Mercado de trabalho e direitos sociais em momento de crise

Ano 1 – nº 05 – Julho 2016

Se analistas têm apontado a desaceleração do agravamento da crise econômica (o que não significa, no entanto, ainda uma reversão), no mercado de trabalho o panorama ainda continua de agravamento da crise. E, neste momento, em reunião com o presidente interino Michel Temer, representantes da CNI chegam a defender a ampliação da jornada de trabalho de 44h para 80h por semana: essa sugestão absurda mostra como a crise econômica vem sendo utilizada como justificativa para a aplicação de medidas que coloquem o custo desta nas costas dos trabalhadores.

Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad-IBGE) contínua apontam 11,2% na taxa de desemprego entre abril e maio de 2016, o que corresponderia a 11,4 milhões de desocupados (3,3 milhões a mais em relação ao mesmo trimestre no ano anterior). Este indicador ficou acima da taxa do trimestre móvel encerrado em fevereiro (10,2%) e superou também a do mesmo trimestre do ano anterior (8,1%). O número de empregados com carteira assinada no setor privado apresentou queda de 1,2% frente ao trimestre de dezembro de 2015 a fevereiro de 2016 e de 4,2% em comparação com igual trimestre do ano anterior. O rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos (R$ 1.982) ficou estável frente ao trimestre dezembro de 2015 a fevereiro de 2016 (R$ 1.972) e caiu 2,7% em relação ao mesmo trimestre do ano passado (R$ 2.037). Já a massa de rendimento real habitualmente recebida (R$ 175,6 bilhões) ficou estável frente ao trimestre dezembro de 2015 a fevereiro de 2016 e apresentou redução de 3,3% frente ao mesmo trimestre do ano anterior.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério do Trabalho mostram que, em maio de 2016, foram eliminados mais de 72mil empregos celetistas no país, com retração de 0,18% do estoque dos empregos assalariados com carteira assinada em relação ao mês anterior. No ano de 2016, a perda até agora é de 448.101 empregos e nos doze meses a perda é de 1.781.906 postos. O estoque de emprego para o mês de maio de 2016, segundo o Ministério, é de 39.244.949 trabalhadores com carteira assinada.

Ainda, a carta de conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisa que os mais atingidos pelo desemprego são os jovens entre 14 e 24 anos. A taxa de desemprego é maior no Nordeste, entre as mulheres, os mais jovens (até 25 anos), os que não são chefes de família, com ensino médio incompleto e nas regiões metropolitanas. No entanto, percebe-se que o desemprego tem crescido mais entre os chefes de família. A carta ainda aponta que a redução nos salários reais foi pior em setores que exigem menor qualificação. Assim, a queda generalizada nos rendimentos e na ocupação fez que, no trimestre entre fevereiro e abril de 2016, a massa salarial se situasse em 173 bilhões de reais (em valores de março de 2016), mesmo patamar de três anos atrás.

O panorama para o mercado de trabalho – e assim para os milhões de brasileiros que dependem dele – continua desfavorável, ainda mais em um governo interino que não mostra ter como prioridade a renda e o emprego.

Direitos em momento de crise
Nesse momento de crise, em que organizações internacionais apontam a necessidade de reforço das políticas sociais de forma a reduzir os impactos da crise para a população, o governo interino mostra ir na tendência contrária, de questionamento e redução de programas sociais supostamente por uma preocupação fiscal.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) alerta, em relatório recente, para o risco de que milhões de famílias latino-americanas voltem à pobreza, o que poderia ser evitado com políticas públicas que se contraponham à desaceleração econômica na região. Frisa-se a importância do gasto social e das políticas públicas no combate à pobreza.

Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem enfatizado a necessidade de se criarem empregos decentes (empregos de qualidade e com proteção social) como forma de combater a pobreza. Aponta-se ainda o problema dos “working poor”, o caso de pessoas que trabalham mas não conseguem sair da pobreza: cerca de um terço dos muito pobres no mundo teriam emprego. É importante pontuar a defesa da OIT de programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, que deveriam ser mantidos e reforçados em períodos de recessão: segundo a organização, os importantes progressos realizados para a queda da pobreza nos últimos dez anos não devem ser questionados por mudanças econômicas e políticas.

Infelizmente, no Brasil atual, não parece ser prioridade para Temer e seus ministros interinos a garantia de direitos mínimos de grande parte da população brasileira e o combate à pobreza, dado que, em um contexto de crise, as propostas de corte do ajuste fiscal recaem sempre sobre aqueles gastos que favorecem a maioria da população e seriam capazes de frear o aumento da pobreza, tais como Bolsa Família, Previdência Social, direitos trabalhistas, gastos com saúde e educação, entre outros. Por outro lado, o governo sinaliza claramente que vem a defender os interesses de parcela mais privilegiada da população, como por exemplo ao não propor limite para o crescimento de gastos com juros.

Mas o governo Temer tem aberto espaço não só à precarização do acesso aos direitos sociais ao reduzir no longo prazo os gastos sociais, mas também aos interesses de poderosos grupos privados em diversos setores ao colocar seus representantes em cargos chaves.

SUS e planos de saúde

O ministro interino da saúde Ricardo Barros sugeriu que fossem adotados “planos populares” de saúde, a fim de que mais brasileiros pudessem ter acesso a planos de saúde com o intuito de desonerar o Sistema Único de Saúde (SUS). Ao fazer tal afirmação, o ministro não só ataca a inspiração do SUS e mostra desconhecimento sobre a importância dele (mesmo aqueles brasileiros cobertos por planos de saúde continuam utilizando serviços do SUS), mas também mostra desconhecimento sobre a estrutura tributária brasileira: se o objetivo é ampliar recursos para o SUS, seria muito mais eficaz rever os diversos subsídios para a saúde privada que o país oferece hoje.

Estudo de Carlos Octávio Ocké-Reis (Ipea) e Filipe Nogueira da Gama (RFB) faz uma radiografia do gasto tributário em Saúde: é apresentada uma estimativa da renúncia de arrecadação fiscal entre 2003 e 2013, que funciona como subsídio. Os autores mostram que, em onze anos, a preços médios de 2013, o governo subsidiou o setor em aproximadamente R$ 230 bilhões.

É importante ainda lembrar que o ministro interino teve a campanha eleitoral para deputado federal financiada em parte por um dos principais operadores de planos de saúde do país.

Para ler mais:

Radiografia do gasto tributário em Saúde – 2003/2013

Carta de conjuntura 31 IPEA

Boletim de Conjuntura do Dieese (número 7, de junho de 2016)

Programas sociais devem ser reforçados em tempos de recessão, diz diretor da OIT

Transforming jobs to end poverty – World Employment and Social Outlook 2016

Recaída de milhões de latino-americanos na pobreza é evitável com políticas públicas de nova geração

 

 
`