Ano 1 – nº 10 – Dezembro 2016

Um problema estrututal

De forma concisa, os dados revelam ambiguidades entre as expectativas de retomada da economia ao longo de 2016 e o que de fato tem se concretizado, particularmente no que tange aos indicadores de investimento e emprego. Em outras palavras, antes do impeachment os indicadores de expectativas de investimentos se apresentavam deteriorados, fruto da forte crise econômica e política que perpassava a economia. Após esse período, a economia chegou a apresentar indicadores positivos quanto à retomada, que, no entanto, não parecem se sustentar após os primeiros meses do governo Temer. Fragilidade institucional, crise política e uma política econômica pró-cíclica mostram que o problema enfrentado pela economia brasileira é estrutural, de forma que uma mera mudança de governo não fomentou a retomada do crescimento.

Ao longo do ano, o manejo da política econômica tem sido extremamente adverso à retomada da economia.

De uma forma geral, os dados revelam a dificuldade de se colocar a economia em uma rota de recuperação nítida. As taxas de juros foram mantidas em patamares extremamente elevados. A inflação oriunda de choques de oferta, advindos do reajuste dos preços administrados e na produção de alimentos, foi tratada como inflação de demanda. O remédio equivocado por parte dos formuladores da política econômica foi o alto patamar dos juros, que ajudou a aprofundar a crise econômica. A despeito do arrefecimento da inflação, o BCB segue muito conservador e equivocado no manejo da política monetária, sinalizando uma redução dos juros muito lenta frente à profundidade da recessão econômica. No que tange o setor externo, o saldo positivo da balança comercial tem se dado, particularmente, por uma forte contração das importações como resultado da crise econômica. O efeito câmbio mais favorável ao setor produtivo no início do ano tem se dissipado frente à forte volatilidade dos últimos meses. Nessa dinâmica, as exportações não se recuperaram, tampouco se mostraram como saída viável da crise. A alta capacidade ociosa da indústria não vem se revertendo, o desemprego tem paulatinamente aumentado e os investimentos são postergados. A indústria patina, e a economia brasileira exita em sinalizar uma recuperação contundente e sustentável.

Nível de atividade

Dados do Ministério da Fazenda mostram revisões para baixo sobre o crescimento da economia. O governo revê as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB), que vai cair mais do que esperado em 2016 e crescer menos em 2017. Em números, a expectativa é de que o PIB caia 3,5% em 2016, e não 3% como havia sido mensurado em agosto. Para 2017, a expectativa é de um crescimento de apenas 1% e não mais 1,6%, como se esperava em projeções anteriores.

Um dado usualmente utilizado para se mensurar a atividade econômica é o chamado IBC-Br. Tal índice foi criado pelo Banco Central para ser um “antecedente” do PIB. O índice do BC incorpora estimativas para a agropecuária, a indústria e o setor de serviços, além dos impostos. Em 2016, tal índice tem mostrado a gravidade da crise econômica brasileira. Como ilustrado pelo gráfico abaixo, ao longo de todo o ano o IBC-Br tem sido negativo. A despeito do arrefecimento da contração no segundo trimestre de 2016, o índice voltou a apresentar forte retração no acumulado do terceiro trimestre do ano.

Desta forma, a recuperação econômica prevista para o terceiro trimestre do ano não se concretizou. O IBC-Br, indicador que serve como uma espécie de prévia do PIB calculado pelo BCB apresentou retração de 0,78% no acumulado do terceiro trimestre de 2016, apesar de esboçar um leve crescimento de 0,15% em setembro.

Esse pequeno crescimento de setembro, no entanto, foi eclipsado pela revisão do dado de agosto, que passou de -0,91% para -1,01%. Com estes resultados, o IBC-Br já acumula queda de 4,83% no ano e 5,23% no acumulado de doze meses, indicando que a recuperação econômica apontada por alguns analistas de mercado ainda está longe de se tornar uma realidade.

