De acordo com reportagem publicada pela Rede Brasil Atual, no dia 3 de setembro a hashtag #ForaTemer superava a #ForaDilma do auge dos protestos antipetistas.

Ano 1 – nº 07 – Setembro 2016

Redes sociais e a votação do impeachment

De acordo com reportagem publicada pela Rede Brasil Atual, no dia 3 de setembro a hashtag #ForaTemer superava a #ForaDilma do auge dos protestos antipetistas. A constatação é do coordenador do Laboratório de Estudos sobre Internet e Cibercultura (Labic), na Universidade Federal do Espírito Santo, Fábio Malini, em artigo publicado em Medium. Ele mostra que entre os períodos comparados – 8 a 16 março de 2015 e a semana do julgamento do impeachment, as manifestações contra Temer superam em 59% as contra Dilma.

A equipe responsável pelo monitoramento de redes sociais da Fundação Perseu Abramo coletou do twitter 644.695 citações entre os dias 29 de agosto e primeiro de setembro, produzidas por 91.934 usuários. Com a modularização da coleta foram gerados três grande grupos: 1) vermelho, com 30,11% da rede; 2) azul, com 30,05% da rede e; 3) verde, com 24,67% da rede.

O cluster vermelho é de uma rede progressista, marcado pela presença de mídias alternativas como Jornalistas Livres, Mídia Ninja e Viomundo, autoridades de rede como Dilma Rousseff, Carta Capital, Sensacionalista, Cynara Menezes, George Marques, Leonardo Boff, Carta Maior, Opera Mundi, PT Brasil, Ricardope e Huffpost Brasil entre outros.

O cluster azul é formado por autoridades de rede ligadas à direita e/ou reacionárias. É constituído de usuários como Blog do Pim, o_antagonista, Senado Federal, Estadão, G1, Blog do Noblat, Ronaldo Caiado, Ana Paula Vôlei, Implicante_org, Monica Waldvogel, BolsonaroZuero e Cristovam Buarque, entre outros.

O cluster verde é formado por usuários alheios ao embate político marcado por forças de direita/esquerda durante o processo de impeachment, mas abordaram o tema pela repercussão nacional que ele tomou.

Boletim de Análise de Conjuntura 7 - Comunicação

A rede de jornalismo independente Mídia Ninja divulgou que sua página superou, no último dia 8 de setembro, em mais de 400 mil pessoas o engajamento dos conservadores Revista Veja e do movimento Vem Pra Rua, mesmo com menor quantidade de curtidas e sem fazer uso de posts patrocinados, prática comum aos veículos citados. O termo “engajamento” se refere ao total de interações que uma página tem na rede: é a soma das curtidas, dos comentários e dos compartilhamentos de todos os usuários que usufruem do conteúdo, mas também o constroem ativamente, a partir da republicação e colaboração.

Entre dez páginas de notícia no Facebook com mais de um milhão de curtidas, também estão a revista Carta Capital, o site Pragmatismo Político, o portal Catraca Livre e a página Revolution News, especializada na cobertura de manifestações pelo mundo.

A grande imprensa e o impeachment

Após o afastamento definitivo da presidenta eleita Dilma Rousseff, grandes grupos de mídia nacionais expressaram em seus editoriais, porém, com certa desconfiança, a expectativa de que o governo Temer possa de fato levar a cabo as propostas com as quais havia se comprometido no início da interinidade. Sob o título “Fresta de oportunidade”, a Folha de S. Paulo (1/9) publicou: “Para pedir sacrifícios da sociedade, o governo precisará conter salários e benefícios dos estratos superiores do funcionalismo, assunto em que o presidente Michel Temer (PMDB) até agora tergiversou. Subsídios a grandes empresas também devem ser reduzidos. Se Temer falhar em convencer o país de que é capaz de combinar equilíbrio orçamentário com justiça social, sua gestão e sua legitimidade serão rapidamente erodidas”.

