A morte de Zavascki e a nomeação de Moraes
Uma tragédia impactou fortemente o cenário político do país em 19/1: em um acidente de avião na cidade de Paraty (RJ), morreu o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, aos 68 anos. Ele havia sido indicado pela presidenta Dilma Rousseff em 2012, nove anos após ser nomeado pelo presidente Lula para o Superior Tribunal de Justiça. Sua morte causou, além de consternação no meio político e jurídico, incertezas em relação ao futuro da Operação Lava Jato, visto que o ministro era o seu relator no STF. Os defensores da Operação passaram a ter o receio de que o novo relator fosse influenciado pela grande vontade política que membros do governo Temer têm de estancar a sangria da Lava Jato, como explicitado pelas gravações de Romero Jucá divulgadas no ano passado. Também havia a preocupação de que algum ministro próximo ao grupo político de Temer e do tucanato, caso assumisse a relatoria, pudesse proteger seus aliados.
A presidenta do STF, ministra Cármen Lúcia, decidiu que o novo relator seria escolhido dentro da segunda turma do STF, a mesma que Zavascki compunha. Para substituir Teori, o ministro Fachin foi transferido da primeira turma para participar do sorteio junto de Gilmar Mendes, Celso de Mello, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Fachin venceu o sorteio e substituiu Teori na função de relatar os processos. O ministro Edson Fachin foi indicado e nomeado pela presidenta Dilma Rousseff em 2015.
Para preencher a vaga de Teori, Michel Temer escolheu o atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
Filiado ao PSDB e com atuação controversa na pasta da Justiça de Temer e na Secretaria de Segurança Pública do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a indicação foi recebida com protestos e rejeição nas redes sociais (leia mais na pág. 32) e no meio jurídico, ao passo que sua biografia passa longe de diversos outros juristas brasileiros que possuem muito mais gabarito para assumir tal vaga. Em sua tese de doutorado apresentada à Faculdade de Direito da USP, Moraes chegou a defender que um ministro de um governo não poderia ser indicado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, ao passo que uma relação de troca de favores poderia ser firmada.
Segundo acusações veiculadas na imprensa, Moraes teria plagiado autores em algumas de suas obras. Em seus livros Direitos Humanos Fundamentais e Direito Constitucional por exemplo, é acusado de ter reproduzido, sem dar créditos, trechos de autoria do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente. Já em sua obra Legislação Penal Especial, Moraes teria reproduzido trechos de Tóxicos, Prevenção-Repressão, do professor titular de direito penal do Mackenzie, Vicente Greco Filho.
As declarações políticas do ministro da Justiça, principalmente envolvendo seu ódio pelo PT, também colocam em xeque a imparcialidade que o cargo para o qual foi indicado exige. Moraes chegou a protagonizar um episódio no qual revelou, em público, uma operação da Polícia Federal contra o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, do PT, para aliados políticos em Ribeirão Preto, cidade do petista.
As ineficazes respostas que deu enquanto ministro da Justiça à crise no sistema penitenciário vivida em janeiro, além do feroz aumento da violência policial contra manifestantes e contra a população da periferia enquanto secretário de Segurança Pública de São Paulo, demonstram que nenhum motivo a não ser a proximidade política e uma possível garantia de fidelidade justificam tal escolha pelo golpista Temer. Entre os políticos aliados de Temer, a indicação foi recebida com aplausos, e Moraes chegou a ser treinado em um barco de luxo do senador Wilder Morais (PP-GO) para a sabatina que terá que passar na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Devido ao fato de que, se nomeado, o tucano passará a ser o revisor da Operação Lava Jato, a indicação demonstra ser uma tentativa de Temer para barrar as investigações.
Os novos ministros anunciados pelo governo Temer e o caso Moreira Franco
Michel Temer anunciou mudanças em seu ministério em 3/2. Contrariando o próprio discurso inicial, de que cortaria ministérios para supostamente “enxugar a máquina pública”, Temer publicou por meio de decreto a criação de dois novos ministérios e a posse de três novos ministros. Com isso, a Secretaria-Geral da Presidência da República voltou a ter o status de ministério e foi recriado o Ministério dos Direitos Humanos, que deixou de ser uma secretaria do Ministério da Justiça. Para chefiar as pastas, foram empossados ministros o ex-secretário do Programa de Parcerias e Investimentos, Moreira Franco (PMDB-RJ), e a desembargadora aposentada Luislinda Valois (PSDB-BA), que já chefiava a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Com as alterações, o antigo Ministério da Justiça e Cidadania teve suas atribuições e nome alterados, sendo agora o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O terceiro ministro anunciado é Antonio Imbassahy (PSDB-BA), para comandar a Secretaria de Governo, dois meses após a saída de Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que se demitiu após ter sido acusado, pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero (PSDB-RJ) de usar sua influência para liberar a obra de um prédio no centro histórico de Salvador, aonde havia comprado um apartamento. Imbassahy assume com a atribuição de articular politicamente em favor do governo na relação com o Poder Legislativo.
Com as alterações, o PSDB faz sua influência no governo golpista crescer mais, possuindo agora cinco ministérios, um a menos que o PMDB. A expectativa, no entanto, é que, com a saída de Alexandre de Moraes (PSDB-SP) da Justiça, um peemedebista assuma.
