Impactos da gestão do governo interino Temer no Programa Mais Médicos

Ano 1 – nº 06 – Agosto 2016

O Programa Mais Médicos

Lançado em 2013 com o objetivo de suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil, o programa leva atualmente mais de dezoito mil médicos para estas regiões. O Mais Médicos evoluiu de uma experiência de 2011, quando o Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (Provab) visava contar com cerca de treze mil profissionais, no entanto atingiu apenas 30% da demanda com médicos formados exclusivamente no Brasil. Assim, o PMM buscou superar tal desafio por meio de contratação de profissionais formados no exterior via cooperação com o governo cubano, intermediada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Desta forma, o programa conta atualmente com médicos oriundos da cooperação com Cuba (67,7% do total de profissionais), médicos com CRM brasileiro e do Provab (23,5%) e médicos intercambistas (8,8%) formados no exterior.

São objetivos do programa também a criação de novos cursos e vagas universitárias de medicina, a ampliação de novas vagas de residência médica e construção e reforma de Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os profissionais atuam na Atenção Básica e nas equipes de Saúde da Família.

Atenção Básica e estratégia de Saúde da Família

A Atenção Básica em saúde é a principal “porta de entrada” dos usuários nos sistemas de saúde. Trata-se do atendimento inicial em saúde e se caracteriza por um conjunto de ações que abrange a promoção e a proteção da saúde, com o objetivo de prevenir doenças, evitar casos de agravos e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores em complexidade. A atenção básica organiza o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais simples aos mais complexos, e permite, por si só, que cerca de 80% dos problemas de saúde sejam resolvidos. Em geral o atendimento é feito próximo à residência dos usuários, em equipamentos como as Unidades Básicas de Saúde, ou ainda por equipes de Saúde da Família (eSF).

A estratégia de Saúde da Família atende cerca de 134 milhões de pessoas e leva serviços de saúde multidisciplinares às comunidades por meio do acompanhamento de profissionais como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, especialistas em saúde da família e agentes comunitários de saúde. Tais equipes também podem contar com dentistas ou técnicos de saúde bucal. Fazem o acompanhamento de no máximo quatro mil famílias por equipe e estão sempre referenciadas a uma Unidade Básica de Saúde.

Problemas da cooperação

De acordo com diversas mídias, a relação do “novo governo” brasileiro com o governo cubano em relação à operacionalidade e continuidade da cooperação no Programa Mais Médicos está abalada, colocando em risco a substituição de 2.400 médicos cubanos, que deverão retornar a Cuba após as eleições, bem como a totalidade de mais de onze mil profissionais do país que possuem como data para expiração do vínculo o mês de setembro de 2017.

Do lado brasileiro, atualmente, não há simpatia e habilidade diplomática, além de haver interesse em reduzir a participação de profissionais cubanos no programa. Já do lado cubano existe a preocupação de que alguns termos da parceria sejam revistos, como a remuneração dos profissionais, devido à desvalorização da moeda de 2013 para cá, a remuneração diferenciada para os profissionais que atuam em áreas isoladas e de maior risco, caso de muitos profissionais cubanos, que trabalham em regiões onde os médicos brasileiros possuem resistência em trabalhar, além de outras considerações não expostas publicamente pela vice-ministra de Saúde Pública de Cuba, Marcia Cobas Ruiz.

A consequência da não continuidade da cooperação pode ser drástica para a atenção básica do país, pois o PMM hoje assiste pouco menos de 63 milhões de pessoas. Como os profissionais cubanos atualmente representam a maioria dos profissionais, teríamos um universo de quase 38 milhões de pessoas desassistidas a partir de então.

Presença nos estados da federação

Conforme observa-se na Tabela 1, o PMM atualmente está presente em todos os estados da federação e em 4.058 municípios brasileiros, cerca de 72,9% do total. As regiões Norte, com 82,4%, e Nordeste, com 78,4%, são as que possuem maiores proporções de municípios pactuados. Já a região Sudeste, com 61,8% de seus municípios aderidos, é a que possui o menor percentual.

Nestes municípios e em mais 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas estão distribuídos 18.240 médicos do programa. As regiões que possuem maior quantidade de profissionais são a Nordeste, com 6.504 médicos, e Sudeste, com 5.298, concentrando praticamente dois terços do total de profissionais do programa. A região Centro-Oeste é a que possui menor quantidade de profissionais, 1.318.

