Ano 1 – nº 09 – Novembro 2016

O ataque ao MST nas redes sociais e na imprensa

Evento digno de um Estado de exceção foi protagonizado pela Polícia Militar de São Paulo no dia 4 de novembro: policiais invadiram a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, no interior de São Paulo, sem mandado e aos tiros.

Como era esperado, a grande mídia não noticiou o fato de imediato e, quando o fez, tratou de escondê-lo nos rodapés dos portais de notícias e longe das manchetes. A divulgação, muitas horas depois, ocorreu apenas porque a repercussão nas redes sociais tornou o silêncio dos grandes veículos insustentável.

A repercussão foi desencadeada por uma série de atores que, nas redes sociais online, vêm cobrindo, nos últimos anos, atos, ações e iniciativas renegadas pela imprensa tradicional. Conhecidos como independentes e alternativos, esses coletivos ocupam cada vez mais um gargalo histórico deixado por grupos de comunicação ditos “grandes”. Jornalistas Livres, Mídia Ninja, Revista Fórum, Viomundo, Brasil 247, entre outros, realizam a contraposição ao discurso – antes hegemônico em redes sociais – da grande imprensa.

Entre 4 e 6 de novembro foram coletadas 63.449 ocorrências ligadas à Escola Nacional Florestan Fernandes no Twitter. A comoção em torno do tema fez com que 60,37% de toda a rede formada por essas ocorrências no Twitter fosse de apoio ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (lilás). Em contrapartida, os ataques contra o MST geraram um cluster central (verde) que corresponde a 28,6% de toda a rede coletada durante o período.

O impressionante volume, bem como a rapidez na resposta dada por meio das redes sociais online, foi protagonizado por Mídia Ninja e Jornalistas Livres, que supriram, em um primeiro momento, a ausência de uma cobertura da imprensa brasileira.

Ao analisarmos unicamente o cluster de defensores do MST, compreendemos ainda mais a importância desses canais para uma rápida resposta contra os abusos promovidos pela PM-SP contra a ENFF:

Silêncio e criminalização no caso da ocupação das escolas

Procedimento semelhante ao que manteve fora do noticiário o ataque ao MST foi adotado pela grande imprensa em relação ao movimento de ocupação de escolas e universidades iniciado no dia 3 de outubro, que se expandiu por outros estados e já atinge mais de 1200 locais em todo o país. De acordo com balanço divulgado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), são 1197 escolas e institutos federais, 73 campi universitários, três núcleos regionais de Educação, além da Câmara Municipal de Guarulhos.

Também neste caso as redes sociais desempenham papel importante na construção e disputa da narrativa das ocupações. Embora os grandes noticiários de todas as mídias, impressa, rádio e tevê, venham se empenhando e distorcer e criminalizar o movimento, o discurso de Ana Julia tornou-se nacional e internacionalmente conhecido por meio do Youtube, Facebook e nos grupos de WhatsApp.

Ao participar de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, no dia 31/10, a jovem paranaense emocionou expectadores ao negar que os estudantes estejam agindo de forma passiva ou sejam manipulados e doutrinados no movimento que se espalha. E reafirmou a causa real das ocupações: trata-se de uma defesa do direito de todos a educação de qualidade, baseado na Constituição Federal.

De acordo com a análise de Marina Pita, do coletivo Intervozes, em seu blog na Carta Capital, as ocupações só foram noticiadas quando locais de votação no segundo turno das eleições municipais tiveram de ser trocados em função das escolas mobilizadas. As matérias, que até então foram raras, começaram a surgir sem dar voz aos estudantes, tampouco aos setores da sociedade que apoiam os protestos contra a PEC e a MP 746/2016.

No jornal O Globo, a cobertura com viés crítico às ocupações deu a linha. Se primeiro o foco era no “distúrbio” que a mobilização poderia trazer ao Exame Nacional do Ensino Médio (com mais de 640 escolas ocupadas governo do Paraná se diz preocupado com eleições e Enem), em seguida os veículos do Grupo Globo fizeram questão de destacar a declaração do presidente do Superior Tribunal Eleitoral, Gilmar Mendes, exibida à exaustão ao longo da noite do domingo (30) nos telejornais da GloboNews, chegando à irracionalidade de sugerir à Advocacia Geral da União que estude cobrar dos estudantes o “custo” das ocupações para as eleições. No site de O Globo, a chamada era “Ocupação de escolas gerou gastos nas eleições, diz Gilmar Mendes”.

A Folha de S.Paulo também ignorou a ascensão das ocupações. O tema apareceu no impresso em matéria do dia 11/10 com o foco apenas no estado do Paraná e depois apenas em 19/10: “Ocupação em 181 escolas pode causar cancelamento de provas do Enem”. No dia 24, o tema voltou a aparecer por conta da morte de um estudante em Curitiba. Entre o crescimento de 100 a 800 escolas ocupadas, vigorou o silêncio do jornal sobre o assunto. Nada se falou sobre as ocupações em outros estados.

Reserva de mercado

Segundo reportagem da Rede Brasil Atual publicada em 31/10, o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou que “a Associação Nacional de Jornais (ANJ), representante das empresas do setor, entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.613, reivindicando que portais de notícias tenham de respeitar a mesma regra de limite de participação do capital estrangeiro – de até 30% – aplicada a jornais, revistas, rádios e televisões. A medida pode colocar na ilegalidade a atuação de portais estrangeiros que mantêm equipes brasileiras produzindo conteúdo sobre o país, como a BBC Brasil, o El País, o DW e o The Intercept, e que se destacam por fazer uma cobertura correta das ocupações.

