Esse é o processo de cassação mais longo desde a criação do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, em 2001

Ano 1 – nº 24 – 14 de setembro de 2016

Câmara cassa mandato de Eduardo Cunha

No dia 12/9, o Plenário da Câmara cassou o mandato do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por 450 votos a favor, 10 contra e 9 abstenções. Cunha era acusado de ter mentido em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, em maio de 2015, quando disse não possuir contas no exterior.

Esse é o processo de cassação mais longo desde a criação do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, em 2001. O caso durou onze meses, com início em 13/10 do ano passado e conclusão na última segunda-feira (12), com a votação que resultou em cassação. Ele é o sétimo deputado a ter o mandato cassado desde a criação do Conselho.

Cunha foi afastado das funções de deputado federal em maio, por tentativa de obstruir as investigações contra ele, e renunciou à presidência da Casa em 7/7, em uma tentativa de tentar salvar o mandato. Com o resultado, Cunha fica inelegível até 2027 e perde também o foro privilegiado. O deputado suplente Marquinho Mendes (PMDB-RJ) será efetivado no cargo.

O processo de votação

Na tentativa frustrada de evitar a cassação do mandato do ex-presidente da Câmara, seus aliados tentaram esvaziar a sessão para derrubá-la por falta de quórum, levando ao adiamento da votação para depois das eleições. O quórum mínimo para abertura da sessão é 51 deputados. São necessários 257 votos para a perda do mandato. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que iniciaria a votação com a presença de, no mínimo, 420 deputados. A sessão teve início com 469 deputados e 42 ausências.

A segunda estratégia para aliviar a condenação de Cunha foi proposta pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS). Marun propôs que, em vez do parecer do Conselho de Ética, que recomendava a cassação do mandato, fosse colocado em votação um projeto de resolução, o que permitiria a apresentação de emenda com pena mais branda, de suspensão temporária de 90 dias a seis meses, o que foi negado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia.

Em sua defesa, Eduardo Cunha negou que mentiu à CPI por não possuir conta no exterior não declarada, alegou que apenas é beneficiário de um “trust” para administrar seus recursos no exterior. Seu advogado, Marcelo Nobre, justificou que não havia provas materiais para cassar o mandato do ex-presidente.

Todas as provas recolhidas e analisadas pelo Conselho de Ética, como extratos bancários, depoimentos de testemunhas e documentos do Ministério Público suíço comprovaram que o parlamentar possui conta, patrimônio e bens no exterior não declarados à Receita Federal. Segundo o relator, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), esses trusts não passam de instrumentos criados por Cunha para evasão de divisas, lavagem de dinheiro e recebimento de propina.

O ex-deputado também reclamou da não aceitação da uma proposta de fatiamento da votação, com uma para a cassação de seu mandato e outra para a perda de seus direitos políticos, usando o mesmo regimento que o Senado fez na votação do impeachment da presidente que Dilma. Segundo ele, isso mostra que sua cassação foi política.

Interpretações e consequências da cassação do mandato

Cunha se identifica como vítima de um processo político, por ter aceito a denúncia de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Sem ele, o impeachment teria ocorrido. Afirma que sua cassação será um troféu para o PT, pois fortalecerá o discurso de que o impeachment é um golpe. Segundo o ex-deputado: “ O discurso do golpe precisa da minha cassação. Isso é o que vai turbinar o PT para 2018”. Segundo o peemedebista ele chegou ao plenário já cassado por opiniões preconcebidas na sociedade. Atribuiu sua expressiva derrota ao fato de a votação ter-se dado em meio ao processo de eleição municipal, o que teria deixado os parlamentares reféns da opinião pública e da mídia. Na sua avaliação, se a votação ocorresse depois das eleições, o resultado seria outro.

O ex-deputado reclama que Janot o investiga como beneficiário de propinas, mas protege o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), delatados no mesmo ação pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, além do o senador cassado Delcídio do Amaral. Alega que a ação penal que deveria ser indivisível, segundo o Código Penal, foi aberta apenas contra ele e cita também o ex-ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, ligado ao senador Edison Lobão (PMDB-MA) e ao ex-presidente da República José Sarney.

Ele  criticou a gestão do governo e o acusou de ter se associado ao PT e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para derrubá-lo. Fez análises pessimistas sobre o governo Temer, por haver se aliado ao PSDB/DEM , perdedores das eleições de 2014, alertando que estes não reconhecem o governo como legítimo e que “É uma armadilha”. Até Cunha reconhece que não se pode esperar fidelidade de governo golpista.

Para que justificar o afastamento de Dilma, ainda que baseado no conjunto da obra, é necessário que o governo golpista se mostre implacável com a corrupção, no que a cassação de Cunha cumpre essa função. Acontece que Cunha liderou a maior bancada, foi bajulado por todos os partidos, presidiu a Câmara e teve na mão, sob seu controle, cerca de 200 deputados. Não será tão fácil se livrar dele.

O ex-deputado tem planos de contar em um livro os bastidores do impeachment da presidente Dilma Rousseff e está procurando uma editora para publicá-lo:  “A sociedade merece conhecer toda a verdade”, ameaçou Cunha.

Com a perda do mandato, Cunha perde também o foro privilegiado e deve ser julgado pelo juiz Sérgio Moro, da força-tarefa da Operação Lava Jato. Eduardo Cunha sabe de muita coisa. Se disser tudo o que sabe, metade do Congresso cai junto com ele.

* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade de sua autora,
não representando necessariamente a visão da FPA ou de seus dirigentes.

 

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