As políticas desenvolvidas entre 2013 e 2016 na gestão municipal de São Paulo, em relação à segurança alimentar e nutricional, estiveram articuladas à estratégia nacional do governo brasileiro, especialmente nas gestões de Lula e Dilma. Por conseguinte, antes de aprofundarmos o conhecimento da política de segurança alimentar e nutricional planejada e executada nos últimos quatro anos na cidade de São Paulo, cabe uma contextualização do tema no cenário nacional.

1- A conquista do Brasil em sair do Mapa da Fome
Em 2014, o Brasil comemorou o feito histórico de ter saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura (FAO)1. Com isso, o Brasil contribuiu para alcançar um dos oito objetivos do Desenvolvimento do Milênio2 que as Nações Unidas fixaram até 2015, com vistas à melhoria da qualidade de vida da população do Planeta.

O Mapa da Fome inclui todos os países que possuem 5% ou mais de sua população em condições inferiores aos parâmetros nutricionais mínimos definidos por essa organização. A exclusão de nosso país do Mapa da Fome somente ocorreu devido à execução planejada de uma série de programas articulados em uma política que promoveu o crescimento econômico, a elevação da renda dos mais pobres e o aumento da oferta de alimentos.

A saída do Mapa da Fome é consequência da redução da pobreza. Entre 2004 e 2014, o Brasil reduziu em cerca de 50% a parcela da população que passa fome. Por sua vez, a pobreza caiu de 24,3% para 8,4% entre 2001 e 2012, enquanto a pobreza extrema também foi reduzida de 14% para 3,5%.

As razões fundamentais para o Brasil ter conseguido sair do Mapa da Fome e reduzido a pobreza residem no conjunto de medidas voltadas à diminuição da pobreza e à inclusão social. Entre as quais: a) a implementação de estratégias e programas como o Fome Zero e o Bolsa Família; b) a ampliação do acesso a serviços públicos em áreas como saúde, educação e moradia; c) as políticas que estimularam a geração de empregos; d) a Política de Valorização do Salário Mínimo; e) o fomento à agricultura familiar e à produção agrícola, com destaque ao pequeno agricultor; f) o Programa de Aquisição de Alimentos (com base no qual a Organização para a Alimentação e a Agricultura da ONU (FAO) criou um programa mundial de alimentação, dez anos após o início da implantação do programa brasileiro); g) a ampliação e aperfeiçoamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Para realizar a política de combate à fome, e o cumprimento do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), o Brasil estruturou um arcabouço programático e legal. O DHAA é assegurado pela Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional nº 64, de 2010, que inclui a alimentação como direito do cidadão. Em 2006, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que busca promover a formulação da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (San). Por sua vez, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (Pnan), atualizada em 2011, objetiva melhorar as condições de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira, mediante a promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, a vigilância alimentar e nutricional, a prevenção e o cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição3.

A execução da DHAA requer a formulação e implantação de estratégias nacionais, regionais e locais efetivas de combate à mortalidade relacionada à alimentação inadequada e ao sedentarismo, de forma a garantir aos cidadãos a capacidade de fazer escolhas saudáveis em relação à alimentação e à atividade física4.

Registre-se que, apesar dos expressivos avanços verificados, persiste ainda em todo o país, nas áreas rurais e urbanas, uma realidade social extremamente desigual e socialmente perversa, marca secular da realidade social brasileira. Em que pese a melhoria dos indicadores sociais em geral, ainda são chocantes os números da desigualdade – números que inclusive podem retroceder aos verificados nas décadas anteriores aos governos de Lula e Dilma.

Esta preocupação se deve às políticas socialmente excludentes conduzidas atualmente pelo governo de Michel Temer, tais como: a redução ou eliminação de programas sociais como Bolsa Família, Política de Valorização do Salário Mínimo, “Minha Casa, Minha Vida” e Fies; a proposta de emenda constitucional, a ser enviada ao Congresso, estabelecendo a criação de um teto automático para o crescimento dos gastos públicos, de forma que se limite a zero os aumentos reais dos gastos orçamentários; a Reforma da Previdência, com regras mais restritivas à aposentadoria e outros benefícios; a intenção de flexibilizar a CLT e retirar direitos, entre outras.

