O julgamento de Dilma no processo de impeachment e a tentativa de salvar outros políticos delatados por Odebrecht e empreiteiras

Ano 1 – nº 06 – Agosto 2016

A presidenta eleita Dilma Rousseff tornou-se ré no processo de impeachment, com 59 votos dos senadores a favor de seu afastamento e 21 contra. O julgamento final do processo será realizado entre os dias 25 e 29 de agosto. Dilma precisa dos votos de um terço dos senadores (27 votos) para retornar à Presidência da República. É pouco provável que os senadores venham a mudar seu voto, mas a defesa ainda se esforça para isso.

Os deputados do PT Paulo Pimenta (RS), Paulo Teixeira (SP) e Wadih Damous (RJ), além do senador Telmário Mota (PDT-RR), entraram com representação contra o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 9 de agosto.

Nos bastidores do Congresso, os parlamentares costuram a anistia para parte dos políticos que tiveram seus nomes envolvidos na Operação Lava Jato, com receio da homologação da delação premiada de Marcelo Odebrecht, que cita Temer e os ministros José Serra, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e agora também Gilberto Kassab, além da possível delação do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cuja cassação do mandato só será votada após o encerramento da votação do impeachment.

No mesmo sentido de inviabilizar punições, prestes a concluir a meta do impeachment, Temer retirou o caráter de urgência do pacote anticorrupção, apresentado pelo governo Dilma, em março de 2015. Simultaneamente, o Ministério Público encaminhou pacote de dez medidas anticorrupção que estão em análise na Comissão Especial na Câmara dos Deputados, onde estudam alterações em ao menos quatro pontos: do caixa dois, o aumento da pena para crime de corrupção, a possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas se forem colhidas de boa-fé e a hipótese de prisão preventiva para a recuperação de recursos desviados.

A proposta encaminhada pelo Ministério Público estabelece a punição não só para pessoas físicas, mas também para os partidos que adotam caixa dois. Porém, para alguns membros do grupo, é preciso separar crime eleitoral de propina. Na prática, os integrantes da comissão querem evitar o endurecimento da legislação. E estudam propostas para distinguir caixa dois de crime de corrupção: o caixa dois consiste em doação ou recebimento de recursos não declarados à Justiça Eleitoral e a propina em recebimento de dinheiro oriundo de corrupção, cuja prática consiste em o beneficiado pagar para algum agente político.
A proposta de alteração enfrenta resistência de parte dos deputados. Segundo o deputado Wadih Damous (PT-RJ), essa seria uma forma de blindar parlamentares e protegê-los de delações em curso, como a da Odebrecht. Com isso, os acordos de delação premiada, tanto o de Marcelo Odebrecht quanto o das demais empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, cujo foco é a doação de verbas para caixa dois de campanhas eleitorais, perdem a força.

O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), diz que o pacote deve entrar em pauta em novembro, depois das eleições municipais, nas quais são proibidas doações empresariais. A mudança na regra deve resultar em uma nova configuração de lideranças dos partidos. Haverá pressões no Congresso por campanhas mais baratas, com a defesa da instituição do voto em lista fechada e de novos modelos de coligações, a fim de enxugar o sistema partidário, temas a serem debatidos no escopo da reforma política.

Cassação de Eduardo Cunha

A votação da cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha, que se estende desde outubro de 2015, ainda parece longe de acabar. Está marcada para dia o 12 de setembro, uma segunda-feira, dia tradicionalmente de baixo quórum na Câmara dos Deputados, sobretudo em época de campanha eleitoral, quando os parlamentares estão liberados das sessões na Câmara para trabalharem em campanhas locais, nas quais cerca de setenta deputados irão disputar prefeituras.

