Lições antigas ensinam que a melhor maneira para conhecermos a estatura moral dos homens é quando são submetidos a situações limite. Como se conduzem, como encaram os desafios da vida. Como se comportam nas situações de opressão, arbitrariedade, tortura e morte. Morreu, na última semana, um homem centenário: Alaor Figueiredo. Militante comunista, revolucionário de rara integridade, dirigente do PCB, no Comitê Estadual de Goiás, nos anos 1970.

Altivo com os carcereiros, solidário com companheiros de infortúnio, encerrados nas celas do Pelotão de Investigações Criminais (PIC), ao lado do Forte Apache, o QG do Exército, no Setor Militar Urbano, aqui em Brasília. A conduta deste homem me ensinou uma lição de vida, que deixei registrada nestas palavras que ele provavelmente nunca chegou a ler: “O medo desumaniza. Impõe a cegueira do reflexo e do instinto. Cava até chegar aos ossos. Liberta o animal que pulsa sob o verniz da razão. Coragem não é precisamente a ausência de medo. É quando a razão ao medo se sobrepõe pela porta do delírio e devolve ao prisioneiro, num lampejo brusco, aquela esperança contra toda a esperança: o torturador pode me matar, mas não pode me vencer, porque a minha morte é a minha vitória sobre sua força…”   (Uma explicação necessária, Poemas do Povo da Noite, Ed. Fundação Perseu Abramo, S. Paulo, 2009).

A existência dos poetas, seu labor só adquire sentido se for capaz de, por sua palavra, por seu verso exprimir a dimensão dos dramas humanos vividos nos tempos sombrios – na solidão do indivíduo ou na experiência partilhada com seus companheiros de combate – para lança-la como um canto capaz de fascinar a geração seguinte e estender o alcance das utopias que nos alimentam.

Muitos anos depois do cárcere, reencontrei-me com Alaor Figueiredo nos movimentos comunitários e sindicais. E trago comigo a honra de ter participado do grupo que, pacientemente, construiu sua adesão ao desafio da construção do Partido dos Trabalhadores, em Goiânia. E ele se incorporou, com sua aguda percepção do valor do trabalho miúdo, da construção dos núcleos, que ele imaginava como as células da sua experiência anterior, no PCB e depois no Coletivo Gregório Bezerra, de onde viera.

A vida deste homem que aos 101 anos se afasta do corpo que habitou, recusa a cinza que espera tudo que vive e guarda por nossa palavra a chama que nos alimenta, a todos os seus companheiros e companheiras, que seguimos combatendo em defesa dos valores humanos e socialistas, pelos quais ele combateu.

Alaor Figueiredo. Presente!

Pedro Tierra (Hamilton Pereira) é poeta. Presidente do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.

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