O ajuste fiscal promovido pelo então ministro Joaquim Levy em 2015 marcou a dificuldade de sair da recessão econômica atual. Nelson Barbosa, que substituiu Levy, ensejou uma flexibilização do ajuste fiscal em um entendimento de que o equilíbrio das contas públicas não seria possível sem a retomada da economia. No entanto, a ruptura institucional promovida pelo impeachment não permitiu mais detalhes de como seria a nova gestão da política econômica. Após esse período, o que se viu foram os desdobramentos da atual gestão do ministro Henrique Meirelles, na qual para o curto prazo definiu-se o “keynesianismo fisiológico” e para o longo prazo, a “austeridade permanente” pautada pela PEC 55 (antiga 241). O afrouxamento da meta fiscal para 2016 e 2017 mostrou, por um lado, o pragmatismo econômico e, por outro lado, a latente hipocrisia dos que pregavam a austeridade econômica durante a gestão de Dilma e que hoje figuram nos quadros do governo.

Em uma crise econômica aguda, a ausência de ações anticíclicas contundentes, a retração do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no fomento dos investimentos, a alta volatilidade cambial e os juros adversos ao setor produtivos sobrepujaram qualquer tentativa de recuperação econômica.

Nos últimos meses, os indicadores de confiança da indústria e do comércio passaram a dar sinais de reversão de uma possível retomada. Ademais, o aumento de incertezas no front externo com a eleição de Donald Trump também pode colaborar para a maior lentidão na recuperação dos investimentos, uma vez que a aversão ao risco dos investidores internacionais deve se elevar. Com esta conjuntura interna e externa desfavoráveis, a estabilização do nível de atividade deve ocorrer apenas em 2017, com um nível baixo de emprego e renda, além de grande capacidade ociosa nas empresas produtivas. A contenção dos gastos públicos, através da PEC 55 e outros mecanismos, retira do Estado a capacidade de atuar de maneira anticíclica, deixando o país totalmente dependente das decisões e estratégias de investimento do capital privado internacional, sem condições de elaborar uma estratégia autônoma de desenvolvimento e/ou reversão da crise atual.

Comércio exterior

A análise da balança comercial brasileira no ano de 2016 tem se configurado como um dos dados mais contraditórios aqui apresentados. Isto porque, após fevereiro de 2015, esta passou a apresentar um saldo positivo, o que indicaria uma melhora nas relações comerciais do Brasil com o exterior. No entanto, uma análise mais cuidadosa da dinâmica em curso revela um processo perverso por trás do superávit comercial. A forte desvalorização do real em 2015 ajudou a ensejar um maior dinamismo das exportações e uma contenção das importações. No início de 2016 essa era perspectiva em voga. No entanto, tal quadro foi sofrendo uma piora estrutural, à medida que as importações passaram a se retrair fortemente dada a profundidade da crise. A forte volatilidade cambial e reapreciação do real entraram em curso. Nesta dinâmica, o saldo comercial passou a ser pautado por um baixo dinamismo das exportações compensado muito mais que proporcionalmente pelo recuo das importações. Importações destinadas tanto para processos produtivos quanto para consumo das famílias foram solapadas pelo esfacelamento da indústria nacional e pelo aumento do desemprego. Exportações de produtos manufaturados, particularmente de bens de capital que são mais sensíveis à instabilidade cambial, sofreram fortes contrações afetando uma importante fonte de dinamismo da economia. Conforme apontado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a partir do segundo semestre de 2016, as variações negativas tornaram-se majoritárias para as exportações, enquanto no primeiro semestre havia alguma alternância com resultados positivos.

Os dados mais recentes sobre a balança comercial se enquadram neste diagnóstico. Segundo o MDIC, outubro registrou um saldo comercial positivo de US$ 2,346 bilhões na balança comercial. Tal valor é resultante de exportações de US$ 13,72 bilhões, menos importações de US$ 11,37 bilhões. Cabe destacar que o saldo comercial de outubro é 17,5% maior que o registrado no mesmo mês de 2015. Em outubro de 2015, o superávit foi de US$ 1,996 bilhão. No entanto, tal como destacado anteriormente, este é fruto de uma forte queda das importações e não de um dinamismo das exportações. Como exemplo, a média diária das exportações ficou em US$ 686,1 milhões, exibindo queda de 10,2% frente a outubro de 2015.

Uma ótica setorial também ajuda a compreender a gravidade do processo em curso. Em 2016, de janeiro até outubro ocorreu aumento das exportações de produtos semimanufaturados (3,5%), no entanto houve expressiva queda nas vendas externas de produtos básicos (-10%), bem como de produtos manufaturados (-1,6%). Pelo lado das importações, a retração de bens de consumo foi 23,5%. Quedas significativas se deram também em bens intermediários, 18,7%, e de bens de capital, 21,9%.