Com isso, há sério risco de, apesar de pressões de parlamentares do PSol, da Rede e do PT, mais uma vez ser adiada a votação da cassação do mandato e Cunha ganhar novo fôlego até novembro, o que ele deseja. Para abrir votação na Câmara é necessária a presença de, no mínimo, 257 deputados, quórum que talvez a votação no dia 12 de setembro não consiga alcançar. Ou ainda, com baixo quórum, é possível que Cunha consiga garantir a presença de sua base de apoio, composta de cerca de duzentos deputados, e derrube o pedido de cassação de seu mandato, para o que é necessário maioria absoluta, ou seja, 257 votos dos 512 deputados. Se engana, portanto, quem achava que Cunha estava morto.

Interinidade do governo Temer: o que fortalece e o que enfraquece sua permanência
Passados três meses desde a chegada ao governo, que contava, de início, com uma grande base no Congresso Nacional, apoio de setores do mercado e da imprensa à sua agenda neoliberal e ao seu discurso de diminuição da máquina pública, Temer cai em contradições e demonstra uma instabilidade que torna seu futuro imprevisível.

Entre os fatores que dão força para o governo está a aprovação de déficit público de 170 bilhões de reais pelo Congresso na votação do Orçamento de 2016, o que equivale a um cheque em branco para que Temer e sua equipe tenham uma margem de manobra e de recursos disponíveis muito maiores se comparados ao que tinha a presidenta eleita Dilma Rousseff.

Sob o discurso de ajuste fiscal e de contenção das despesas, Temer promete uma agenda de privatizações e de retirada de direitos, como o desmonte dos direitos trabalhistas por meio da flexibilização da CLT e dos direitos sociais com uma reforma profunda na Previdência Social, propostas e discursos que encontram apoio efusivo nos editoriais de grandes veículos de imprensa e no mercado.

Após anunciar, de início, o fim de dez ministérios, acabou eliminando apenas seis pastas e logo depois recriou o Ministério da Cultura, devido à pressão do setor, além de estar em vias de recriar o Ministério do Desenvolvimento Agrário, cortando, portanto, apenas metade do que havia prometido. Isso demonstra os conflitos entre o ajuste fiscal e a manutenção de sua base parlamentar.

Nenhuma grande ação de controle do gasto público foi realizada até agora. No curto prazo, ao contrário, a maioria das medidas adotadas aumentam os gastos e o déficit. Os reajustes dos servidores públicos já acordados geraram um gasto de mais de R$67 bilhões até 2018. Além disso, foram gastos R$50 bilhões na renegociação da dívida dos estados; R$4,8 bilhões com reajuste do Bolsa Família até 2017; R$ 2,9 bilhões de ajuda ao Rio de Janeiro, em estado de calamidade; R$1,7 bilhão de renúncia fiscal com a ampliação do Supersimples em um ano.

Temer também utiliza uma grande quantia de recursos financeiros para manter a disciplina de sua coalizão de governo. Além de nomeações de primeiro, segundo e terceiro escalão dentro da máquina pública do Executivo Federal, que não condizem com o enxugamento anunciado, o governo já havia gasto, até julho, cerca de R$ 8,6 bilhões acima do previsto. Cerca de R$ 2 bilhões foram gastos em repasses para prefeituras, dando prioridade aos partidos aliados do governo, com um gasto por dia estimado em R$38,1 milhões. A presidenta eleita Dilma, por exemplo, tinha a média por dia de R$ 21,8 milhões. Desses R$ 2 bilhões gastos por Temer, boa parte é oriunda de emendas parlamentares, orçamento liberado pelo Executivo para deputados e senadores, meio de garantir apoio de bancadas e de estados.

Tal apoio parlamentar, no entanto, não parece ser a realidade do governo no momento, o que coloca ainda mais em risco a realização da agenda política neoliberal que foi anunciada. O texto-base do Projeto de Lei Complementar que estabelece uma série de regras para a negociação das dívidas dos Estados, um dos projetos prioritários do Planalto, por exemplo, foi aprovado na madrugada do dia 10 de agosto com um número grande de traições dentro da base aliada e com um baixo quórum. Mesmo com a retirada de diversos trechos polêmicos, à revelia do que queria a equipe econômica, o comportamento da base aliada demonstrou a formação de três blocos parlamentares na Câmara.