Em suma, avançamos nos períodos de gestão de Lula e Dilma, mas são grandes os bolsões de miséria e de fome em nosso território. Os programas sociais estruturados desde 2003 deveriam ser continuados e fortalecidos. Contudo, com o ilegítimo impeachment da Presidenta Dilma, a tendência é retrocedermos em nível nacional. É essencial que nas demais esferas (Estados e municípios), sejam, na medida do possível, preservados e ampliados os avanços nesta área.

O município de São Paulo, a maior cidade da América Latina, possui grandes desigualdades e bolsões de exclusão. As políticas da gestão municipal 2013-2016 enfrentaram diretamente esta questão social, com resultados claros e eficazes.

É sobre a realidade paulistana no campo da segurança alimentar e nutricional, e as políticas de segurança alimentar e nutricional no município, que passamos a tratar a seguir.

2- A questão nutricional na cidade de São Paulo
As condições de renda, habitação, escolaridade, acesso ao transporte e à saúde variam significativamente entre os diferentes territórios da cidade. Os extremos periféricos nas zonas sul e leste são os que apresentam maior vulnerabilidade social no tocante aos aspectos mencionados, mas os contrastes marcam todos os quadrantes da cidade. No campo da segurança alimentar e nutricional, esta desigualdade também se manifesta.

Entre as pessoas e grupos sociais que recebem renda, as dificuldades em manter uma alimentação em quantidade e qualidade satisfatória, são grandes. O baixo nível de renda da grande maioria da população é obstáculo difícil de ser superado para se manter uma alimentação regular e saudável. Estudos indicam que somente a despesa com alimentação absorve 28% da renda das famílias que ganham até R$ 830,00 mensais.

Evidentemente, o quadro da carência nutricional é ainda mais dramático para os segmentos sociais mais vulneráveis da população paulistana, como são os 15 mil moradores de rua que existem hoje na Cidade de São Paulo, segundo estimou o Censo Fipe 2015.

Em que pese o tamanho da pobreza e da fome em São Paulo, as gestões municipais da cidade, na década passada, permaneceram inertes em relação às diretrizes e planos estratégicos de âmbito federal. Isto somente veio a se alterar com a gestão 2013/2016. A partir daí, desencadeia-se um processo de superação do atraso relativo da cidade em relação aos processos em andamento na esfera federal.

3- A Política de Segurança Alimentar e Nutricional da gestão municipal 2013-2016
Em 26 de junho de 2015, durante a abertura da VI Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, a atual gestão municipal de São Paulo assinou a adesão do município ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). O Sistema atribui ao município a responsabilidade de adotar ações que permitam respeitar, proteger e promover o direito à alimentação adequada.

Este Sistema organiza as ações na área da segurança alimentar e nutricional e a articulação entre o poder público e a sociedade civil para a gestão de políticas públicas voltadas à alimentação. Ele estimula também o trabalho integrado entre entes federados, sociedade civil e instituições privadas (com ou sem fins lucrativos).

Assim, o Sistema busca, por exemplo, favorecer a pequena produção familiar e, ao mesmo tempo, melhorar a alimentação fornecida aos alunos da rede pública de ensino da capital.

A adesão ao Sisan dá sequência a um conjunto de políticas que, desde o início da gestão em 2013, vem sendo implementadas. É o caso, por exemplo, do forte empenho que a cidade passou a ter na busca do cumprimento da Lei federal 11.947 de 2009. Esta Lei estabelece que 30% dos alimentos da merenda escolar devem ter como origem pequenos produtores.

Esta importante Lei, no entanto, não vinha sendo cumprida na cidade, visto que, em 2012, era de 1% apenas o percentual de alimentos da agricultura familiar no total da merenda escolar.

A partir da gestão 2013/2016, e com as políticas executadas nesta área, o referido percentual na cidade de São Paulo passou de 1% para 7% em 2013, 13% em 2014; 23% em 2015; e já se encontra próximo de 30%.