Conservadorismo e crise econômica pautam imprensa internacional

Entre outubro e novembro o Brasil foi assunto na mídia internacional por causa dos problemas que o país enfrenta e dos desafios que estão colocados para o futuro. Em resumo, mesmo que sem conexão entre os diferentes veículos de comunicação estrangeiros, o país é visto pelos jornais do exterior como um local violento, dividido, no qual o conservadorismo cresce acompanhando a comunidade evangélica pentecostal e cuja economia segue em forte recessão sem que haja certeza sobre como vai se recuperar. Por último, a incerteza do mundo político continua em função do temor de que Eduardo Cunha, visto como o líder do impeachment de Dilma, possa delatar (ex-) aliados.

A notícia sobre o Brasil que mais rodou o mundo foi, sem dúvida, a prisão do ex-presidente da câmara dos deputados, Eduardo Cunha. Na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, as manchetes diziam que o político que liderou o processo de impeachment havia sido preso. Apenas pela análise delas pode-se afirmar que a imprensa estrangeira, diferente da brasileira, tem memória. É bom lembrar que os jornais nacionais não fazem essa associação com o nome de Cunha, talvez porque queiram legitimar a narrativa de que o impeachment resultou da manifestação popular.

O conteúdo das diversas reportagens estrangeiras que trataram do tema foi parecido. The New York Times, Le Monde, The Guardian e outros ouviram cientistas políticos e advogados que classificaram a prisão do ex-deputado como uma resposta às críticas sobre a parcialidade da operação Lava Jato. Mauricio Santoro, professor da UERJ, disse que “se Cunha está na cadeia, eles podem continuar e prender qualquer um”. Ele ainda lembrou que este foi o primeiro político importante a ser preso que não é membro do PT. O francês Le Monde afirma dentro de sua reportagem que a prisão ajudaria a restaurar a imagem da Justiça e de Sergio Moro, acusados pelo PT de serem parciais.

Os grandes jornais da Europa e dos Estados Unidos também dão destaque para análises do quadro político, que se torna totalmente incerto, de acordo com os especialistas ouvidos. “Cunha é um barril de pólvora”, caso ele venha a contribuir com a Justiça, o governo Temer pode cair, publicou o Le Monde. A maneira como as reportagens são trabalhadas mostra que esses periódicos continuam cautelosos quanto ao futuro da política brasileira, que parece incerto.

O britânico The Guardian, um dos mais críticos ao processo de impeachment, havia afirmado em editorial que “o sistema político brasileiro é que precisava ser julgado, não uma mulher”. Agora, o jornal citou em sua reportagem a alegação de Dilma de que o processo contra ela só estava indo para frente porque Cunha e seus aliados não aceitavam que ela não parasse as investigações da Lava Jato.

A instabilidade política brasileira recebeu destaque durante a cobertura internacional sobre o encontro do Brics realizado em Goa, na Índia. Todos os jornais estrangeiros que cobriram a reunião lembraram a delicada situação da economia brasileira, afirmaram que ainda não está claro como o país sairá da crise, mas não trataram da relação de Michel Temer com os outros chefes de Estado, sequer citaram que Temer foi o único com quem Putin não quis se reunir.

A economia brasileira está no foco apenas do New York Times, que acompanha todas as medidas tomadas pelo governo, assim como as votações na Câmara e no Senado. Uma reportagem do jornal nova-iorquino afirma que o mercado não gosta de Estados que tenham muitos gastos públicos e, por isso, reforça a importância da PEC que institui o teto de gastos. Antes da votação na Câmara, uma reportagem publicada pelo NY Times dizia que a aprovação da PEC precisava ser robusta, demonstrando assim que o mundo político brasileiro está comprometido com o ajuste fiscal. De acordo com o jornal, na sequência da PEC, o mercado financeiro aguarda pela reforma da Previdência.

Estranho nessa cobertura é que analistas de mercado ouvidos pela reportagem chegam a dizer que “as negociatas de Cunha não parecem ter envolvido membros do circuito mais próximo a Temer”. A afirmação beira o absurdo, já que Moreira Franco parece ser um dos primeiros alvos do acuado Eduardo Cunha.

Outra questão que vem se transformando em assunto recorrente para os jornais internacionais é a ascensão evangélica pentecostal. O Le Monde aproveitou a telenovela “A Terra Prometida” da Record para mostrar o quanto essa doutrina conservadora está se espalhando pelo país. De acordo com o jornal, o Brasil tem hoje a segunda maior população do mundo adepta das religiões pentecostais, atrás apenas dos Estados Unidos.

Na visão da correspondente do Le Monde para o Brasil, pouco a pouco os evangélicos vão convertendo pessoas oriundas de outras religiões. Talvez, o auge dessa ascensão, até o momento, seja a vitória de Marcelo Crivella na eleição para a prefeitura do Rio de Janeiro. A votação obtida pelo senador, pastor da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho do bispo Edir Macedo chamou a atenção dos jornais estrangeiros, impressionados pela agenda retrógrada que foi apresentada por Crivella e que saiu vitoriosa.

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