A oposição, liderada pelo PT, votou quase integralmente contra a proposta. O primeiro bloco de apoio de partidos aliados, composto por PSDB, PPS, DEM e PSB, demonstrou maior fidelidade à orientação de voto do governo, com cerca de 80% de apoio dentre os deputados presentes e 75% se considerados os deputados ausentes. Já o terceiro, que aglutina os demais aliados oriundos de partidos do “Centrão”, como PR, PSD, PSC, SD, PP e partidos menores, foi o que teve o maior número de deputados ausentes, fato determinante para o baixo quórum. Incluídos os não presentes, a votação a favor do projeto foi de 60% dentro deste terceiro bloco. Partidos como o PSC, PHS, SD e outros menores apresentaram mais de 50% dos votos de presentes contra o Planalto.

Uma aprovação conturbada como essa, mesmo após inúmeras concessões e depois de tantas mudanças para agradar os parlamentares e bancadas, causa alerta aos articuladores políticos do governo. O número de votos obtido (282) foi suficiente para aprovar um projeto de lei complementar (257), mas não seria para aprovar um projeto de Emenda à Constituição (308 votos).

O governo tenta avançar, por exemplo, na discussão da PEC 241/16, que limita os gastos aos do ano anterior atualizados pela variação do Indíce Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), trazendo o corte de recursos de áreas essenciais. A proposta é vista por parte do Congresso como uma afronta à Constituição, no que se refere ao término da atual vinculação de receitas para gastos com saúde pública e educação, previstas na Carta Magna. Apesar de aprovada a admissibilidade da PEC junto à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), que alegou não haver nela qualquer inconstitucionalidade, são previstas dificuldades para sua aprovação pelos setores mais progressistas. A primeira reunião de trabalho da CCJ está marcada para o dia 22 de agosto e, se aprovada, a PEC será analisada em dois turnos pelo plenário da Câmara. Depois, seguirá para análise do Senado.

Ao mesmo tempo em que retira recursos da Saúde, da Educação e põe em risco os direitos trabalhistas e previdenciários, Temer libera o caixa e recursos para seus aliados e demonstra, portanto, que a agenda do golpe tem como prioridade a retirada de direitos do povo, resultado conhecido de políticas de austeridade que repetem a história vista na década de 1990. Tal desinteresse do governo na redistribuição de renda e no estabelecimento do Estado de bem-estar social tão demandado pelo país comprometem os avanços dos últimos treze anos.

As incertezas e baixas reações econômicas até o momento, com a continuidade do desemprego, a lenta perspectiva de retomada de bons níveis de crescimento, além da arrecadação de tributos menor que a esperada, em meio ao cenário de recessão econômica, colocam em xeque, portanto, o futuro do governo golpista.

A baixa satisfação popular com o governo Temer ocultada pela mídia nacional e a vaia na abertura das Olimpíadas que o mundo inteiro ouviu

A agenda do golpe, de retirada de direitos e de enfraquecimento do Estado brasileiro não seria eleita caso apresentada como plano de governo em uma eleição presidencial. Sua aplicação, portanto, promete manter a insatisfação e reação popular, que já não conta com apoio da opinião pública.

Na última pesquisa Vox Populi, realizada entre os dias 29 de julho e 1º de agosto, a avaliação positiva do governo Temer oscila dentro da margem de erro, de 11% para 13%, mantendo os mesmos índices apurados pelo Ibope em 24 e 27 de junho (13%) e pelo Datafolha em 14 e 15 de julho (14%). Na prática, o governo interino de Temer não conseguiu reverter os índices de avaliação ótima/boa que a presidenta eleita Dilma Rousseff obteve em seus últimos meses de mandato, entre 10% e 14% desde dezembro de 2015. Ao que se observa, a mudança de governo e os danos causados à democracia não fez com que aumentasse a satisfação da população com o governo.