Na visão desta gestão municipal, o cumprimento dessa meta não é apenas uma obrigação legal. Trata-se de uma forma de distribuir renda, de um lado, e melhorar as condições de saúde do outro. Isto porque, em uma ponta, a Prefeitura compra o alimento de quem precisa produzir e vender; na outra, o mesmo Poder Público fornece alimento saudável para as crianças nas escolas e creches da cidade. Há, portanto, forte aderência deste Programa com as diretrizes da estratégia nacional que vigorava até o final de 2014.

Um passo adicional foi dado, no mesmo ano de 2015, com a inclusão da merenda escolar da alimentação orgânica. A Lei Municipal 16.140/2015 obriga o município de São Paulo a, gradualmente, ampliar a cota do alimento orgânico na merenda escolar. Isto também amplia as oportunidades de emprego na área rural e propicia melhoria da saúde para os alunos das escolas públicas.

Estas duas iniciativas, entre outras, alinharam o município de São Paulo com as estratégias e diretrizes federais no tocante à segurança alimentar e nutricional. Nas próximas seções deste artigo, são indicadas as ações institucionais, os programas e as iniciativas concretas em andamento para alcançar maior efetividade nessa orientação em São Paulo.

3.1 – Estrutura legal e institucional
Em 18 de dezembro de 2013, o município de São Paulo promulgou a Lei nº 15.920, lançando as bases para a implantação e consolidação da Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, que atribui à municipalidade o dever de garantir gradativamente a alimentação adequada e saudável para sua população. O Decreto Municipal no 57.007, de 20 de maio de 2016, instituiu a Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (PMSAN) e fixou as diretrizes para o Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, de acordo com a referida lei.

A Câmara Intersecretarial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan-Municipal), criada pelo Decreto nº 55.868, de 23 de janeiro de 2015, é o órgão municipal responsável por articular as secretarias municipais para a efetivação da intersetorialidade no que diz respeito às ações de SAN e elaborar o Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional. Este Plano é fruto dessas articulações e nele se efetivam as demandas sociais referentes à SAN.

Para o controle e participação social na gestão e implementação dessa política, o município possui o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comusan-SP), reestruturado de acordo com a lei nº 15.920 (regulamentada pelo Decreto nº 55.867, de 23 de janeiro de 2015). Este órgão é formado por 2/3 de integrantes da sociedade civil e 1/3 do poder público. A presidência do Conselho é da sociedade civil, garantindo assim maior atuação a esse segmento. A função do Conselho é propor, acompanhar e fiscalizar as ações governamentais voltadas ao tema.

Mais recentemente, o Decreto nº 56.399, de 9 de setembro de 2015, criou a Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional (Cosan), no âmbito da Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo. Dentre as suas atribuições, destacam-se: a) coordenar e assessorar a implantação e o funcionamento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) no âmbito do município; b) contribuir para a formulação de política adequada de abastecimento e de incentivo à produção urbana e rural de alimentos; c) promover ações de segurança alimentar e nutricional para a cidade, d) em parcerias com a sociedade civil e outras esferas de governo; e) prestar apoio técnico e administrativo para o funcionamento da Câmara Intersecretarial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comusan); f) gerir e fiscalizar os mercados, sacolões, centrais de abastecimento e feiras livres do município; g) formular diretrizes e estratégias para as políticas de desenvolvimento agrícola do município, dentre outras.

A seguir, descrevem-se os principais programas e ações na área da segurança alimentar e nutricional da atual gestão municipal, realizados ou em andamento. Ressalve-se, desde logo, que esse conjunto de programas e ações inclui a política de desenvolvimento rural sustentável. Esta política, porém, não será aqui tratada, porque já foi objeto de artigo especifico de nossa parte.

3.2- Centros de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional
Os Centros de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (Cresan) estão previstos na Meta 13 da gestão municipal de São Paulo 2013-2016 e têm como finalidade assegurar o compromisso do governo municipal no combate à exclusão social e no estímulo aos hábitos alimentares saudáveis da população. O espaço tem como principais objetivos a matricialidade da ação governamental e a ampliação, pesquisa e monitoramento dos diversos aspectos da segurança alimentar e nutricional. Atualmente, a cidade conta com duas unidades: Vila Maria e Butantã.

