Dois editoriais publicados pelo jornal O Estado de S.Paulo são emblemáticos ao denotar posição favorável à destruição do PT, seja qual for o preço, ainda na linha de que todo esforço é válido pela aprovação definitiva do impeachment no Senado. O primeiro, intitulado “Do que o País vai se livrar” (4/6/2016), inicia com a afirmação de que “A desmoralização do PT, que está prestes a se tornar completa em razão do esperado impeachment da presidente Dilma Rousseff e de uma previsível derrota nas eleições municipais, fará um grande bem ao País.” Dias depois, o texto “O ônus da interinidade” (2/7/2016) defende sem constrangimento o loteamento político do governo uma vez que Temer não conta com apoio popular. “Daí o loteamento político do governo e os ‘pacotes de bondades’, como o recentemente concedido reajuste de salário de servidores públicos. São medidas aparentemente incoerentes, adotadas para atender à necessidade de estabelecer o difícil e delicado equilíbrio entre o ideal e o possível na ação governamental. Isso se pode compreender, quando se adota uma postura de crítica construtiva voltada para os verdadeiros interesses nacionais”.
Na edição de 26 de junho de O Globo, Temer é bem avaliado por ter melhorado as relações com o Congresso, o que possibilitou a aprovação de várias medidas contrárias aos interesses dos trabalhadores. “A diferença de postura entre a presidente afastada e o presidente interino fez com que a relação melhorasse nas últimas seis semanas, levando o peemedebista a vitórias importantes, como a aprovação da DRU (Desvinculação de Receitas da União) e da Lei das Estatais. Ele também conseguiu a aprovação rápida da nova meta fiscal, com deficit de R$ 170,5 bilhões; do reajuste dos servidores públicos e da medida provisória que abre integralmente o setor aéreo para investimentos de empresas estrangeiras”. O jornal também publicou uma matéria que destaca a simpatia de Michel Temer (25/06), com foto na qual o interino aparece sorridente. A notícia: “Em entrevista, Temer se diverte com mesóclise e destaca caráter didático”.
Contrariando a tese de melhor relacionamento com o Congresso, todo o noticiário publicou em 6/7/2016 que o governo do presidente interino sofreu sua primeira derrota no plenário da Câmara dos Deputados. Os títulos adotados por três grandes jornais denotam diferenças no tratamento editorial das notícias desfavoráveis ao governo. No Estadão: “Câmara rejeita pedido de urgência para projeto da dívida dos Estados”, ao passo que a Folha informou que “Governo é derrotado, e projeto sobre dívida dos Estados não terá urgência”, em título quase idêntico ao adotado pelo Valor Econômico “Governo Temer é derrotado em pedido de urgência para dívida de Estados”.
Perícia do Senado
Na divulgação do resultado da perícia do Senado, o Estadão mais uma vez aproveita para defender a legalidade do processo do impeachment no editorial “Um tiro pela culatra (29/6/2016)”, apesar de o argumento principal, “as pedaladas”, ter sido demolido pelos técnicos. “Está claro, portanto, que o processo de impeachment que os petistas dizem ser ‘golpe’ contra Dilma tem, sim, fundamento legal. Registre-se que a única conclusão dos peritos que poderia favorecer Dilma Rousseff – a de que ela não teve participação direta nas “pedaladas” – não elide o fato de que, como presidente da República, ela tem responsabilidade objetiva, constitucionalmente definida, pelos atos de governo”.
A Folha noticiou o fato em reportagens cujos títulos destacam a posição dos senadores e da própria presidenta afastada, Dilma Rousseff: “Senadores pró e contra impeachment usam perícia para defender seus votos” e “Perícia do Senado demonstra que impeachment é golpe, afirma Dilma”. O jornal também publicou os artigos de opinião das senadoras Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) e Simone Tebet (PMDB-MS) “Perícia do Senado isenta Dilma de crime de responsabilidade?”, em 2/7/2016.
Já o jornal O Globo reportou em 5/7/2016 que “Houve violação à lei tanto nos decretos quanto nas pedaladas, diz perito do Senado”, após depoimento do coordenador da junta de perícia do Senado à comissão especial que analisa o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, o que reforça seu posicionamento pró-golpe.
Extinção da EBC
O editorial da Folha de S.Paulo intitulado “Canal chapa branca” (25/06/2016) inicia com a afirmação de que “a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) nasceu e cresceu como aparelho de propaganda a serviço do governo de turno. Passou da hora de pôr (sic) termo a mais esse desperdício de dinheiro público.” Mais adiante, o texto oferece o principal argumento para a extinção da empresa: “Emprega hoje 2.564 pessoas. Seu gasto em 2015 remontou a R$ 547,6 milhões — cifra comparável ao faturamento de algumas emissoras comerciais.“
Na mesma linha, a colunista Dora Kramer, de O Estado de S.Paulo, comemora a decisão governamental de enxugar drasticamente a EBC na nota “Bye, bye TV Brasil (4/5/2016)”, segundo a qual “A televisão, criada em 2008 para funcionar como emissora de caráter público, nunca passou de divulgadora de panfletos petistas nem conseguiu sair do ‘traço’ em termos de audiência.”