Das 62,9 milhões de pessoas assistidas atualmente pelo programa, 22,4 milhões estão no Nordeste, 18,3 no Sudeste, 10 no Sul, 7,6 no Norte e 4,5 na região Centro-Oeste.

Cobertura geográfica do programa e possíveis impactos negativos

Na figura 1 observam-se dois mapas. O primeiro mostra o território brasileiro praticamente coberto por municípios aderidos ao programa. São apenas 1.012 cidades que não possuem demanda ou não aderiram a esta política. É possível notar manchas de menor cobertura nos estados de Tocantins (apenas 53,2% de municípios aderidos), Minas Gerais (59,8%), São Paulo (59,7%), Piauí (66,5%) e Goiás (67,55%), apesar de São Paulo e Minas Gerais serem dois dos três estados com maior número de profissionais do programa, com 2.528 e 1.556 respectivamente.

No segundo mapa da figura 1, estimou-se a futura cobertura do Programa Mais Médicos caso a cooperação com o governo cubano não seja continuada, e o impacto é grande. Nota-se que os números praticamente se invertem, com apenas 1.569 municípios atendidos pelo programa e 4.001 descobertos. Apenas os estados do Ceará, Distrito Federal, além do Pará e Amazonas, por terem municípios territorialmente grandes, apresentam metade ou mais de seus territórios cobertos pela parceria. Todos os demais estados sofreriam drasticamente pela redução do atendimento, o que causaria, além de desatendimento, uma sobrecarga no sistema público de atenção básica atual.

A distribuição da população atualmente atendida pelo PMM é demonstrada no primeiro mapa da figura 2, e percebe-se o contorno de cidades com as tonalidades laranja e marrom (acima de dez mil pessoas atendidas por município) predominando no território nacional, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, bem como nos polos urbanos de médio e grande porte de todas as regiões. Estados como São Paulo (8,7 milhões de pessoas assistidas), Bahia (5,9 milhões), Minas Gerais (5,4 milhões), Ceará (5,1 milhões) e Rio Grande do Sul (4,4 milhões) são os com o maior número de pessoas beneficiadas pelos atendimentos.

Já no segundo mapa da mesma figura, onde estimou-se o impacto da saída dos profissionais cubanos, nota-se um cenário devastador. O número de pessoas assistidas no país cai de 62,9 milhões para 25 milhões de pessoas, com os mesmos estados supracitados numa população beneficiária bem inferior, sendo São Paulo (2,2 milhões de pessoas assistidas), Bahia (2,3 milhões), Minas Gerais (2 milhões), Ceará (2,8 milhões) e Rio Grande do Sul (1,8 milhão).

Uma política que vem dando certo

O Programa Mais Médicos vem demonstrando resultados que indicam ser uma política de sucesso. Muito combatido no início pela classe médica brasileira e suas entidades representantes, o Programa recebeu nota 9 de seus usuários em pesquisa realizada pela UFMG em mais de 700 municípios brasileiros. Cerca de 85% dos entrevistados informaram que o atendimento melhorou desde a implantação do programa e 84% que não tiveram dificuldade de comunicação por conta da língua de origem do profissional. O atendimento mais humanizado, interessado e paciencioso, com presença diária dos médicos nas unidades básicas foram os elogios mais citados. Embora tenham indicado que melhorou, as críticas ficaram por conta da dificuldade em retirar remédios e pela infraestrutura física dos postos de saúde.

Além dos dados anteriormente citados, o programa atende cerca de 660 mil indígenas em 5.700 aldeias, já propiciou 5.306 novas vagas em cursos de medicina, sendo 1.690 em 23 novos cursos em universidades federais. Criou 4.742 vagas em residências médicas para especialização em áreas da atenção básica e melhorou a estrutura ou construiu cerca de 26 mil UBS. Notou-se uma ampliação de 33% no número de consultas realizadas nos municípios que participam do Mais Médicos, contra 15% observados em cidades que não aderiram à ação.
Com resultados consistentes e percebidos pela população, em uma atuação universalista e que combate a desigualdade social e a dificuldade de acesso a serviços públicos básicos para o pleno exercício da cidadania, o Programa Mais Médicos merece uma maior atenção e melhor atuação por parte do atual governo, por meio inclusive de quebra de preconceitos políticos e menos conservadorismo na formulação e gestão de políticas públicas para que não regrida nas políticas de atenção primária à saúde e prejudique em consequência milhões de brasileiros.

 

 
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