Analfabetismo no Brasil
A analfabetismo no mundo é uma preocupação persistente, sendo inclusive uma das pautas dos Objetivos do Milênio da ONU. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2015 foram contabilizados 757 milhões de pessoas de 15 anos ou mais que se declararam analfabetos. Apesar de a América Latina não estar em situação tão alarmante quanto a África subsaariana e as regiões centro e sul da Ásia, as posições dos países da América Latina no ranking de alfabetização do Instituto de Estatística da Unesco mostram que temos um longo caminho a seguir, conforme aponta o Gráfico 1.
Gráfico 1 – Posição no Ranking mundial de alfabetização. América Latina, 2015
Fonte: Unesco. Instituto de Estatística O ranking da Unesco é realizado com os dados mais recentes de cada país, em um total de 133 países, classificando pela porcentagem de pessoas com 15 anos ou mais alfabetizados frente ao total da população na mesma faixa etária. Conforme a tabela, verifica-se que o Brasil está na 63 posição do ranking e, em um ranking somente com os países da América Latina para os quais existem dados disponíveis, o país está na penúltima posição, ficando à frente apenas da Bolívia. Ou seja, apesar de a taxa de analfabetismo do país não parecer um dado tão alarmante quando vista isoladamente, quando comparamos com os países vizinhos verificamos que precisamos avançar muito mais nos esforços de alfabetização.
Ao longo dos governos Lula e Dilma, observou-se um significativo esforço para o enfrentamento do analfabetismo. Esse empenho resultou na diminuição da taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais, que passou de 11,9% para 8,3% no período 2002-2014 – ver Gráfico 2. Entretanto, o Brasil, provavelmente, não conseguirá atingir a meta de 93,5% de alfabetização estipulada pela Unesco para o ano de 2015 (quando serão divulgados os novos dados da Pnad/IBGE).
No país, o fenômeno do analfabetismo vem se manifestando de forma mais intensa nas regiões Nordeste e Norte, nas áreas rurais, entre os mais pobres, pardos e negros. Em 2003, preocupado em enfrentar as diversas faces do analfabetismo, o governo federal criou o Programa Brasil Alfabetizado (PBA).
Gráfico 2 – Taxa de analfabetismo da população de 15 anos. Brasil, 2002 e 2014 (Em %)
Fonte: IBGE. PNADs.
Programa Brasil Alfabetizado (PBA)
O Programa Brasil Alfabetizado foi concebido em 2003 e institucionalizado pela Lei nº 10.880/2004, no governo Lula, com continuidade no governo Dilma, como parte de uma política pública para combater o analfabetismo de jovens com mais de 15 anos, adultos e idosos. A iniciativa surge como parte do esforço governamental para a redução das desigualdades no Brasil, sendo o analfabetismo ao mesmo tempo causa e consequência desse cenário de disparidades regionais. Nesse sentido, o PBA é um programa, aberto para a participação de todos os entes federados, porém focalizado naqueles com taxas mais altas de analfabetismo, sendo a maior parte desses municípios concentrados no Nordeste.
O programa se enquadra como relevante nas prioridades no Planejamento Estratégico do MEC desde 2003, no qual se estabeleceu como marcas: “Mudar as condições de vida e de trabalho dos professores e aprimorar sua formação”, “Universalizar a educação básica com qualidade” e “Abolir o Analfabetismo”. Em sua iniciativa de combater o analfabetismo de jovens e adultos e promover formação dos alfabetizadores, pode-se depreender que o projeto atua em duas das marcas estratégicas definidas. Depois, é integrada ao Eixo de Alfabetização e Inclusão e, como tal, o programa define a educação como um direito de todos, tendo como estratégia atingir cidadãos cuja evasão do sistema de ensino formal foi antes ou durante o ensino fundamental, principalmente por meio da autodeclaração de analfabetismo no Cadúnico do Programa Bolsa Família.
Na prática, esse objetivo se traduziu em uma iniciativa do governo federal de financiar e apoiar tecnicamente estados, municípios e Distrito Federal na implementação de cursos de alfabetização em áreas rurais e urbanas. As prefeituras e secretarias estaduais de educação assinam um termo de adesão com o governo federal para obter acesso ao recurso, em troca do comprometimento com metas do programa e aumento das ações de alfabetização do ente federado. Também se alinhavam com as diretrizes do PBA, que, ao definir a educação como direito, prevê não apenas a educação formal, mas mescla da teoria com a prática e o desenvolvimento integral dos indivíduos, com a ampliação da possibilidade dos cidadãos de exercerem sua cidadania. Nesse sentido, o conteúdo mínimo estabelece elementos de alfabetização formal (letramento, numeramento etc), mas também a apresentação de documentos básicos de cidadania – registro de nascimento, registro civil, CPF, entre outros – e informações de como obtê-los e sua importância para acessar outros direitos. Além disso, o programa incentiva a integração à Educação de Jovens e Adultos (EJA), mobilizando para o aumento das vagas em EJA, para a continuidade dos estudos dos egressos do Programa Brasil Alfabetizado.
O recurso é transferido aos entes federados para cursos de formação (inicial e continuada) de professores, transporte, alimentação e materiais escolares. Além disso, há a transferência direta de bolsas para voluntários, que podem ser professores de alfabetização, tradutores-intérpretes de libras ou coordenadores de turma. As bolsas variam de 400 a 800 reais mensais, a depender do número de turmas ativas dos voluntários (de uma a nove turmas), e se estão ou não inseridos em programas de educação para população carcerária ou em cumprimento de medida socioeducativa. Com o programa, 3.500 municípios receberam recursos e aproximadamente 17,7 milhões de pessoas foram alfabetizadas de 2003 a 2015 – ver Gráfico 3.
