Tenho o maior respeito pelos trabalhos de historiador de Luiz Alberto Gomes de Souza. Seu livro sobre a JUC foi muito importante para minha pesquisa. Lamento que passe julgamento sobre meu livro – agora em re-edicao,  sob o título “O que é o cristianismo da libertação?” (Editora da Fundação Perseu Abramo, 2016) – sem tê-lo lido (como ele mesmo reconhece em uma nota crítica que publicou na internet). Não me parece um procedimento muito adequado. É sempre útil ler os livros antes de criticá-los, me parece.

Luiz Alberto Gomez de Souza (LAGS) me acusa de usar a Teoria da Libertação (TdL) para tentar “salvar o marxismo”. Não acho que o marxismo precisa de “salvação”. Na verdade, meu objetivo era inverso: convencer os marxistas que devem levar a sério a TdL. LAGS lamenta que “muitos” viram afinidades e complementaridades entre marxismo e TdL. Fico feliz de saber que não sou o único a perceber estas afinidades. Alguns autores chegaram mesmo, observa o historiador, a “confundir” a TdL com o marxismo. Se LAGS tivesse lido meu livro, veria que nunca os “confundi”: me limitei a apontar “afinidades eletivas”.

Gomez de Sousa tem todo o direito de recusar uma análise marxista da TdL, é uma discussão legítima. O que me parece inaceitável é a argumentação ad hominem: ele me acusa de ser um “intelectual europeu”, “colonialista”, etc. Também acho pouco sério considerar os teólogos interessados pelo marxismo “divulgadores”.

Entre os que não são marxistas mas são favoráveis a um diálogo com os marxistas se encontra um certo Bergoglio. Será que o Luiz Alberto não se deu conta ainda que o Ratzinger não é mais Papa? O Papa Francisco encontrou uma delegação de marxistas europeus e deu seu acordo para iniciar um diálogo entre cristãos e marxistas; um primeiro encontro teve lugar este ano na Itália, com a participação de personalidades católicas e marxistas (europeus e latino-americanos), entre os quais o autor desta nota.

Gomez de Sousa me trata como “intelectual europeu”. É verdade que vivo na Europa há muitos anos, mas nasci no Brasil e me formei em Ciências Sociais na USP. Quem tentou me negar a nacionalidade brasileira foram os funcionários da ditadura militar na Embaixada brasileira em Paris, que me confiscaram o passaporte brasileiro. Na mesma época o governo (conservador) francês me recusou a nacionalidade francesa por me considerar um “latino-americano  subversivo”. Fiquei algum tempo “apátrida”. Com o fim da ditadura recuperei meu passaporte e minha nacionalidade brasileira.

Será por utilizar o método marxista que sou “europeu”? LAGS parece não ter se dado conta de que há muito mais marxistas no Brasil do que em qualquer país europeu. Na época da ditadura, se denunciava o marxismo como “doutrina exótica, alienígena e contrária às nossas tradições cristãs”. Tenho certeza de que LAGS nunca compartilhou esta atitude. Por que então não reconhecer que um ponto de vista marxista não é necessariamente “de fora” e “colonialista”?

Gomez de Sousa não me reconhece como “autoridade para explicar o que é cristianismo da libertação”. Não pretendo exercer nenhuma “autoridade”, simplesmente apresento algumas hipóteses que podem,  evidentemente, ser criticadas e discutidas. A principal “inovação” do meu livro foi o conceito de “cristianismo da libertação” – que fui,  salvo erro,  o primeiro a utilizar – para designar o vasto movimento socio-religioso que aparece no Brasil, e depois na América Latina,  bem antes da TdL. Acho engraçado que LAGS, na mesma frase em que me “desautoriza”, utilize o principal conceito de meu livro.

Para concluir, me permito sugerir fraternalmente a Luiz Alberto Gomez de Sousa que leia meu livro. Ouso esperar que seu julgamento, depois da leitura, será menos simplista.

Saiba mais
– Em aula aberta, Michael Löwy lança livro pela Editora Fundação Perseu Abramo

– Leia aqui o livro “O que é cristianismo da libertação – religião e política na América Latina“, de Michel Löwy

 

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