Em tom realista, o Valor Econômico publicou editorial intitulado “Temer terá pouca margem para errar”, no qual destacou que a saída de Dilma da Presidência coincidiu com a divulgação da sexta queda consecutiva do Produto Interno Bruto, uma amostra dos desafios que o novo governo terá pela frente. Afirma ainda que a manutenção dos direitos políticos da ex-presidenta é uma contradição, vista por PSDB, DEM e PSD como um acordo “atrás dos panos” entre PT e PMDB. O jornal define Temer como o oposto de Dilma na economia, com propostas de menos intervenção, mais concessões e privatização. E diz que ele tem a seu favor expectativas positivas de empresários e investidores, além de ser um hábil negociador político.

O editorial do jornal O Estado de S.Paulo (31/8) definiu a aprovação do impeachment como o fim da era Lula, descrevendo-o como demagogo: “A partir de agora, será preciso entender como foi possível que tantos tenham se deixado enganar por um político que jamais se preocupou senão consigo mesmo, com sua imagem e com seu projeto de poder”. E concluiu que o grande legado de Dilma para o Brasil, além da mais profunda crise econômica enfrentada pelo país, foi “ajudar a desmascarar Lula e o PT”. Em outro texto (1/9), classifica como “maquinação” o pedido da bancada do PT ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que permitiu votar separadamente a perda do mandato e a perda dos direitos políticos de Dilma, e concluiu que a preservação dos direitos políticos da ex-presidenta é uma “imoralidade”.

Protestos e violência da PM

Em suas edições de 2/9, a Folha e o Estadão esconderam as manifestações contra a aprovação do impeachment e apoiaram a violenta ação da polícia em seus editoriais. Ambos os jornais deram mais destaque aos protestos contra Nicolas Maduro, na Venezuela, aos quais O Estado de S.Paulo dedicou chamada de capa. A Folha noticiou o caso da Venezuela na primeira página do caderno Mundo e colocou o ato de São Paulo na última página do caderno Poder. Já o título “Fascistas à solta” anuncia o teor do editorial que clama mais repressão policial contra os protestos: “Está mais do que na hora de as autoridades agirem de modo sistemático a fim de desbaratá-las (as chamadas patrulhas fascistóides) e submeter os responsáveis ao rigor da lei”.

Na mesma linha vai o texto do Estadão, intitulado “A baderna como legado”, que classifica as manifestações contra o novo governo como revanchistas: “Se as autoridades responsáveis – de modo especial o governador paulista, sempre hesitante nesse assunto – não tiverem a coragem de adotar medidas duras, mas necessárias para impedi-la, essa escalada da violência alimentada pelo ressentimento e pelo revanchismo colocará em risco, real e imediato, as liberdades fundamentais dos cidadãos.”

Em texto emblemático publicado no dia 5/9 sob o título “Dilma insufla o ódio nas ruas e vai morar em Ipanema”, o secretário de redação e colunista da Folha de S.Paulo Vinicius Mota defende novamente a ação violenta da polícia: “De cada cem policiais militares brasileiros, 49 declaram-se pretos ou pardos. Um soldado paulista ganha menos de cinco mínimos mensais. Já protestos de esquerda têm menos pretos e pardos. A renda do militante supera a de uma família chefiada por um soldado PM e, por muito, a de um lar brasileiro típico. A elite vermelha pretende falar em nome da maioria da população, mas está distante dela. Policiais, desafiados nas ruas a cada manifestação, estão mais próximos da rotina das classes trabalhadoras.”

Internacional

A mídia internacional, como espectadora que é, não bateu o martelo sobre se existe um golpe de Estado no Brasil ou não. Após meses em que os principais jornais levantaram suspeitas sobre os interesses por trás do processo de impeachment, sobre a falta de credibilidade dos julgadores de Dilma Rousseff que, em muitos casos, enfrentavam graves processos por corrupção, esses veículos não abdicaram dos seus posicionamentos, mas deixaram em aberto a conclusão sobre se a retirada de Dilma do poder foi um golpe. O americano New York Times publicou um editorial com a seguinte manchete, “será uma vergonha se a história provar que Dilma tem razão”. O Washington Post afirmou que Temer é impopular e não está claro se ele será capaz de estabelecer as medidas impopulares que propõe.