Assim, o que está por trás do saldo positivo na balança comercial é a crise na economia brasileira. A melhora não tem sido advinda de um processo de substituição de importações, tampouco de um dinamismo das exportações. As importações estão se deteriorando fruto do total colapso da indústria nacional. Além disso, a forte crise, que vem provocando aumento do desemprego e queda na renda das famílias, solapou a demanda por produtos e serviços importados. Assim, a dificuldade das exportações em ganhar mercados e a queda nas importações foi a maior responsável pelo superávit da balança comercial brasileira.

Política monetária e inflação

Sustentando a tendência iniciada em janeiro de 2016, a inflação brasileira medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vem exibindo um comportamento mais favorável ao longo do ano. Após encerrar 2015 com uma taxa de inflação de 10,7%, o IPCA retrocedeu significativamente no ano de 2016. Uma análise da inflação no ano de 2016 revela que a desaceleração dos preços medida pelo IPCA foi consequência, sobretudo, da forte queda nos preços administrados, cuja taxa de variação em doze meses recuou de 18,1% em dezembro para 7,9% em setembro. Isto se deu particularmente pelo fim do efeito do represamento dos preços feito em 2014.

Outro fator preponderante que afetou a inflação no ano de 2016 foi o comportamento dos preços livres, contaminados pelo choque na oferta dos alimentos. Em outras palavras, a trajetória de alta dos preços livres havia sido impulsionada pela forte aceleração da inflação dos alimentos, cuja taxa de variação nos últimos doze meses, encerrados em setembro, ainda aponta variação expressiva de 16%. A Carta de Conjuntura do Ipea nº 32 sugere que, para 2017, o cenário para a inflação de alimentos é mais positivo. De acordo com o instituto, “segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a estimativa de plantio da safra 2016/17 de grãos do Brasil aponta para uma alta da produção esperada de 14,1% em relação à safra passada, considerando o intervalo entre os limites inferior e superior”. Neste sentido, nos próximos meses a expectativa é de uma melhora no cenário de inflação.

Assim, em linha com o exposto, dados do IBGE revelam que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o mês de setembro apresentou uma aceleração de 0,08% para 0,26% em outubro. Tal resultado veio em linha com a expectativa dos economistas e foi a menor taxa para o mês desde 2000, quando apresentou alta de 0,14%. O índice acumula alta de 5,78% no ano, frente a 8,48% no mesmo período de 2015. No acumulado em doze meses, houve desaceleração de 8,48% para 7,87%.



A análise dos dados revela que o grupo que mais puxou a inflação foi o relativo a transportes. Em outubro houve um aumento de 0,75% neste grupo, perante um de 0,10% no mês anterior. Cabe ressaltar que, a despeito da redução no valor do combustível autorizada pela Petrobras, esta não foi repassada ao consumidor e, na realidade, resultou em um aumento na gasolina (de -0,40% para +1,22%) e no etanol (de 0,83% para 6,09%). Ademais, no dia 8/11, a Petrobras anunciou o corte no preço do diesel nas refinarias em 10,4% e o da gasolina em 3,1%. Resta saber se ocorrerá o repasse ao consumidor desta vez. Caso ocorra, haveria um efeito expressivo na inflação do mês seguinte e representaria uma redução de 6,6% no preço do diesel na bomba (-R$ 0,20 por litro) e de 1,3% da gasolina (-R$ 0,05 por litro). Por último, mas não menos importante, outro fator preponderante no aumento da inflação no grupo de transporte foi o preço das passagens aéreas, que apresentou alta acima de 10%.

O grupo de alimentos e bebidas continua em deflação, mas passou de -0,29% em setembro para -0,05% em outubro. O leite longa vida teve forte influência devido à sua expressiva queda de preços de 10,68%. Em uma tendência oposta, carnes tiveram um aumento dos preços de 2,64%. Outros grupos também tiveram uma desaceleração da inflação, a saber, os relativos especialmente a despesas pessoais (de 0,10% para 0,01%) e educação (de 0,18% para 0,02%). Em contrapartida, ocorreu aumento dos preços de vestuário (de 0,43% para 0,45%) e saúde e cuidados pessoais (de 0,33% para 0,43%). A alta nos preços administrados passou de 0,37% para 0,54%, o que é explicado pelo comportamento dos preços de combustíveis descritos anteriormente. No que se refere aos preços dos livres, estes passaram de estáveis para uma alta de 0,17%.