O Cresan-Vila Maria foi criado durante a VI Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, ocorrida em 2015 – Conferência esta que contou com mais de 1.100 participantes.

Os Cresans são equipamentos voltados para a formação de gestores de diversas áreas (Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, etc) visando a atuação na área de Segurança Alimentar e Nutricional. O objetivo da formação é de que a abordagem da segurança alimentar e nutricional seja incorporada nas ações das áreas, e, com isto, fomentar a matricialidade no combate à insegurança alimentar e nutricional.

Além disso, os Cresans oferecem à comunidade local atividades ligadas à alimentação saudável; a geração de renda por meio da alimentação; gincanas com crianças das escolas do entorno, entre outras.

Vale destacar que no Cresan-Vila Maria há o Banco de Alimentos. Os demais Cresans, além das finalidades já mencionadas, também são utilizados como entrepostos para a distribuição de alimentos para comunidades socialmente vulneráveis, reduzindo, assim, o tempo e os gastos.

3.3- Programa Banco de Alimentos
O desperdício de alimentos está entre os maiores problemas existentes nas grandes cidades e é apontado por especialistas como um dos principais fatores para persistência da fome no mundo. Constitui grande desafio colocado ao poder público adotar ações para o combate ao desperdício.

O Banco de Alimentos da cidade de São Paulo foi criado pela Lei nº 13.327, de 13 de fevereiro de 2002, e regulamentado pelo Decreto nº 42.177, de 11 de julho de 2002. Este programa tem um duplo propósito: a) o combate ao desperdício de alimentos, por meio da arrecadação de alimentos ao longo da cadeia produtiva e de doações de parceiros; b) a garantia do acesso das famílias em vulnerabilidade social aos alimentos.

O objetivo mais abrangente é contribuir na redução da fome e subnutrição de pessoas economicamente carentes, com o aproveitamento de alimentos excedentes em perfeitas condições de consumo, por meio de repasse gratuito para instituições sociais sem fins lucrativos, idôneas e constituídas como pessoa jurídica, bem como ações de promoção social e de segurança alimentar e nutricional.

Os objetivos mais específicos do Banco de Alimentos são:
a) Manter programa permanente de combate ao desperdício de alimentos por intermédio da capacitação e distribuição de produtos alimentícios para instituições cadastradas; complementar a alimentação servida em instituições sociais, creches, instituições de longa permanência, albergues, abrigos, entre outros, conforme o conceito de segurança alimentar e nutricional;
b) promover a responsabilidade social das empresas, principalmente das áreas de produção, distribuição e comercialização de alimentos, por meio do redirecionamento dos alimentos doados;
c) garantir a máxima qualidade dos alimentos desde sua doação até seu consumo final;
d) capacitar os funcionários das instituições cadastradas, por meio de cursos, treinamentos, palestras, estágios, oficinas, dentre outros, para questões ligadas à Segurança Alimentar e Nutricional;
e) incentivar trabalhos interdisciplinares com outras secretarias municipais, para troca de informações, experiência e novas proposições.

A estrutura do Banco de Alimentos é constituída por caminhões para coleta e distribuição dos alimentos; espaços adequados para o armazenamento e manipulação de alimentos; câmara fria para armazenamento de alimentos in natura; cozinha experimental para cursos de aproveitamento integral dos alimentos.

O trabalho do Banco de Alimentos envolve: a) busca ativa de entidades socioassistenciais que trabalham com a garantia de alimentação; b) cadastro dessas entidades; c) capacitação das entidades; d) captação de alimentos; e) armazenamento; f) distribuição.

Atualmente, no Banco de Alimentos, estão cadastradas 338 entidades que atendem a vários segmentos da sociedade, tais como crianças, adolescentes, idosos, migrantes, pessoas em situação de rua, transplantados e dependentes químicos, resultando em mais de 40 mil famílias beneficiadas.