O diário francês Le Monde foi mais crítico no seu editorial, “o episódio do impeachment não passará para a posteridade como um episódio glorioso da jovem democracia brasileira”, e prossegue: “se foi a corrupção que fez milhões de brasileiros irem às ruas, não será ela que causará a queda de Dilma Rousseff. Pior: os artesãos da sua queda não são coroinhas”. Após relembrar o grampo da conversa telefônica de Romero Jucá, a conclusão é mais incisiva, “se não há um golpe de Estado, há ao menos enganação. E as verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política são, infelizmente, os brasileiros”.

Em uma linha parecida, o também francês Libération afirmou, na reportagem sobre a votação final do impeachment, que a condenação desproporcional “se torna um perigoso precedente que fragiliza a democracia”.

Na Inglaterra, o The Guardian manteve a mesma linha de antes, dizendo que não se pode querer concentrar todos os problemas do país em uma mulher. A finalização foi mais crítica, “Muitos dos que estão felizes com a queda dela são aqueles que esperam ser poupados da ação de juízes anticorrupção. Agora, é ver se Temer é capaz de dar ao país o que ele quer”.

Enquanto a decisão dos senadores foi alvo de críticas, o depoimento de Dilma Rousseff diante do Senado foi bem recebido pela imprensa internacional. As palavras da ex-guerrilheira, torturada e que viu a morte de perto foram repetidas mundo afora, em todos os jornais. Cada um deles separou um trecho impactante com denúncias do golpe de Estado em curso, com a promessa de luta contra esse governo ou com lembranças do período da ditadura militar.

A cobertura do processo de impeachment ainda teve a participação de professores e analistas. O New York Times ouviu a professora de Ciências políticas Amy Erika Smith, da Universidade Estadual de Iowa, que estuda o Brasil. Ela foi contundente, “essas acusações não atingem o nível do tipo de acusações que levariam a um impeachment”. E adicionou: “Não é um uso legítimo do processo de impeachment”. A professora ainda afirmou que as elites políticas não infringiram a lei, nem subverteram a vontade popular. Eles exploraram a vontade popular e a Constituição para servir aos seus próprios interesses, ao invés dos interesses da democracia.

O Libération ouviu Frédéric Louault, professor de Ciência Política na Universidade Livre de Bruxelas. O professor disse que “esse governo se aproveita de um período de transição para promover reformas que jamais seriam aprovadas pelas urnas”. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung entrevistou Kai Michael Kenkel, especialista em América Latina pela Universidade Católica do Rio de Janeiro, que se disse cético. O professor afirma que Temer não está prevendo nenhuma das reformas estruturais necessárias.

Após o fim do impeachment, as atenções se voltaram para Michel Temer. Todos os jornais consideram que ele chega ao poder muito pressionado. Os fatores de pressão são vários, a base governista que não é sólida, a baixa popularidade que impede que obtenha legitimidade, a oposição prometida por Dilma Rousseff e o risco de novas revelações em investigações sobre corrupção, até porque, já se sabe que ele foi alvo de delações premiadas.

Para consolidar esse entendimento de que a pressão sobre ele é grande veio a abertura dos Jogos Paraolímpicos, na qual ele foi imensamente vaiado. Além disso, tivemos o desfile de 7 de setembro no qual ele se negou a desfilar em carro aberto, mais uma quebra de protocolo tentando fugir de protestos. Os jornais Le Monde e New York Times noticiaram a estranha e desajeitada tentativa de Michel Temer e José Serra de minimizar os protestos contra o governo. As manifestações ainda não estão recebendo grande atenção. Alguns jornais relataram a violência policial contra os manifestantes e contra um repórter da BBC Brasil.

A história do golpe de 2016 ainda está em aberto, o mundo aguarda os próximos acontecimentos. É provável que o maior desafio seja vencer a bolha da informação que existe no Brasil. Enquanto a imprensa mundial coloca o processo de impeachment sob suspeita, a imprensa brasileira, principalmente, a Globo, finge que há uma grande certeza sobre a lisura e a justeza do processo de impeachment. A falsa imparcialidade desse telejornalismo confere aos apresentadores o poder de juízes, que convencem o telespectador sem tomarem posicionamento claro, utilizam como tática o silêncio dos covardes.

 
Boletim de Análise de Conjuntura 7 - Comunicação

 
Boletim de Análise de Conjuntura 7 - Comunicação