Prisão de Paulo Bernardo
O caráter ilegal da prisão do ex-ministro Paulo Bernardo foi minimizado pela grande imprensa e não ganhou destaque nos títulos e manchetes dos jornais, mesmo após sua liberação. Com exceção da Folha de S.Paulo, que publicou o editorial “Critérios Supremos” em 4/7/2016, no qual afirma: “Dois graves problemas da Justiça brasileira se mostraram por inteiro no episódio do encarceramento e posterior soltura do petista Paulo Bernardo. De um lado, o abuso das prisões provisórias, decretadas antes de haver condenação; de outro, a falta de controle sobre as canetadas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que não raro se valem dessa circunstância para decidir sabe-se lá com base em quais critérios.”
Internacional
O jornal inglês The Independent publicou a íntegra da entrevista de Dilma Roussef para a Agência Pública. Na apresentação, o texto citou a Secretaria de Direitos da Mulher da ONU que denunciou o impeachment como uma “violência política sexista” e lembrou, também, que não há nenhuma acusação de corrupção contra Dilma Rousseff, enquanto a maioria da classe política brasileira está sendo atingida pela operação Lava Jato. A publicação foi feita no dia 27 de junho. Dilma foi alvo de uma reportagem do também inglês The Guardian, que, sem muito aprofundamento, anunciou, em 10 de junho, que a presidenta afirmara ter a intenção de realizar um plebiscito sobre novas eleições.
O The Guardian também buscou Lula. Primeiro, em uma reportagem, afirmou que ele é alvo de investigações e que a família está sofrendo por causa do processo. Frei Chico afirma que toda a família já foi julgada pela mídia e condenada. Mesmo assim, a luta na justiça continua. Depois, em uma entrevista com Lula, o ex-presidente disse que chorou muito após a votação na Câmara, que foi um grande sofrimento. O texto afirma que a grande discussão na sociedade brasileira ainda é se Lula é vítima ou vilão desse processo. Para ele, existe uma tentativa de destruir a sua imagem a fim de evitar que possa ser candidato novamente. Lula também cita o ressentimento de uma determinada classe política que era acostumada a ter tudo do seu jeito. Menos ligado ao discurso dos agentes políticos, o francês Le Monde tem por costume a busca pela reflexão e é assim que trabalha na reportagem “Marcelo Odebrecht, a ‘metralhadora’ brasileira”. O texto começa pelo perigo que a delação do empresário representa, passa por críticas da CUT à Lava Jato, pela história da empreiteira, sobre como o seu crescimento é ligado aos militares. O auge da apuração é, contudo, a discussão que ela abre sobre a relação entre empresas e estado brasileiro.
O economista Tiago Vidal, coordenador do centro de análise política Prospectiva, critica a maneira como as empresas se alimentam do Estado que atua como um investidor em obras espetaculares e oferecendo facilidades de financiamento. Bruno Brandão representante da Transparência Internacional no Brasil, acusa o sistema de ser ética e economicamente perverso. Por outro lado, a reportagem afirma ver um caminho positivo para o Brasil em decorrência desse processo, o que começa pela adesão da Odebrecht a um pacto mundial da ONU engajando as empresas em um código de boa conduta. O encerramento é feito pelo economista Gesner Oliveira, que afirma que a transição será brutal, sem dúvidas, mas “a verdade é sempre revolucionária”.
Em Portugal, o jornal Diário de Notícias realizou entrevistas com personagens que podem ser decisivos para o processo de impeachment e com analistas. Roberto Requião afirmou que “Temer estava comprando a bancada do Senado” e o indeciso Cristovam Buarque disse ser difícil escolher entre Dilma e Temer. Um pouco enigmático, ele criticou a postura de Temer com relação ao combate à corrupção e elogiou a ideia da realização de um plebiscito sobre novas eleições. O economista chefe do Banco Mundial para a América Latina, Augusto de La Torre, disse ao jornal que “o problema político dificulta a solução dos problemas econômicos”.
Em todos os grandes veículos internacionais houve uma diminuição no fluxo de notícias sobre a crise política brasileira. Nos Estados Unidos, o New York Times é um bom exemplo disso. O jornal tratou de poucos fatos referentes à nossa política, noticiou “a defesa apaixonada de Dilma na comissão do impeachment”, o processo do conselho de ética da Câmara contra Jair Bolsonaro, uma figura que, segundo o jornal, “espalha a preocupação de que a crise política possa promover uma nova política autoritária” e o diagnóstico da pesquisa CNI/Ibope, que afirma que a maioria do povo brasileiro está descontente com o governo interino.
A política econômica que está sendo aplicada por Michel Temer ainda não ganhou a atenção de muitos jornais. A revista inglesa The Economist, que sempre criticou muito o governo Dilma, agora vê com bons olhos a possibilidade de abertura da economia brasileira que, de acordo com a publicação, nunca se concretizou e, por isso, ainda tem um longo caminho pela frente.
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