Há ainda os atendimentos internos, nos quais as entidades não realizam distribuição de alimentos para as famílias, mas os utilizam nas refeições da própria entidade. É o que acontece, por exemplo, nos Centros Educacionais Infantis (CEI’s). Estes atendimentos beneficiam mais de 54 mil pessoas. O volume de doações e compras de 2015 totalizam mais de 967 toneladas de alimentos.

A tabela abaixo mostra a estratificação por idade e total de pessoas atendidas pelo Banco de Alimentos da cidade de São Paulo

3.4- Adesão ao Programa Federal de Aquisição de Alimentos (PAA)
Em 2013, a Prefeitura de São Paulo assinou o Termo de Adesão do Programa Federal de Aquisição de Alimentos (PAA). De acordo com a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, este programa do governo federal, criado em 2003:

“é uma ação do governo federal para colaborar com o enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil e, ao mesmo tempo, fortalecer a agricultura familiar. Para isso, o programa utiliza mecanismos de comercialização que favorecem a aquisição direta de produtos de agricultores familiares ou de suas organizações, estimulando os processos de agregação de valor à produção. Parte dos alimentos é adquirida pelo governo diretamente dos agricultores familiares, assentados da reforma agrária, comunidades indígenas e demais povos e comunidades tradicionais, para a formação de estoques estratégicos e distribuição à população em maior vulnerabilidade social. Os produtos destinados à doação são oferecidos para entidades da rede socioassistencial, nos restaurantes populares, bancos de alimentos e cozinhas comunitárias e ainda para cestas de alimentos distribuídas pelo governo federal. Outra parte dos alimentos é adquirida pelas próprias organizações da agricultura familiar, para formação de estoques próprios. Desta forma é possível comercializá-los no momento mais propício, em mercados públicos ou privados, permitindo maior agregação de valor aos produtos. A compra pode ser feita sem licitação. Cada agricultor pode acessar até um limite anual e os preços não devem ultrapassar o valor dos preços praticados nos mercados locais. (…) O PAA é executado com recursos dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em parceria com estados, municípios e com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)”.

Assim, a parceria com a Prefeitura de São Paulo viabiliza a compra de alimentos oriundos da Agricultura Familiar. Estes são armazenados no Banco de Alimentos, de onde são distribuídos às entidades cadastradas, cumprindo, assim, dois objetivos: 1) a valorização da Agricultura Familiar, pois a garantia de mercado para seus produtos reforça o compromisso com o desenvolvimento local e garante a manutenção do produtor no campo; 2) a garantia de acesso das famílias em vulnerabilidade social a alimentos saudáveis, por via das entidades cadastradas, que fazem  a distribuição dos alimentos.

Ainda por meio do PAA, o Banco de Alimentos, a partir de 2015, passou a distribuir alimentos in natura. Essa parceria com o governo federal levou a uma melhoria na qualidade dos alimentos distribuídos. Também aumentou o número de entidades cadastradas e o total de pessoas atendidas, que passaram, respectivamente, para 349 e 215 mil.

A evolução das doações e a sua composição podem ser aferidas na tabela e no gráfico a seguir

Fonte: PMSP, SDTE.

Cabe esclarecer que a redução ocorrida em 2014 deveu-se à intervenção física realizada para transformar o Banco de Alimentos em Centro de Referência, atendendo exigências higiênico-sanitárias. Outra observação é que os números referentes a 2016 compilam os resultados até junho, o que permite projetar novo incremento para o total anual, comparativamente a 2015.

3.5- Reformas de mercados e sacolões municipais; retomada do caráter social desses espaços
O abastecimento público de alimentos da cidade de São Paulo é, hoje, realizado a partir de 880 feiras livres, quinze mercados e dezessete sacolões municipais. No intuito de dinamizar os espaços dedicados ao abastecimento alimentar e atrair a população para a sua utilização nas compras de alimentos e outros artigos, a Prefeitura de São Paulo, na gestão 2013-2016, tem investido na reforma e adequação dos mercados e sacolões da cidade.