Gráfico 3- Nº de alfabetizados pelo Programa Brasil Alfabetizado. Brasil, 2003-2015
Fonte: Governo Federal/Plataforma de Gestão de Indicadores
O Programa Brasil Alfabetizado foi implementado em diferentes intensidades segundo as unidades federativas brasileiras. Ao somar o total de pessoas atendidas pelo programa no período 2003-2014, observa-se a distribuição regional dos beneficiários conforme ilustrado no Gráfico 4.
Destaca-se que regionalmente o número de atendidos pelo programa difere significativamente. A região Nordeste concentra 74% das pessoas atendidas, com maior destaque para os estados da Bahia (18,9%) e Ceará (9,3%). Em seguida, foram atendidas em maior proporção pessoas das regiões Sudeste (10,2%) e Norte (8,2%).
Gráfico 4 – Distribuição dos atendidos pelo Programa Brasil Alfabetizado. Unidades Federativas, 2003-2014
Fonte: Governo Federal/Plataforma de Gestão de Indicadores
Resultados obtidos após a implementação do Programa Brasil Alfabetizado
Ao analisar o período de 2002 a 2014, em que é possível comparar o antes e o depois da implementação do programa, percebe-se que a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais em área rural foi reduzida em 7,6 pontos percentuais, redução mais intensa do que aquela observada em área urbana (2,8 pontos percentuais). Em relação à renda, a taxa de analfabetismo diminuiu mais em termos absolutos entre os 25% mais pobres, tendo uma variação de 9,3 pontos percentuais. Isso é um indício de que a focalização do programa, que atende sobretudo pessoas que se declaram analfabetas no Cadúnico do Programa Bolsa Família, foi bem sucedida. Além disso, em relação a raça/cor o indicador teve maior variação entre os negros e pardos, com redução de 5,6 e 6,2 pontos percentuais, respectivamente.
Assim, entre 2002 e 2014, destaca-se que a redução absoluta da taxa de analfabetismo ocorreu de forma mais intensa nos segmentos onde o fenômeno se manifestou historicamente, demonstrando que o programa afetou os grupos sociais mais vulneráveis, nos quais o analfabetismo se sobrepõe alimentando diferentes dimensões da pobreza (falta de acesso à cidadania plena, marginalidade do mercado formal de trabalho, dificuldade de acesso aos serviços públicos, dentre outras). O esforço do programa, em adição a outros fatores que contribuíram para essa redução, traduziu-se na redução das taxas de analfabetismo, sobretudo nesses grupos. Contudo, percebe-se que em 2014 ainda há uma enorme disparidade entre taxas de analfabetismo rural (20,1%) e urbana (6,3%), entre o quintil mais rico (2%) e o mais pobre (12,6%), e brancos (5%), negros (11,2%) e pardos (11,1%). Assim, o programa, apesar de ter conseguido atingir os grupos mais vulneráveis, ainda precisaria continuar sendo implementado para diminuir mais a desigualdade, que ainda é gritante.
Tabela 1- Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade segundo área domiciliar, renda e raça/cor. Brasil, 2002 e 2014 (Em %)
Fonte: IBGE/PNADs
Os mapas mostram que no período de 2002 a 2014 houve uma grande redução da taxa de analfabetismo no Brasil, com uma variação negativa de 3,6 pontos percentuais. Porém, a evolução do indicador se deu de maneira diferente nas regiões, sendo que no Nordeste houve a maior redução, de 6,8 pontos percentuais. Isso se confunde com os maiores investimentos do Programa Brasil Alfabetizado, cuja concentração foi maior nessa região. No Nordeste, e destacam as variações negativas absolutas nos estados da Paraíba (10,2), Piauí (9,4), Alagoas (9,2) e Bahia (7), que tiveram maior concentração de participantes do PBA. Mesmo assim, a magnitude da desigualdade entre as regiões ainda é relevante, sendo que as taxas em 2014 demonstram uma disparidade nas taxas de analfabetismo, com taxas de analfabetismo de 16,6% no Nordeste e 9% no Norte, em contraste com taxas de 4,4% na região Sul. Ou seja, ainda existe a necessidade de se investir em alfabetização para reduzir as desigualdades regionais.
Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade – 2002
Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade – 2014
Fonte: Elaboração própria a partir de dados das PNADs 2002 e 2014 / IBGE
4- Conclusão
Houve redução do analfabetismo no período após a criação do programa. A redução absoluta da taxa de analfabetismo ocorreu de forma mais intensa nos grupos sociais onde o fenômeno se manifestou historicamente, ou seja, entre a população da área rural, entre os 25% mais pobres e entre os não brancos. Do ponto de vista geográfico, as reduções ocorreram mais intensamente nas unidades federativas da região Nordeste.
Considerando a melhora do indicador e o papel importante papel do Programa Brasil Alfabetizado, não se justifica a sua extinção pelo governo golpista, uma vez que o Brasil ainda não alcançará as metas estabelecidas pela Unesco, as desigualdades entre grupos sociais e regionais ainda estão muito presentes e país se encontra em posição desfavorável ao ser comparado com outros da América Latina.
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