revelada pela Operação Lava Jato. Em 2014, a empresa estimou os prejuízos com corrupção em cerca de R$ 6,2 bilhões; nesse mesmo ano, o lucro bruto da empresa foi de R$ 80,4 bilhões, ou seja, os problemas com corrupção, ainda que envolvendo montantes significativos, atingiram apenas 7,7% do lucro da empresa(7). O problema da corrupção não deve ser minimizado, mas certamente ele não justifica o encolhimento dos investimentos apontados pela atual direção da Petrobras.
Em 2015, o lucro bruto da empresa subiu para R$ 98,5 bilhões, e as perdas com a Lava Jato efetivamente computadas nos resultados financeiros atingiram R$ 230 milhões, cerca de 0,23% do lucro. Ao que tudo indica, resultados análogos devem se repetir para a consolidação das contas da Petrobras em 2016. Sendo assim, a redução dos investimentos não pode ser amparada pela justificativa da corrupção como um elemento capaz de desorganizar o conjunto das contas da empresa.
Nesse caso, vale tomar como exemplo comparativo duas situações do setor petrolífero em âmbito internacional. Em 2011, a Statoil passou por um escândalo de corrupção envolvendo suas empresas na Líbia e em Angola. Tratava-se do pagamento sistemático de propinas para consultores desses dois países em valores anuais estimados em torno de US$ 100 milhões desde 2000. Passados três anos após a descoberta do caso, os investimentos da empresa cresceram de US$ 84 bilhões em 2010 para US$ 133,6 bilhões em 2011(8). A propósito, neste mesmo ano a empresa Shell foi flagrada em um escândalo na Nigéria envolvendo suborno da ordem de US$ 1,3 bilhão em uma licitação junto ao alto escalão do governo daquele país, assim como a Statoil. Passados três anos da revelação dos ilícitos, a Shell ampliou seu nível de investimento, tendo-o, depois, reduzido em 2014, mas não pelo problema da corrupção e sim por uma mudança na estratégia de aquisições da empresa(9).
Sendo assim, passados três anos do início da Operação Lava Jato, não há essencialmente a necessidade de a Petrobras reduzir seus investimentos, como deixam claras as duas experiências internacionais acima mencionadas. Mais ainda, a corrupção, compreendida como um problema sistêmico e que afeta de modo mais intenso os Estados mais fracos, não deve ser tomada como justificativa para o encolhimento e o desmonte da Petrobras.
Conclusão
Ao contrário do que tem sugerido a atual gestão da Petrobras e na contramão do que a opinião pública tem admitido, não é lícito supor que a corrupção seja um problema endêmico do Brasil e da Petrobras. Ao contrário, trata-se de um problema sistêmico que causa impacto em todo o setor de petróleo e mineração.
De forma análoga, é equivocado supor que um Estado menor contribui para o combate à corrupção. Os Estados considerados mais transparentes são justamente aqueles que dispõem de maiores níveis de investimento e de dívida pública/PIB. Por fim, é errônea a ideia de que a redução de investimentos das empresas petrolíferas se apresenta como única saída ou como melhor alternativa para a prevenção à corrupção, pois experiências internacionais demonstram que não deve haver uma correlação direta entre investimento e corrupção.
Com a perpetuação desses três mitos, sob o pretexto de solucionar um problema de curto prazo – o endividamento da Petrobras -, a atual gestão utiliza a questão da corrupção como uma cortina de fumaça que afronta as possibilidades de construirmos, no médio e no longo prazo, um projeto baseado em um Estado soberano e em um desenvolvimento industrial nacional.
A concretização das propostas da atual direção da Petrobras faz com que a empresa deixe de ser o centro do desenvolvimento industrial do país. Dessa forma, além de o Estado perder autonomia relativa sobre parte de um recurso estratégico, diminui-se o efeito multiplicador da empresa na geração de emprego e renda e no estímulo ao desenvolvimento de tecnologia nacional. A corrupção não deve ser utilizada como mote ou pretexto para ofuscar e camuflar interesses outros que envolvem o ganho de curto prazo e rentista, sobretudo do capital internacional. |