Registre-se também que está em andamento projeto de retomada do caráter social desses espaços, por meio da oferta de uma cesta de alimentos com preços inferiores ao praticado em estabelecimentos privados.

O referido projeto se concretiza por meio do Programa “Quinta da Economia”, que estabelece o tabelamento de uma lista de produtos com preços de até R$ 2,99/kg às quintas-feiras.

Segundo levantamento do ICV do Dieese realizado em maio de 2016, se comparados os preços praticados pelos mercados com os preços tabelados pelo Programa, a economia representa 17,3% do salário mínimo líquido. Isto propicia maior consumo de alimentos saudáveis pela população de baixa renda.

Esse programa atende uma demanda da sociedade civil, que apareceu em várias propostas da VI Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, já mencionada.

O projeto de retomada do caráter social de mercados e de sacolões complementa-se com a inserção gradativa de produtos advindos da agricultura familiar em boxes que se encontram em desuso nesses espaços.

3.6- Ampliação de feiras livres, feira livre modelo, feiras orgânicas e agricultura familiar
Em 2015, foi lançado edital de chamamento público nº 01 da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da cidade de São Paulo, com vistas a ocupar espaços ociosos em feiras livres já existentes. Este edital viabilizou a presença de 161 feirantes novos nos bairros da cidade e ampliou o acesso aos alimentos.

As feiras livres possuem aspecto positivo, por propiciar o acesso localizado dos munícipes a alimentos. Por outro lado, é sabido que elas também podem exercer impacto negativo no tocante à mobilidade urbana. De fato, uma feira com 60 barracas ocupa um grande tempo para montagem, desmontagem e limpeza, tornando inacessível o acesso veicular às residências, bem como o trânsito de passagem, no local de sua ocorrência.

Essa constatação levou a atual gestão municipal a criar um novo modelo de feira, com as seguintes características: tamanho reduzido; padronização nas saias e coberturas das barracas; lixeiras para coleta de lixo; áreas ampliadas para alimentação; controle de qualidade de produtos.

Esse novo padrão de feira permite maior agilidade, além de exercer menor impacto na mobilidade urbana. Ele também contribui para coibir a permanência do comércio irregular.

Além disso, São Paulo conta com seis feiras de produtos agroecológicos e orgânicos para o escoamento da produção advinda das áreas rurais da cidade. Duas delas – Largo da Batata e Mercado Central Orgânico – foram implantadas na atual gestão. As outras quatro são: Santo Amaro, Parque Ibirapuera, Burle Marx e a Feira da Agricultura Limpa, no Parque do Carmo.

Desde 2014, foram realizadas ainda três edições anuais da Feira da Agricultura Familiar, com o envolvimento de dez cooperativas. Estas feiras têm por objetivo aproximar o produtor rural familiar dos consumidores e garantir preços mais acessíveis.

Por último, está em vias de publicação o decreto que irá modernizar as Feiras Livres, padronizando os espaços e barracas de cada feirante e a inserção de banheiros químicos para uso dos feirantes e usuários.

3.7- Cursos de gastronomia, alimentação saudável e geração de renda em equipamentos públicos
A atual gestão, por meio do Departamento de Educação Alimentar e Nutricional da Cosan, tem realizado em escolas, mercados municipais e centros de referência, cursos, oficinas e palestras voltadas para a alimentação em seus mais variados aspectos: desperdício de alimentos, geração de renda, gastronomia, alimentação saudável, etc. Destacamos os seguintes cursos: Cursos de Iniciação Culinária, Cursos de Pães Caseiros, Curso de Sanduíches, Oficina de Culinária – Tortas, Oficina de Culinária – Páscoa, Curso de Aproveitamento Integral de Alimentos em parceria com o Sesc, entre outros.

3.8- Parcerias para consolidação da segurança alimentar e nutricional na cidade de São Paulo
Foram firmadas parcerias com instituições de ensino e outros órgãos, com o objetivo de consolidar a segurança alimentar e nutricional no município. Entre as parcerias, destacam-se: Termo de Cooperação com a Unesp para realização de cursos em SAN; Termo de Cooperação com a USP para estagiários em nutrição; Termo de Cooperação entre cidades da Região Metropolitana de São Paulo para cooperação técnica, troca de experiências e formação da Rede Metropolitana de Bancos de Alimentos; Pacto de Milão sobre Políticas Públicas de Alimentação em Meio Urbano, do qual São Paulo é signatária.