A avaliação negativa do governo está em 35% e a regular em 38%. Há ainda 14% que não souberam avaliar o governo. O saldo da avaliação permanece negativo, em 22 pontos percentuais.

Um dado de pesquisa de opinião pública que chamou a atenção foi a aceitação da tese de novas eleições que a mídia tradicional tentou ocultar. A pesquisa do Datafolha de julho levantou polêmica por ocultar a informação de que 62% da população desejam novas eleições, o que demonstra, portanto, a insatisfação com o governo interino. A Folha de S.Paulo optou por manipular as informações trazidas pela pesquisa, preferindo dar destaque ao fato de que 50% preferiam o governo Temer ao governo Dilma (32%) e que apenas 3% responderam espontaneamente a preferência por novas eleições presidenciais.
Ao comparar os dez maiores países da América do Sul, ainda que com diferentes metodologias, o Brasil tem o pior nível de aprovação do governo.

Fonte: Brasil DataFolha e Vox Populi; Argentina, Instituto Poliarquía e jornal La Nación; Chile, instituto Plaza Pública; Urugya, Equipos Consultores; Paraguai, jornal UH y Telefuturo, IBOPE CIES ; Bolívia, jornal Poder Y Placer; Peru, Instituto CPI; Venezuela, Instituto Datanálisis; Colômbia, pesquisa divulgada pelo canal Caracol; Equador, Cedatos.

Com receio de receber vaias, o presidente interino pediu que seu nome não fosse anunciado na cerimônia de abertura das Olimpíadas antes da execução do Hino Nacional brasileiro. No final do evento, o interino anunciou a abertura dos Jogos Olímpicos, e tão logo o público percebeu que era Temer quem estava falando o mundo inteiro ouviu uma sonora vaia, que a festa e os fogos de artifício tentaram abafar.

Os principais veículos da mídia internacional, como Washington Post, LA Times, CNN, Forbes e Reuters (EUA), El Mundo (Espanha), Al Jazeera (Catar), Telesur (América do Sul), Télam (Argentina), Globovisión (Venezuela) e Al Arabiya (Arábia Saudita), entre outros, mais atentos e menos comprometidos com o governo que os nacionais, noticiaram a vaia.

Além da vaia no Maracanã, o dia de abertura dos Jogos Olímpicos foi marcado por protestos contra o governo interino no Rio de Janeiro. As forças de segurança identificaram o planejamento de pelo menos sete atos contra o governo interino na abertura das Olimpíadas, o que fez com que o Comitê Olímpico Internacional (COI) proibisse todo tipo de protesto de cunho político nos estádios.

A má interpretação da lei das Olimpíadas, com a distorção de passagens da lei que proíbem “… utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável” e “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”, para manifestações contra o governo, levou o Comitê a tomar atitudes arbitrárias e expulsar das arenas quem exibia cartazes de protestos políticos.

Outra passagem da mesma lei assegura “o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana.” Ela voltou a ser assegurada alguns dias depois da abertura do evento, quando foi revogada a proibição de manifestações políticas nos estádios olímpicos.

Somado a isso, as centrais sindicais CUT, CTB, CSP, CGTB, Força Sindical, Intersindical, NCST e UGT realizaram, em 16 de agosto, o Dia Nacional de Mobilização e Luta por Emprego e Garantia de Direitos, com o objetivo de defender os direitos da classe trabalhadora, que estão sendo atacados pelo Congresso Nacional e pelo governo federal, e impedir que milhares de trabalhadores sejam demitidos. Estão previstos atos em todos os estados. Novas manifestações e protestos devem se estender até o final dos Jogos Olímpicos e da votação do impeachment.

 

 
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