A nomeação de Moreira Franco, no entanto, foi alvo de intensa pressão por parte da opinião pública e da oposição: pouco tempo após a homologação das delações da Odebrecht pela ministra Cármen Lúcia, nas quais o ex-governador aparece com o apelido de “Angorá” e é acusado de ter recebido propina, Franco recebeu de Temer uma nomeação que garantiu a si o foro privilegiado, isto é, poder ser julgado apenas pelo Supremo Tribunal Federal. O caso foi comparado à nomeação de Lula, no ano passado, que teve reação efusiva e exagerada por parte da imprensa, com divulgação de grampos ilegais envolvendo a presidenta da República, além de protestos. À época, no entanto, Lula vinha para o governo como tentativa de salvar o mandato e guiar a articulação política de modo a garantir os votos necessários contra o impeachment, dada sua liderança e habilidade. Já com Moreira Franco, nada justifica a criação de um ministério com atribuições semelhantes a um já existente, isto é, há poucas diferenças entre a recém-criada Secretaria-Geral da Presidência e a Secretaria de Governo. Apesar disso, nenhuma panela ressoou e nenhum protesto efusivo de editoriais e telejornais em horário nobre foi registrado, demonstrando a passividade da imprensa e setores que apoiaram o golpe frente ao governo Temer. A posse de Moreira Franco foi suspensa por duas vezes por liminares de juízes federais, que já foram derrubadas. O PSOL e a Rede entraram com ação no Supremo Tribunal Federal, questionando a posse do ministro. Os processos estão com o decano Celso de Mello.
Com a homologação das delações da Odebrecht pela presidenta do STF, além da escolha do novo relator Edson Fachin, a Operação Lava Jato segue. Em janeiro, em sequência às investigações sobre esquemas de corrupção envolvendo o ex-governador Sergio Cabral (PMDB-RJ), preso em novembro, foi preso o empresário e ex-bilionário Eike Batista, por suposto suborno ao peemedebista. A expectativa é que, caso os conteúdos da delação da Odebrecht sejam divulgados na integra, sem seletividade ou parcialidade, o governo Temer seja profundamente atingido.
Inquérito da PGR contra caciques do PMDB
O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF em 3/2 que instaurasse inquérito contra os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, o ex-presidente José Sarney e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, por tentativa de obstrução à Operação Lava Jato. O inquérito trata das gravações feitas por Machado e entregues em acordo de delação premiada, que mostram conversas entre este e os caciques do PMDB, que demonstram toda a articulação golpista para derrubar Dilma Rousseff e parar a Lava Jato. O inquérito nos mostra, porém, novos trechos que vão além do vazado pela imprensa no ano passado.
Segundo o pedido de Janot, o temor causado pela operação gerou no meio político “um plano para obstrução”, que “têm como motivação estancar e impedir, o quanto antes, os avanços da Operação Lava Jato. De acordo com o inquérito, Machado teria repassado, ilicitamente, mais de R$ 100 milhões para o PMDB, sendo que, destes, R$ 32 milhões seriam para Calheiros, 21 milhões para Jucá e 18,5 milhões para Sarney.
No inquérito, os novos trechos divulgados demonstram como para tal articulação a derrubada de Dilma era essencial para o plano: “Esse ‘acordão’ seria feito após a chamada ‘solução Michel’, isto é, para após a iminente posse de seu correligionário de partido Michel Temer, então na interinidade da Presidência da República, os interlocutores planejavam uma série de medidas”. Com isso, os golpistas pretendiam “parar tudo” com um “grande acordo nacional”, “com o Supremo, com tudo”, como diz famoso trecho de conversa entre Machado e Jucá.
No entanto, as duas maiores novidades que o inquérito traz são as conversas que não foram vazadas pela imprensa. As gravações mostram que, em um jantar com a presença de Tasso Jereissati (PSDB-CE), Renan Calheiros (PMDB-AL), então presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), atual presidente do Senado, Aécio Neves (PSDB-MG), José Serra (PSDB-SP), Aloysio Nunes (PSDB-SP), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), a ficha do PSDB havia caído. E que se não estivessem juntos com o PMDB para criarem uma saída, com uma possível cassação de Temer no TSE, as urnas escolheriam “Lula ou Joaquim Barbosa (ou algum maluco desses)”, segundo relato gravado de Romero Jucá.
Segundo Janot, “pode-se inferir destes aúdios que certamente fez parte dessa negociação a nomeação de Romero Jucá para a pasta do Ministério do Planejamento, além da nomeação do filho de José Sarney para o Ministério do Meio Ambiente e de Fabiano Silveira para o Ministério que substituiu a Controladoria-Geral da União, além dos cargos já mencionados para o PSDB”.
Em um dos trechos mais impactantes e que demonstra a dimensão do golpe articulado por PMDB e PSDB, Janot comenta trechos de conversas e partes da delação de Machado, nas quais é exposta a articulação para realizar uma Assembleia Nacional Constituinte em 2018:
“é chocante, nesse sentido, ouvir o senador Romero Jucá admitir, a certa altura, que é crucial “cortar as asas” da Justiça e do Ministério Público, aduzindo que a solução para isso seria a Assembleia Constituinte que ele e seu grupo político estão articulando para 2018”.
O inquérito já foi autorizado pelo ministro Edson Fachin, e espera-se que as investigações exponham cada vez mais a articulação golpista de tais políticos para destituirem uma presidenta honesta eleita e salvarem as próprias peles. |