Neste ambiente, com as causas da inflação de 2016 devidamente mapeadas, é que se destaca o caráter imprudente do Banco Central quanto ao manejo dos instrumentos de política monetária. Dentro de uma diretriz extremamente ortodoxa, o Comitê de Política Monetária (Copom) tem operado de forma equivocada ao longo de todo o presente ano. Apesar da recente queda da Selic de 14,25% para 14% – a primeira queda em quatro anos -, o Brasil continua praticando os juros reais (descontada a inflação) mais elevados do mundo. Com uma economia que se encontra em forte recessão, um maior dinamismo advindo da redução dos juros teria de vir de um corte expressivo dos juros. No curto prazo, apenas isso poderia estimular a retomada da economia, o processo de recuperação da renda e do emprego.

Indústria

O ano de 2016 tem sido marcado pela falta de forças dinamizadoras que coloquem a economia em uma rota de recuperação. O ano tem sido pautado pela queda do consumo, exportações em declínio, alta capacidade ociosa, crédito travado e ausência de investimentos. Tais variáveis têm condicionado a indústria a uma rota cadente, na qual, a despeito do “soluço” positivo de junho e julho de 2016, os últimos dois meses mostram a condição crítica na qual se encontra o nível da produção industrial.

Neste sentido, dados divulgados pelo IBGE sobre a produção industrial mostram que a desaceleração econômica ainda é forte no Brasil. Embora tenha ocorrido uma alta de 0,5% da produção industrial em setembro, esta é muito tímida frente a uma queda expressiva de 3,5% em agosto. Ademais, a grande maioria dos setores industriais apresentou queda.


Na comparação de setembro do presente ano com o mesmo mês no ano anterior, o total da indústria mostrou queda de 4,8%. Em uma ótica para o acumulado dos nove meses de 2016, a variação foi de -7,8%. Considerando os últimos doze meses, o recuo até setembro chega a 8,8%.


Os dados mostram que a expansão da produção se cristalizou em somente nove dos 28 setores pesquisados pelo IBGE. Destes, destacam-se as indústrias alimentícia (6,4%) e automobilística (4,8%), que compensaram apenas parcialmente a expressiva queda que tiveram no mês anterior. Entre os setores em queda, os desempenhos de maior relevância vieram de: máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-8,1%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-6,2%), produtos de minerais não-metálicos (-5,0%), e perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (-2,7%). Em uma ótica dos macrossetores, houve alta apenas em dois dos quatro. Ou seja, 1,2% em bens intermediários e 1,9% em bens de consumo duráveis. Bens de capital caíram 5,1% e bens intermediários, 1,2%.

Conclusão

A presente retrospectiva procurou tratar os principais problemas enfrentados pela economia brasileira no ano de 2016. A preocupação com a retomada está se tornando latente entre os economistas, que estão revisando as projeções de crescimento para baixo, tanto para este ano quanto para o ano que vem. O relatório Focus divulgado pelo Banco Central do Brasil (BC) coaduna com esta percepção. A dificuldade de recuperação da demanda tem solapado as expectativas de investimento e consequentemente sobrepujado a retomada do emprego e da renda. No cerne da crise, se configura a gestão equivocada do Banco Central sobre o câmbio e os juros. Sem uma taxa de câmbio competitiva e menos volátil, assim como uma taxa de juros condizente com a realidade econômica do país, a volta do crescimento econômico continuará sendo paulatinamente prejudicada.

Neste cenário, a aprovação da PEC 55 apenas agrava as dificuldades de recuperação do crescimento, ao impedir a ampliação do investimento público por um período prolongado. Ou seja, retira do estado uma importante forma de operação anticíclica. Com câmbio pouco competitivo, juros estratosféricos, Estado contracionista e crise política/institucional, a esperança no crescimento econômico produzido pelo investidor internacional parece uma miragem no deserto. De forma concisa, os dados mostram que as profecias da retomada mágica têm se esfacelado diante da crise econômica que perdura e afeta indicadores de investimento, renda e emprego.

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