Além disso, no início de 2016, São Paulo preparava-se para ser a primeira cidade brasileira a firmar o Pacto Nacional para Alimentação Saudável como o governo federal. Lamentavelmente, a suspensão do mandato legítimo da Presidenta Dilma Rousseff, em processo parlamentar que impôs um impeachment sem crime de responsabilidade – o que constitui golpe institucional –, colocou em suspenso essa perspectiva. Não é crível que o novo governo, fruto dessa interrupção, dê sequência à iniciativa anteriormente em andamento. Essa é mais uma perda, entre tantas, ocasionada pelo golpe em curso durante a elaboração deste artigo.

4- Desafios
Nesta parte final, cabe inicialmente sublinhar que a política de segurança alimentar e nutricional, nesta gestão municipal, está articulada a uma Política de Desenvolvimento Rural Sustentável, que apresenta soluções e caminhos para a agricultura familiar e periurbana e, entre outros pontos, contribui para a alimentação de parcela da população urbana, a geração de trabalho e renda e a promoção de inovação de práticas de desenvolvimento que não comprometam os recursos para as novas gerações. A Política de Desenvolvimento Rural e Sustentável na cidade de São Paulo já foi objeto de artigo de minha autoria publicado no portal da Fundação Perseu Abramo, em 1/4/2016.  Por isto, esta política não foi aqui tratada.

A experiência realizada por meio da política de SAN tem permitido observar pontos que se constituem em desafios para esta e a próxima gestão municipal. Entre eles, destacamos as seguintes necessidades:
a) enfrentar as pressões crescentes para a desregulação do abastecimento público nas grandes metrópoles, no bojo do processo de privatização dos espaços públicos. A desregulação prejudica a efetivação de uma política de inclusão social e combate à fome;
b) implementar articulações metropolitanas, envolvendo municípios conurbados;
c) territorializar as ações, direcionando-as às características e lacunas de cada porção do território municipal;
d) levantar e organizar dados para embasamento das ações;
e) produzir indicadores para medição dos resultados e consequente validação, ajuste ou substituição dos projetos e ações;
f) divulgar e educar sobre a relação entre a grande disponibilidade de alimentos processados e ultraprocessados nas periferias e o problema da obesidade e outras doenças crônicas ligadas aos maus hábitos alimentares;
g) identificar a vocação de cada território nas diferentes dimensões da Segurança Alimentar e Nutricional;
h) produzir alimentos, por meio da Agricultura Urbana e Periurbana;
i) formar Microempreendedores/grupos de consumo.

5- Considerações finais
Por fim, cabe concluir que são expressivos os avanços realizados na Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional na Gestão 2013-2016 da cidade de São Paulo. Por meio dessa política temos ampliado o acesso social à alimentação saudável, bem como temos promovido a geração de trabalho e renda para famílias de pequenos agricultores.

Ao mesmo tempo, verifica-se que essa política pode e deve ser aprofundada, inclusive com o debate e o enfrentamento das questões levantadas no item anterior. Essa política articula-se com a promoção da agricultura sustentável, o combate à fome e à desnutrição, o estímulo ao empreendedorismo e ao associativismo. Portanto, ela exerce um papel importante no conjunto das políticas de desenvolvimento local e sustentável do município de São Paulo.

Artur Henrique da Silva Santos é Secretário Municipal do Desenvolvimento, Trabalho, Empreendedorismo e Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de São Paulo.

Notas:
1. Ver em https://nacoesunidas.org/crescimento-da-renda-dos-20-mais-pobres-ajudou-brasil-a-sair-do-mapa-da-fome-diz-onu/.
2. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
3. Cf. Portaria no 2.715, de 17/11/2011.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. (Série B. Textos Básicos de Saúde).

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